' “Fundação de municípios no planalto de São Paulo em um contexto de integração entre América Portuguesa e Espanhola (sé. XVI-XVIII)”. Fernando V. Aguiar Ribeiro. XXVIII Simpósio Nacional de História - 01/01/2015 de ( registros) Wildcard SSL Certificates
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“Fundação de municípios no planalto de São Paulo em um contexto de integração entre América Portuguesa e Espanhola (sé. XVI-XVIII)”. Fernando V. Aguiar Ribeiro. XXVIII Simpósio Nacional de História
2015. Há 9 anos
A proposta dessa comunicação é discutir uma nova relação de espacialidadenos séculos iniciais da colonização ibérica no Novo Mundo. A fundação demunicípios no planalto de São Paulo, em um momento anterior à política depovoamento, defesa e desenvolvimento econômico promovido pelo Morgado deMateus, correspondeu à uma lógica de equilíbrio entre as elites políticas locais(BELLOTTO, 2007).Isto é, os oficiais das câmaras do planalto, a fim de preservar o equilíbrio entreos grupos políticos, estimulavam a criação de novas estruturas municipais com ointeresse de evitar tensões na competição pelo controle das instituições.Tal situação, evidenciada na capitania de São Vicente e, posteriormente, SãoPaulo, ocorreu até a restauração da capitania e a nomeação do governador Morgadode Mateus.Nesse período, foram fundados municípios no planalto, notadamente SãoPaulo, Mogi das Cruzes, Santana de Parnaíba, Jacareí, Itu, Sorocaba, Jundiaí,Taubaté, Curitiba, Guaratinguetá e Pindamonhangaba (RIBEIRO, 2010:169).Esse contexto de criação de uma noção de equilíbrio político e ausência deuma política central de povoamento e urbanização estimulou a circulação de pessoase, consequentemente, de conhecimentos e práticas em toda a área do planalto.Essa circulação, na área denominada sertões da capitania, criou umaespacialidade distinta, representada por uma intensa circulação de pessoas e umaintegração que superaria a divisão política entre domínios castelhanos e portuguesesna América.A partir dessa nova espacialidade, propomos discutir como essa situação influenciou a criação de municípios, principalmente na interação entre as elitespolíticas locais de municípios portugueses e castelhanos na porção meridional docontinente americano.Contrariando uma historiografia assentada em bases de criação e justificativade Estados nacionais, propomos que os sertões da capitania de São Paulo,principalmente a região do Guairá, representaram uma zona de circulação eintegração das elites coloniais ibéricas.A região do Guairá, localizada a leste do Paraguai e a oeste da capitania deSão Vicente, no atual estado brasileiro do Paraná, foi, durante o período inicial daconquista americana, território pertencente a Castela.Ramon Cardozo descreve que “la provincia del Guairá era una de las máspobladas de todas las tierras ocupadas por los guaraníes e, solamente en losalrededores de la Villa Rica del Espíritu Santo existían más de doscientos mil indiospoblados así por ríos y montañas, como en los campos y piñales que corren hasta SanPablo" (1970:17).A região destacou-se como área de intenso trânsito, pois permitia a ligação porterra entre a cidade de Asunción e o litoral atlântico, na altura da ilha de SantaCatarina. Sobre esse caminho, Cardozo destaca que “esta vía hacia el Atlántico por elGuairá, era geográficamente más curta, puesto que estaba más en línea recta que laotra de Asunción – Río de la Plata – Santa Catalina” (1970:41).Para efetivar a posse desse território, os conquistadores castelhanosempreenderam a fundação de cidades na região, como Ciudad Real, Ontiveros e VillaRica del Espíritu Santo, todas do século XVI.Essa expansão da conquista castelhana, nos territórios indefinidos por conta daimprecisão da linha do Tratado de Tordesilhas, foi dificultada pelo fato de não seencontrar na região o ouro e a prata desejados. Isso levou a uma precoce decadência ea um isolamento político e econômico em relação a Asunción, a ponto de Cardozodescrever que “cuando en 1601 entraron en ellas los jesuitas, apenas tenían 50 y 100habitantes europeos la Ciudad Real y la Villa Rica del Espíritu Santo,respectivamente” (1970:60).A presença dos padres inacianos marcou a região, pois, por conta do contingente demográfico indígena, permitiu a instalação de uma ampla rede demissões religiosas.O habitantes das cidades guairenhas, por conta do isolamento econômico egeográfico, recrutavam os Guarani como força de trabalho para sua rudimentareconomia. Como os jesuítas também desejavam os indígenas em suas missões, nãotardou para esboçar-se um conflito.Cardozo afirma que, tão logo os jesuítas chegaram a Villa Rica, por volta de1610, “los encomenderos de esta ciudad pusieron obstáculos a la fundación depueblos por los jesuitas por el temor de que los naturales se retirasen de lasencomiendas para pasar con los doctrineros” (1970:85).Apesar da oposição dos guairenhos,la labor de los misioneros fue intensa; desplegaron una actividadasombrosa. Las reducciones prosperaban. Entonces sus actividades sedirigieron hacia el oriente del Guairá, siguiendo los cursos de los ríosHuybay, Pirapó y Tibaxiba que utilizaban para sus traslados en canoashechas de troncos de cedro, madera abundante en aquellos bosques(CARDOZO, 1970:87).Enquanto que as “reducciones de Loreto y San Ignacio contaban con vacas,ovejas, cabras y otros animales domésticos que se propagaban rápidamente”(CARDOZO, 1970:96), as cidades de Villa Rica e Ciudad Real careciam de tudo, pois“no tienen carne ni la han tenido de vaca ni ovejas ni cabras” (CARDOZO, 1970:96).Em meio a esse cenário de tensão entre conquistadores e jesuítas, o paulistaPedro Vaz de Barros consegue escravizar, em 1611, quinhentos Guarani na região deGuairá (MONTEIRO, 2005:60-61). Anos antes, em 1607, “Manuel Preto, voltando deVilla Rica no Guayrá, ‘pacíficamente’ persuadiu um grupo a se deslocar para suafazenda de Nossa Senhora do Ó” (MONTEIRO, 2005:62).Logo, esse cenário de tensão propiciou ligações entre os paulistas e osguairenhos frente a um inimigo comum, representado pelos jesuítas. Cabe ressaltarque em São Paulo os padres inacianos combatiam e dificultavam as entradas ao sertãocom intuito de escravizar indígenas. [Páginas 1, 2 e 3]

Afonso Taunay relata que

a 22 de novembro de 1603 presente á sessão da Camara de S. Paulo, o capitão Pedro Vaz de Barros, compareceram perante os officiais, soldados hespanhoes, vindo de Villa Rica do Espirito Santo ‘provinsia do paraguay’ a saber: João Benites de la Cruz, procurador da villa, Pero Minho, Pero Gonzales e Sebastião de Peralta. Indagando-se-lhes o que vinham fazer responderam que seu major Dom Antonio de Andrasque (Añasco) solicitava dos paulistas ‘socorro como cristãos e vassalos de sua majestade’ (1924:I,219).

Esses espanhóis, de acordo com Taunay, “não eram senão traficantes deescravos, segundo elucida perfeitamente a acta de 1603, sem data, entre 23 denovembro e 24 de dezembro” (1924:I,219).A câmara de São Paulo prestou auxílio a esses guairenhos e autorizou umaescolta de moradores e soldados paulistas que os levassem de regresso à sua cidade(TAUNAY, 1924:I,220).Taunay destaca também, na mesma época do pedido de socorro dosvilariquenhos, “a exploração feita, Paraná e Tietê acima, por quatro hespanhoes que,partidos de Ciudad Real do Guayrá, haviam chegado a S. Paulo, passados algunsmezes” (1924:I,221).Esses desejavam o estabelecimento de uma rota fixa ligando o Guairá a SãoPaulo. Não houve resposta da câmara, nem afirmativa nem negativa sobre o caso.Taunay, por sua vez, relata que, “acaso a permitissem as autoridades vicentinas, seriade grande vantagem para os guayrenhos esta intercomunicação. Eram muitos pobres eesperavam grande auxílio do Brasil” (1924:I,221).Diante desse contexto, observamos práticas de cooperação entre paulistas eguairenhos na atividade de captura e escravização de indígenas. Ambos encontraramoposição dos jesuítas e chegaram a conflitos diretos com esses por conta do controledo contingente Guarani na região.A destruição das missões jesuítica no Guairá pelos paulistas em 1628 não foi aúnica causa da decadência da região2. Carlos Jensen define o Guairá como “regiónaislada dentro de una gobernación empobrecida” (2009:13), sendo sua hisória, “hastafines del año 1609 de un contiguo batallar por su supervivencia” (JENSEN, 2009:13). [Página 4]

española se halla más lejano en el tiempo” (JENSEN, 2009:17).A decadência do Guairá foi, segundo Carlos Jensen, fruto dos constantesembates entre encomenderos e jesuítas, sendo a bandeira de 1628 o golpe fatal emuma estrutura já comprometida por conta das disputas. Tanto que descreve que “elperiodo que va de desde la fundación de las primeras reducciones en 1609 hasta el1622 va a ser de un constante tironeo entre los padres jesuitas y los vecinos por el suode la mano de obra indígena” (JENSEN, 2009:41).O ano de 1622 corresponde ao início do acirramento das tensões no Guairá. Éautorizado pelo governador do Paraguai, Manuel de Frías, o estabelecimento de novasreduções jesuíticas na região. De acordo com Jensen,este será el inicio de un conjunto de Reducciones que fueron avanzandosobre la jurisdicción de Villa Rica, y se nutrirían de indiosencomendados a vecinos de esta y de Ciudad Real, estrangulando laeconomía del Guairá. En 1622 surge la Reducción de San FranciscoJavier, en 1625 la reducción de San José y la Reducción deEncarnación, en 1626 la Reducción de San Pablo y la Reducción de SanMiguel, en 1627 la Reducción de los Arcángeles, la Reducción deConcepción y la Reducción de San Antonio (2009:43).Essas novas reduções foram abastecidas de índios encomendados, ou seja,utilizados pelos vizinhos do Guairá como força de trabalho, além de índios resgatadosde São Paulo (JENSEN, 2009:43).

A decadência econômica da região, tanto por falta de mão de obra, como por competição da produção das missões jesuíticas, levou os moradores do Guairá a buscar alternativas à pobreza. Jensen aponta que

eliminada la opción de un puerto español sobre el Atlántico, la única salida que tenían los vecinos del Guairá era abrir camino hacia San Pablo, porque el puerto de Buenos Aires estaba situado a trasmano. Justamente a fin de paliar el problema económico, en el año 1604, el General Don Antonio de Añasco mandaba a cuatro vecinos de Villa Rica a descubrir el camino a San Pablo, el cual un vez descubierto fue aprovechado por los vecinos para establecer relaciones económicas. Un año después partía Francisco Benítez, con vino, cachaza y otros productos de la tierra para comercializar en San Pablo, aparte iba a contraer matrimonio con una hija del Capitán Joseph Camargo, vecino de San Pablo. Dicho casamiento había sido concertado el año anterior entre el capitán Alonso Benítez, ahora Teniente de Gobernador, y Joseph Camargo (2009:53).

A passagem acima explicita a integração entre as elites locais paulista eguairenha, bem como os constantes contatos, tanto comerciais como matrimoniais.Em 1622 o comércio entre o Paraguai e a porção meridional do Brasil foiformalmente proibido. Tal medida acelerou a decadência econômica do Guairá eacirrou a tensão com os jesuítas. Segundo Jensen, “es más que evidente que laprohibición de comerciar con Brasil perjudicó a los vecinos del Guairá, que se vieronobligados a depender de Buenos Aires para la salida de sus productos” (2009:59).

Em 1628 o governador do Paraguai, Cespedes Xeria chega ao Guairá apósseguir o caminho terrestre desde São Vicente, na costa do Brasil. Assim,

no tardaron mucho los vecinos de Ciudad Real para presentar unaserie de peticiones al Gobernador recién llegado, es así que el 26 deseptiembre de 1628 el procurador de Ciudad Real, capitán Juan deAlvear y Zúñiga, presenta una relación de todas las cosas que sonnecesarias a la ciudad a fin de evitar, si el gobernador no lo remedia,la ruina de la misma (JENSEN, 2009:89-90).

Os problemas apresentados ao governador não se resumiam aos embates comos jesuítas, mas também a necessidade da legalização de “un nuevo camino paracomunicarse con las reducciones del Paraná abajo y desde allí con las ciudades sinpasar por Asunción” (JENSEN, 2009:93).O governador Cespedes Xeria não altera o panorama da região, mantendo oconflito entre jesuítas e guairenhos sem solução. Em relação aos caminhos, nãoautoriza sua legalização, mas mantém os mesmos informalmente abertos. De acordocom Jensen, o governador “manda a hacer un padrón de los extranjeros que estabanen Maracayú y en el Guairá y que habían entrado por la vía de San Pablo a fin deremitirlos según establecía la Cédula Real a la casa de Contratación de Sevilla”(2009:172).Na interpretação de Carlos Jensen, por nenhum paulista que teria entrado noGuairá pelo caminho terrestre ter sido punido, a medida acima “tenía por efectoprevenir cualquier acusación de connivencia con los portugueses que le pudieron hacer sus enemigos” (2009:172). [Páginas 6 e 7]

A destruição das missões jesuíticas no Guairá, por “una de las más grandesbandeiras de la historia del Brasil, con 900 soldados y más de tres mil tupíes”(JENSEN, 2009:185) foi facilitada pela divisão dos guairenhos e jesuítas, o queimpossibilitou uma defesa eficaz.Jensen aponta que “años de disputas y confrontación por la posesión delindígena hacía imposible presentar una defensa en conjunto contra la terrible amenazaque se cernía sobre la Provincia” (2009:186).Nesse contexto de divisão no Guairá não seria surpreendente se os paulistasencontrassem aliados na destruição das missões jesuíticas e na apreensão deindígenas. Carlos Jensen, inclusive, destaca queante la aparente pasividad de los Villenos en la defensa de lasreducciones de los Jesuitas, uno de estos, el Padre Pablo de Benavidespresenta al Cabildo una carta del Padre Antonio Ruiz de Montoya dondeacusa de complicidad con los portugueses a los Villenos y alGobernador Cespedes Xeria (2009:209).

Essa acusação de cumplicidade é corroborada pelas relações econômicas e pessoais, pois Alonso Benítez, morador de Villa Rica,

como gobernante, fue un impulsador de las relaciones y comunicaciones con la Villa de San Pablo, comunicaciones que habían abierto Don Antonio de Añasco siendo Teniente de Gobernador en 1604 aproximadamente. Al año siguiente siendo, ya como Teniente de Gobernador, mandaba a su hijo Francisco de Benítez a cumplir el pacto de casamiento que había pactado con la hija de Joseph Camargo, vecino de San Pablo. A la vuelta Francisco Benítez había traído en su compañía tres portugueses que se asentaron en la Villa Rica (JENSEN, 2009:345-6).

Após a destruição das reduções jesuíticas pelos paulistas e diante da definitiva decadência do Guairá, várias famílias migraram para São Paulo. Jensen descreve que Antonio Gonzáles do Rego, um dos fundadores de Concepción del Bermejo e de San Juan de Vera, “con la llegada de los portugueses a Santiago de Xerez se pasó al bando de estos, sirviendo como guía de los mismos en el saqueo del Itatín, para posteriormente escapar junto con los bandeirantes a San Pablo” (2009:408). [Página 8]

Antonio Gonzáles do Rego “estuvo casado con doña María de Zúñiga, a la cual embarcó rumbo a San Pablo junto con su casa y servicio en compañía de sus cunados Gabriel Ponce de León y Sebastián de Peralta. Estos estaban casados con las hermanas de doña María de Zúñiga” (JENSEN, 2009:480 e FRANCO, 1989:250-1).

Após a morte de Gonzáles do Rego, “María de Zúñiga casó con Baltazar Fernández, hermano del famoso corsario de los sertones André Fernández. De este matrimonio nació María de Torales. Esta casó con Gabriel Ponce de León” (JENSEN, 2009:380).

A interpretação de que o Guairá correspondia a uma região de integração entre o Paraguai e a capitania de São Vicente é corroborada pela migração dos vizinhos da região a São Paulo após o conflito com os jesuítas. Inclusive o apoio dado aos bandeirantes demonstra que a relação das elites locais guairenhas estava mais ligada aos paulistas do que aos padres inacianos.

Sobre essa questão, Carlos Jensen conclui que “estos Guaireños radicados en San Pablo eran miembros de tres familias de Ciudad Real, los Orrego y Mendoza, los Torales y los Contreras, quienes transmitieron apellidos maternos como ser Zúñiga, Ponce de León, Guzmán y Espinosa” (2009:381).

O Guairá atuou, desde seus primórdios no século XVI até sua destruição e êxodo em meados do XVII, como uma zona de trânsito entre o Paraguai e São Paulo. Uma região fluida, marcada pela integração das elites locais através do estabelecimento de contratos matrimonias e interesses comuns. Tal panorama afasta, portanto, a interpretação de dois impérios ibéricos com fronteiras americanas definidas e consolidadas e do isolamento das empresas de conquista e colonização no Novo Mundo nos primeiros séculos. [Página 9]

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