“Na capitania de São Vicente” II. Washington Luís (1869-1957), 11° presidente do Brasil
1957. Há 67 anos
“possuir 80.000 cruzados em ouro em pó, que o tinha enterrado em botelhas de barro”.Em 1604 o Padre João Alvres11 estava realmente no sertão, ena bandeira de Nicolau Barreto, da qual eleeoPadre Diogo Moreiraeram capelães conforme expressamente declaram essas qualidades porescrito na quitação, que passam, por missas cantadas e rezadas por almade Manuel de Chaves, aí morto por uma flechada que lhe deram os Tupiães (Testamento de Manuel de Chaves, Inv. e Test., vol. 1º, págs. 461 e489). Se Sardinha, o moço, fez testamento no sertão em 1604, pareceque lá não morreu. Não consta que tivesse sido feito lá inventário dosbens de pessoa declarada tão rica. Segundo se pode deduzir do testamento de seu filho, Pero Sardinha, em 1615, ele provavelmente ainda vivia, já tendo, porém, morrido em 1616, quando foi feito o inventáriodesse filho em São Paulo, porque é ao avô que o juiz do inventário manda perguntar se quer nele herdar.
A extrema miséria em que morreu Pero Sardinha, mostra que ele nada herdou de seu pai Afonso Sardinha, o moço. Este, como todos os moradores de S. Paulo, nessa época, era pobríssimo. Nada teria ele deixado a seus filhos; se tivesse deixado, Pero Sardinha no testamento não iria implorar ao avô a compra do filho da escrava Esperança. Ao contrário, declara ele que nada possui, e, na falta de seu avô, é à sua irmã que implora a libertação da criança que ele tinha por seu filho, do mesmo nome, que seu pai e seu avô.
O fato, que relata Azevedo Marques, sobre os 80.000 cruzados, pode ser verdadeiro. Mas a quantidade de ouro em pó, enterrado em botelhas de barro, é, sem dúvida alguma, muito exagerada. Evidentemente 80.000 cruzados em todas as espécies, mas somente em ouro em pó, nessa época em que um boi valia 1$500 e uma vaca 1$200, um sítio em Pinheiros se avaliava por 16$000 e uma casa na vila com seu quintal por 10$000 (vide inventários do tempo) e o capitão-mor-loco-tenente e ouvidor do donatário ganhava 50 mil réis anuais, e pagos pelas rendas da capitania, a quantia de oitenta mil cruzados é quantia fabulosa (Vide livro nº 54 da Câmara de S. Paulo, numeração antiga de 1602. O traslado no vol. 1º do Registro Geral, pág. 39 está incompleto). Mas ainda em 1607 o capitão-mor ganhava 50$000 (Registro Geral, vol. 1º, pág. 143).
Capistrano de Abreu também já achava exagerada tal quantidade de ouro, dizendo que deveria haver muito ogó no monte (Capítulos de História Colonial, pág. 193, edição da Casa Capistrano, por Capistrano de Abreu – 1928).
E torna-se mais acentuado o exagero dessa quantidade deouro, se se levar em conta que, na vila de S. Paulo, paupérrima e atrasadíssima, e, nesse tempo, com pouquíssimos e ignorantes habitantes12um bastardo, cujo pai em 1592 declara em testamento ter “por ele já feitoo que devia dando-lhe 500 cruzados”, pudesse ter guardado, doze anosdepois, 80.000 cruzados em ouro em pó e os tivesse enterrado sem queninguém o soubesse. É de notar ainda que Afonso Sardinha, por maishábil sertanista que fosse, e entendedor de minas, não poderia ter conhecimentos especializados para exploração, como o declarava D. Franciscode Sousa.As grandes minas gerais só foram descobertas no século 18. Osprocessos de mineração eram então grosseiros, rudimentares, e consistiamna bateia que exigia numeroso pessoal e imenso tempo, dando o ouro delavagem, que não poderia ser feito às escondidas dos moradores da vila.
John Mawe, que fez Viagens no interior do Brasil, no começo do século 19, descreve no capítulo V como se fazia a exploração de ouro no Jaraguá. Declara que não havia mina mas lavagem de ouro, feita a céu aberto, exigindo muito tempo a muito pessoal.
E isso em tempo em que o Jaraguá pertencia ao Capitão General Franca e Horta,dois séculos depois da descoberta aí feita. Não era possível em 1602 haver minas com exploração clandestina que permitissem a Afonso Sardinha obter 80.000cruzados em ouro em pó e os esconder em botelhas.[Páginas 198 e 199]
D. Francisco de Sousa, no regimento já referido,14 dado em1601 a Diogo Gls. Lasso, menciona, como motivo da proibição da idaàs minas, descobertas e por descobrir, a “falta de mineiros” para o respectivo benefício, mineiros que mandara vir e os estava esperando, a fimde que as achassem intactas e vissem que se falou verdade a S. M. (Reg.Geral, vol. 1º, pág. 124).Intactas deviam, ainda em 1601, ficar as minas, era a ordemdo Governador Geral, e se os Sardinhas foram autorizados a lá ir e adescobrir outras, não podiam explorá-las.
As chamadas minas do Jaraguá, Bituruna, foram também descobertas por Clemente Álvares (Atas, vol. 2º, pág. 172) que as manifestou em 1606, procurando-as, segundo disse, desde 14 anos, época mais ou menos em que também as descobriram os Sardinhas, nada produziamainda, dois anos depois do testamento de Afonso Sardinha, o moço, no sertão. E nada tinham produzido, porque o próprio Clemente Álvares pede que se registre o seu descobrimento em Jaraguá para “não perder o seu direito, vindo oficiais e ensaiadores que o entendam, por ele não o entender senão por notícia e bom engenho”.
No tempo em que as manifestou, em 1606, as minas de Jaraguá ainda esperavam os mineiros e ensaiadores. Não tinha ainda havido exploração, estavam ainda intactas,conforme determinara D. Francisco de Sousa. Se houvesse produção o Fisco, curioso e ávido, não teria deixado de arrecadar os quintos para receber as porcentagens. As penas para quem guardasse ouro em pó eram severíssimas, e importavam em confisco desse metal, em multas pecuniárias, açoites nas ruas públicas, degredo para Angola, devendo todosreduzir o ouro a barras, depois de quintado (Reg. Geral, vol. 1º, págs. 93e 94).
De 19 de julho de 1601, data em que o Governador-Geral do Brasil em atividade febril em S. Vicente para descobrimento de ouro, declarava intactas as minas de S. Paulo (Regto. dado a Diogo Gonçalves Lasso, no Registro Geral, vol. 1º, págs. 123 a 126) até setembro de 1602, época provável da partida da bandeira de Nicolau Barreto para o sertão, na qual tomaram parte Afonso Sardinha, o moço, e o Padre João Alvres, redator este do testamento do dito Sardinha (Inventários e Testamentos, vol. 1º, pág. 489 e vol. 11, pág. 17), em um ano e dois meses, portanto, não poderia esse bandeirante, em terra muito pequena e muito pesquisada, ter extraído das escassas minas 80.000 cruzados em ouro em pó, e muito menos ainda, enterrá-los em botelhas de barro.
Deve haver na informação referida por Azevedo Marques,quanto à quantidade de ouro, ou erro de impressão ou de cópia, ou deescrita do Padre João Alvres ou do ditado de Afonso Sardinha, o moço.Afonso Sardinha, o velho, teria morrido em 1616, segundoAzevedo Marques (Cronologia).Afonso Sardinha, o moço, teve pelo menos dois filhos, Thereza que se casou com Pero da Silva, a quem o velho Sardinha fez doação de 500 braças de terra, e um filho que se chamou Pedro Sardinha.Este morreu no sertão dos Carijós na bandeira de Lázaro da Costa em 8de dezembro de 1615. Silva Leme, na Genealogia Paulistana (vol. 6º, pág.186, em nota, e vol. 1º, pág. 76) dá a descendência de uma filha deAfonso Sardinha, que ele chama de Luzia. A notícia desta descendênciaestá confusa, a começar pelo nome da filha de Afonso Sardinha,o moço,casada com Pero da Silva, que se chamava Tereza e não Luzia, como sevê no testamento de seu irmão Pero Sardinha (Inv. e Test., vol. 3º, pág.397).Pero Silva, casado com Tereza Sardinha, foi inventariante dosmesquinhos bens do bandeirante, seu cunhado, conforme se vê no seuinventário feito em São Paulo, em 10 de abril de 1616 (Inv. e Test., vol. 3º,pág. 397).Quando recentemente demolida, 1896-97, a Igreja do Colégioda Companhia de Jesus, em São Paulo, foi encontrada a pedra tumular,que marcava o lugar em que foram sepultados Afonso Sardinha, o velho, e sua mulher. Dessa pedra foram tiradas fotografias, publicadas nonº 1 da revista São Paulo Antigo e São Paulo Moderno, pelos editores Vanorden & Cia.Essa pedra está hoje no Museu Paulista. [Páginas 200 e 201]
“Pela carta dessa Câmara que me foi dada entendi e me maravilhei das maldades e traições de João Pereira de Sousa, e atrevimentotão grande como foi levar uma provisão falsa minha e uma provisãopara cobrar o meu o que tudo na forma que apresentou era falso, porque quando a minha verdade não bastara para prova disto, bastava amorte que teve de sua maldade e traição porque não sou eu o senhorque disponha um homem sem culpa, nem pelos maiores interesses domundo, pelo que advirto a essa câmara e ela o faça as mais que isto foiengano e falsidade” etc. etc.Essa carta, como tudo que escreveu Lopo de Sousa, é realmente confusa. Escrita a 1º de dezembro de 1605, nela acusa João Pereirade Sousa de maldades, atrevimentos, traições, falsificações de provisõese já se refere à morte desse capitão-mor. A carta da Câmara de 13 dejaneiro de 1606 (Reg. Geral, vol. 7º, pág. 110) não é resposta a essa, porque alude a uma trazida por João Pereira de Sousa, que Deus levou.Houve, pois, de Lopo de Sousa uma anterior à de 1º de dezembro de1605, da qual esse capitão só poderia ser portador estando vivo, a qualentretanto não consta no arquivo municipal.
As atas e o Registro Geral da Câmara da vila de S. Paulo, correspondentes aos anos de 1602 a 1607, desapareceram, não tendo sido publicadas; não se pode, por conseqüência, verificar os termos da correspondência trocada, nesse período, entre o donatário e a Câmara de sua vila de S. Paulo. Mas pode-se concluir que Lopo de Sousa era um trapalhão ou não foi sincero na carta de 1º de dezembro de 1605 como se vai ver. Desde já é de estranhar que fazendo tão mau e deprimente conceito sobre João Pereira de Sousa o encarregasse de levar cartas à Câmara da vila de S. Paulo.
A autoridade de Lopo de Sousa foi muito pouco respeitada na sua capitania de S. Vicente; e D. Francisco de Sousa, quando para ela se passou, em 1599, aí exerceu não só as suas atribuições de Governador-Geral do Brasil, como absorveu e exerceu todos os poderes do donatário, e mesmo as funções de Juiz, como se pode ver no inventário de Belchior Carneiro (vol. 2º, pág. 165), e até as dos próprios capitães por ele nomeados. [Página 257]
Nenhuma atenção deu ao donatário aos seus direitos, agiu como se não houvesse donatário. Nomeou tantos capitães-mores quantos quis, ou julgou necessário para o descobrimento de minas, em que se empenhou a fundo.
E quando os capitães-mores nomeados pelo donatário estavam com ele de acordo, acrescentava-lhe atribuições judiciais, como nocaso de Roque Barreto que, nomeado somente capitão por Lopo deSousa, foi por ele nomeado também ouvidor da capitania (Reg. Geral.vol. 7º, pág. 89).
O próprio Lopo de Sousa, sem coragem ou sem forças ou sem prestígio para fazer valer os seus direitos, também atabalhoadamente fazia nomeações para a sua capitania. Assim verifica-se na provisão em que nomeou Antônio Pedroso de Barros e Pero Vaz de Barros, a 21 de novembro de 1605 (Atas, vol. 2º, págs.173 e 174) capitães de S. Vicente, na qual declara que o faz por mais um triênio, que deve portanto ser acrescido ao triênio anterior, o que mostra que já os havia nomeadotrês anos antes, isto é, em 1602, e torna bem claro que a nova nomeação deveria ser contada de modo a haver mais três anos, que deveriam, pois, terminar no fim de 1608. Entretanto, antes desses novos três anos, em fevereiro ou março de 1607, sem maiores ou menores explicações, nomeia Gaspar Conquero capitão-mor e ouvidor de S. Vicente, desautorando os nomeados anteriormente (Reg. Geral, vol. 1º, págs. 142 e 145).
A própria Câmara da vila de S. Paulo espantava-se dessa profusão de capitães-mores e lho diz na carta de 13 de janeiro de 1606 da maneira mais franca e explícita que possa ser. Assim escreve:
Só faremos lembrança a V. mcê que se sua pessoa ou cousa muitosua e que muito se doa desta capitania, não acudir com brevidade podeentender que não terá cá nada porque estão as coisas desta terra com acandeia na mão e cedo se despovoará, porque assim os capitães e ouvidores que V. mcê manda como os eu cada quinze dias nos metem os governadores gerais em outra coisa não entendem nem estudam senão como nos hão de esfolar e destruir e afrontar em isto gastam seu tempo,[Página 258]
Rio de Janeiro. O restante da Comissão voltaria pelo S. Francisco, rio abaixo (Th. Sampaio, O Rio S. Francisco. Págs. 5, 20, 91). Assim foi feito.
Orville Derby, pois, conheceu pessoalmente no norte como técnico competente, em 1879, a região atingida em 1603, pela expedição de que fez parte W. Glymmer. Teve, pois, elementos para identificar essa região, que mais tarde estudou toda minuciosamente até muito mais ao Sul, baseado em documentos paulistas e em estudos sobre o terreno.
Orville Derby foi, e por muitos anos, como muitas pessoas ainda se lembrarão, e então adquiriu conhecimento do terreno ao sul do S. Francisco, chefe da então Comissão Geográfica e Geológica criada em S. Paulo pelo Conselheiro João Alfredo, no tempo do Império.
Dirigindo a Comissão Geológica e Geográfica do Estado, ele estudou e fez levantar plantas, mapas da maior parte do território de S.Paulo, principalmente nas fronteiras do Estado de Minas Gerais, numa época em que se desejava bem conhecer a região para decidir e fixar as divisas entre esses dois estados.
A respeito dessas divisas o Arquivo Público do Estado de S. Paulo publicou grossos volumes de documentos. Orville Derby não se limitou ao estudo atento desses documentos, leu também todos os nossos cronistas e os cronistas estrangeiros, que se ocuparam do Brasil colonial e de sua expansão.
Teve ele ocasião de conhecer, na História Natural de Piso e Marcgraff, o escrito de Glymmer sobre o roteiro de uma das primeiras bandeiras paulistas partidas de S. Paulo para o sertão, no tempo em que D. Francisco de Sousa, viera da Bahia para a vila de S. Paulo, a fim de procurar minas de metais preciosos, nas nascenças do rio S. Francisco.
Podia, pois, concluir, com pouco risco de errar, que o rio Guaibií era o Guaicuí ou rio das Velhas, um dos afluentes da margem direita do S. Francisco (R.I.H.G.S. Paulo, vol. IV e vol. 8, pág. 400).
Atendendo à sugestão de Capistrano de Abreu fez traduzir oroteiro de Glymmer, pôs em contribuição os trabalhos e os estudos próprios que lhe advieram do conhecimento da zona, como membro deuma comissão exploradora do rio S. Francisco e como chefe da Comissão Geográfica e Geológica do Estado, e identificou todos nos pontos nele mencionados com a conformação e acidentes do terreno, pelos seus rios, cursos e cachoeiras, pelos seus vales, montes, planícies, campos e matos desde S. Paulo até as cabeceiras do rio S. Francisco no centro do Brasil.
Consultou também as fontes históricas locais, então existentes – Pedro Taques, num manuscrito conservado na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, que fala na entrada de André de Leão, e Azevedo Marques nos Apontamentos Cronológicos, que narra que em 1602 partiu numerosa bandeira para o sertão sob o comando de Nicolau Barreto e formulou a hipótese de que as duas informações se referiama uma só entrada, e que a expedição fora uma única, cabendo a Nicolau Barreto a organização civil e a André de Leão, a parte militar. Foi a expedição, em que tomou parte Glymmer, que O. Derby identificou no terreno.
Na época em que Orville Derby divulgou o seu estudo não tinham ainda sido publicados pelo Arquivo do Estado de S. Paulo os Inventários e Testamentos; e escassas eram as notícias sobre essas entradas; mas desde que teve conhecimento dos inventários, feitos por morte de Brás Gonçalves, o moço, e de Manuel de Chaves, e verificou que a hipótese sugerida de uma expedição única não tinha cabimento, apressou-se ele mesmo em bani-la como se pode ver em um estudo aditivo na R.I.H.G. de S. Paulo, v. 8º, pág. 400.
Aliás a hipótese da unidade da expedição só poderia interessar ao renome dos seus comandantes, nenhum valor tendo para identificação do roteiro de W. Glymmer, que era o objetivo essencial para fixar pontos do devassamento e ocupação do sertão, identificação que continua, pois, com o seu mérito próprio.
O vale do Paraíba já estava domado pelos portugueses nas lutas que sustentaram com os Tamoios e pelo abandono do Rio de Janeiro pelos franceses. Relativamente fácil foi à expedição de André de Leão ocaminhar por esse rio, vales e montes. Vai transcrita a identificação feita, por Orville Derby, no terreno e nos rios tornando por base a descrição de W. Glymmer. [Páginas 294 e 295]
“Partindo de S. Miguel, nas margens do Tietê, perto de S. Paulo, a bandeira passou para um afluente do Parayba, ganhou este rio, navegou por ele abaixo, até a sua secção encachoeirada, galgou a Serra, da Mantiqueira, passou diversos rios atribuídos correctamente ao sistema platino e penetrou até próximo ao alto S. Francisco.
Até entrar na bacia do S. Francisco, este caminho deve corresponder muito próxima, se não exactamente, com o da Bandeira de Fernão Dias Pais Leme, ‘uns setenta anos mais tarde, e com o que depois da descoberta de ouro se tornou célebre como o caminho para as Minas Gerais.
Sobre a derrota de Fernão Dias, não temos detalhes, senão do Rio Grande para o norte, onde diverge da do atual roteiro; mas para a dos mineiros existe o precioso roteiro dado por Antonil, na sua obra, intitulada Opulência e cultura do Brasil publicada em Lisboa, em 1711.
Pela comparação desses dois roteiros e levando em consideração a probabilidade de que a derrota de ambas fosse determinada por caminhos já existentes dos Índios, sendo, portanto, provavelmente idênticos, é possível reconstruir grande parte do caminho da Bandeira de 1601.
Os dois rios que deram acesso ao Parayba eram indubitavelmente o Paratehy e o Jaguary. A serra de Guarimunis, ou Marumiminis, é a atualmente conhecida pelo nome de Itapety, perto de Mogy das Cruzes, sendo possível que estes nomes antigos ainda sejam conservados no uso local.
A referência a minas de ouro nesta serra talvez seja um acréscimo na ocasião de redigir o roteiro; mas é certo que em 1601, havia, desde uns dez ou doze anos, mineração nas vizinhanças de S. Paulo, e que antes de 1633, quando foi publicada a edição latina da obra de João de Láet, em que vem a enumeração das minas paulistas, a houve na localidade aqui mencionada. A referência aos campos, ao longo do primeiro destes rios, é, talvez, um caso de confusão com os do rio Parayba, visto que, conforme informações dos ajudantes da Comissão Geográphica e Geologica, que ultimamente levantaram a planta do vale do Pararehy, ali não existem campos notáveis.
O rio então conhecido pelo nome de rio de Sorobis, bem que a sua identidade com o Parahyba do litoral já era suspeitada, foi alcançado na foz do Jaguary, em frente da actual cidade de São José dos Campos. Nota-se que, já nessa época, era conhecido o curso excêntrico do alto Parahyba.
Depois de 15 ou 16 dias de viagem o rio foi abandonado no começo da secção encachoeirada, perto da actual cidade da Cachoeira, e a bandeira galgou a Serra da Mantiqueira, seguindo um pequena rio que, muito provavelmente, era o Passa Vinte, que desce da garganta que depois serviu para a passagem da estrada dos mineiros e hoje para a da estrada de ferro Minas e Rio.
Passando o alto da Serra, a bandeira entrou na região dos pinheiros, que os naturalistas holandeses (que evidentemnente não conheceram a Araucária, desconhecida no Norte do Brasil) julgaram, pela descrição de Glimmer, que eram Sapucaias.
Deste ponto em diante, o roteiro torna-se um tanto obscuro, dando a suspeitar o ter havido alguma confusão na redeção... Os dados topográficos são; o rumo de noroeste e as passagens de três rios, dos quais dois maiores, navegáveis e vindos do norte, com a distância de 4 ou 5 léguas entre um e outro.
Os únicos rios em caminho das cachoeiras do Parahyba para a região do alto S. Francisco, que corresponder a esta descrição destes dois rios, são o Rio Grande e Rio das Mortes, perto da sua confluência. Ahi o Rio Grande cujo curso geral é para o oeste corre, por alguns kilômetros, do norte, num grande saco que sempre tem sido um ponto de passagem, e, a quatro ou cinco léguas adiante, o Rio das Mortes tambem vem um pequeno trecho do Norte.
Este trecho é junto à estação de Aureliano Mourão, na estrada de ferro Oeste de Minas e poucos kilômetros abaixo da povoação de Ibituruna, onde Fernão Dias estabeleceu um dos seus postos, talvez por encontrar perto a grande aldeia de índios amigos, rica em mantimentos, de que fala o nosso Glymmer. Se porem, este for o ponto de passagem do Rio das Mortes, não se encontra, a três dias de viagem, dos Pinheiros e a quatorze do Rio Grande, rio algum que pareça digno de menção numa narrativa em que não vem mencionado o Angahy. Este, pelo roteiro de Antonil, está a 22 ou 24 dias de viagem dos Pinheiros e a 4 a 5 do Rio Grande. Para pôr os dons roteiros de acordo, identificando o primeiro rio de Glymmer com o Angahy, seria necessário inverter os termos dos três e dos quatorze dias de viagem, supondo um outro caso de confusão na redação, como o já apontado com os campos do Paratehy e Parahyba.
Da passagem do Angahy o caminho dos mineiros dado por Antonil tomou mais para a direita, procurando São João d’El-Rei, via Carrancas. É para notar que as marchas diárias do roteiro de Antonil são pequenas, sendo geralmente “até o jantar”, o que explica, talvez, a discordância, do número de dias (de 14 a 22 ou 24) que se ‘nota na hypothese de ser o Angahy o primeiro rio do presente roteiro.
Partindo da aldeia sobre o terceiro rio, a Bandeira caminhou durante um mês em rumo de noroeste, sem passar rio algum, até achar-se perto da confluência de dous rios de diversas grandezas, que romperam para o norte, entre montanhas que foram identificados com a desejada Serra de Sabarábussú.
Aqui, foi encontrada uma estrada larga e trilhada, que nesta época não podia ser senão dos Índios e cuja existência confirma a hipótese já lançada da que a derrota, desta e de subseqüentes bandeiras era por estes caminhos fá existentes. A estrada seguida da aldeia por diante era pelo alto de um espigão, e, admitindo que o ponto de partida era nas vizinhanças de Ibituruna, temos três hipóteses a considerar:
1º O espigão entre o Rio Grande e as cabeceiras dos rios Pará e S. Francisco. 2º O entre os rios Pará e S. Francisco. 3º O entre os rios Pará e Paraopeba.
O caminho pelo primeiro destes espigões, passando por Oliveira, Tamanduá e Formiga, até o alto S. Francisco, corresponde regularmente com o rumo dado, tendendo, porém, mais para o oeste do que para o noroeste, e cruzando o rio Jacaré que, conquanto não seja grande, parece de bastante importância para ser mencionado.
Por este espigão, porém, é difícil identificar os dois rios do fim da jornada e a serra cortada por eles, porque as serras de Piumhy ou a de Canastra mal correspondem à descrição do roteiro. O segundo espigão daria para cair na forquilha entre o Pará e o Itapecerica, ou entre o Pará e o Lambary, ou finalmente, entre o Pará e o S. Francisco.
As duas primeiras parecem demasiado perto para a jornada de um mez, e na do Pará e São Francisco os dois rios devem figurar como tendo proximamente a mesma grandeza. O terceiro espigão daria, na hipótese de accompanhar de perto a margem direita do Pará, para cahir na forquilha entre este rio e seu afluente o rio de S. João, na passagem das serras na vizinhança da atual cidade de Pitanguy; e, sem poder pronunciar-me positivamente a respeito, sou inclinado a considerar esta como a hipótese mais provável.
Até aqui o estudo do O. Derby (R.I.H.G. de S. Paulo, vol. 4º, pág. 338), sobre a identificação do Roteiro de Glymmer no terreno. Fácil também é agora identificar o cabo da expedição mandada por D. Francisco de Sousa, e na qual tomou parte Guilherme Glymmer. Essa identificação está baseada nos documentos do ArquivoPúblico do Estado de S. Paulo e do Arquivo da Câmara da vila de S. Paulo, apoiada em alheios estudos precedentes.
As entradas de Antônio de Macedo e de Domingos LuísGrou foram começadas antes de 1583, as de Jerônimo Leitão até 1590,foram todas anteriores à nomeação de D. Francisco de Sousa para Governador-Geral do Brasil. A de Jorge Correia em 1595, a de ManuelSoeiro (?), em 1596 e a de João Pereira de Sousa em 1597 se realizaram [Páginas 296, 297, 298 e 299]
depois que D. Francisco de Sousa já era Governador-Geral do Brasil, mas se conservava ainda na Bahia, sede de seu Governo, sem ter vindo à Capitania de S. Vicente. Já se achando ele na Capitania de S. Vicente, desde antes de Julho de 1601, a expedição de André de Leão em 1602 foi promovida, organizada, sob influência e ordem de D. Francisco de Sousa, que só com esse fim veio ao sul, o que é confirmado pela descrição do roteiro, inserido na obra de Piso e Maregrave. Nele Guilherme Glymmer declara que vivia na capitania de S. Vicente, quando a “essa paragem, vindo da Bahia, D. Francisco de Sousa, Governador-Geral doBrasil, mandara ao sertão”, a descobrir minas, uma expedição, compostade 70 a 80 homens, na qual ele Glymmer tomara parte, expedição quevoltara ao povoado sem descobrir minas de ouro ou prata, por terem escasseados os víveres e por medo dos selvagens que povoavam os lugares atingidos e, portanto, sem aprisionar índios”.
Glymmer só poderia ter tomado parte na expedição de Andréde Leão, que se compôs de 70 a 80 homens, mandada por D. Franciscode Sousa, época em que este Governador se achava em S. Paulo, conforme o regimento que deu a Diogo Gouçalves Lasso a 19 de Julho de1601.
Os pontos expressamente mencionados no roteiro deGlymmer – S. Paulo, S. Miguel nas margens do Anhembi, travessia dorio Anhembi, serra dos Guauminis (Itapeti hoje) rio Sorobi (hoje Paraíba) – mostram que a expedição seguiu para leste e depois para o nortebuscando o rio S. Francisco.
A não ser que haja, nesse tempo, outra bandeira, da qual, entretanto, não dão notícias os documentos paulistas nem os cronistasvicentinos, parece que se pode concluir “sem risco de errar”, que foina bandeira de André de Leão, em 1601, que Glymmer tomou parte edescreveu o roteiro que foi inserido na obra de Piso e Marcgraff, ecuja identificação no terreno foi magistralmente estudada por OrvilleDerby no volume 4º, pág. 329 da Revista do Instituto Histórico e Geográficode S. Paulo.***
André de Leão é nome que não se encontra entre os da governança de S. Paulo, nas atas publicadas. Achei menção de um Andréde Leão no inventário de Martim de Prado, feito em 1616, publicado [Página 300]
NICOLAU BARRETOCHEGANDO a um sertão do Brasil, onde escassearam osvíveres e onde, segundo informações de um indígena aprisionado, haviamuitas tribos selvagens, conforme narra o roteiro de GuilhermeGlymmer, a bandeira de André de Leão regressou a S. Paulo, sem descobrir minas e sem cativar índios.Sendo pequena em número, 60 a 70 homens, e com poucosmantimentos, a bandeira não ousou prosseguir no descobrimento nemfazer a guerra ao gentio numeroso e inimigo, que lá se achava.
A causa, pois, do insucesso dessa expedição foi sua organização deficiente em pessoal e em mantimentos, causa facilmente removível diante da pertinácia de D. Francisco de Sousa, absorvido completamente em descobrir as minas de ouro e prata, já procuradas desde o norte do Brasil, não trepidando ele em deixar a sede do Governo, na Bahia, para vir encontrá-las partindo do sul. Promoveu ele a organização de outra expedição muito mais numerosa e convenientemente abastecida, de modo, a devidamente explorar e descobrir a região tão procurada. [Página 303]
Essa outra expedição teria sido composta na sua maioria com moradores da vila de S. Paulo, mas também com moradores das outras vilas da capitania, e com os de outras capitanias sobre as quais se estendia a jurisdição do Governador-Geral, e mesmo com gente da comitiva deste, pois que S. Paulo, naquele tempo não poderia, sozinho, organizar uma bandeira com 300 homens brancos.
O seu comando foi confiado a Nicolau Barreto, irmão de Roque Barreto, nessa época, capitão-mor-loco-tenente pelo donatário Lopo de Sousa.
Compôs-se ela de cerca de 300 homens brancos, de índios auxiliares e escravos, nela tomaram parte os Padres João Álvares e Diogo Moreira, como capelães da tropa, e mais e Pe. Gaspar Sanches (Inventários e Testamentos, vol. 1º, pág. 489 e vol. 21, pág. 18).
Organizou-se a bandeira com parecer de D. Francisco de Sousa, com ordem e mando do capitão-mor-loca-tenente, Roque Barreto e a requerimento das Câmaras e partiu depois da substituição de D. Francisco de Sousa no Governo do Brasil(Atas, vol. 2º, pág. 130 Reg. Geral, vol. 7º, págs. 113 e 114). Azevedo Marques na sua Cronologia, pág. 224, informa que:
“em Agosto de 1602 parte de S. Paulo para o sertão numerosa bandeira ao mando de Nicolau Barreto, em direção de Mogy das Cruzes, com o fim ostensivo de descobrir ouro. Dela fizeram parte pessoas importantes daquela época, tais como Simão Borges de Cerqueíra, fidalgo da Casa Real, Ascenso Ribeiro, Pedro Leme, Manuel Preto, Francisco de Alvarenga e outros.”
Cita como fonte dessas informações o inventário de Ascenso Ribeiro, no cartório de órfãos de S. Paulo. Este inventário de Ascenso Ribeiro não foi encontrado no Arquivo Público do Estado de S. Paulo, por mais cuidadosas que tivessem sido as pesquisas feitas por Manuel Alves de Sousa, encarregado pelo Governo do Estado de S. Paulo, de traduzir, copiar e publicar os inventários lá recolhidos do Cartório de Órfãos, e desejoso esse paleógrafo de cumprir as instantes recomendações, que lhe haviam sido feitas.
Outros inventários, porém, publicados pelo Arquivo, vieramesclarecer, precisar e preencher lacunas da breve, contudo, preciosa notícia recolhida por Azevedo Marques. [Página 304]
De S. Pedro seguiram para Conceição de Gualachos ondeencontraram maior resistência. Dirigia a redução o Padre Salazar. OsGualachos sustentaram renhido combate, mas, inferiores em número eem armas, afinal se retiraram.Os padres procuraram juntar a gente que fugira e se espalharapelas matas e pelas serranias. O Padre Luis Arnot recolheu os neófitos,que encontrou no Peabiju, e dirigiu a retirada para o Pequiri, a cujaermida chegou ao cabo de 60 dias, tendo passado por Vila Rica.Em Loreto e Santo Inácio se tinham acolhido as relíquias dasoutras reduções mais próximas, destruídas ou evacuadas.Sebastião Preto, em 1632, morre de uma flechada no sertãodos Apucus, tendo, entre outros companheiros, Francisco de Alvarenga,Aleixo Leme, Ascenso de Quadros, Antônio Pedroso, Domingos Cordeiro, Rafael de Oliveira, Pedro Vaz de Barros, Paulo da Silva, FranciscoAlvares (Inv. e Test., vol. 11, págs. 73 e 74). Parece que esta entrada nãoteve bom êxito para os bandeirantes.
Em 16 de setembro de 1632 a Câmara, tendo conhecimentoque Fernão Dias, capitão dos índios, ia ao sertão com alguns homens eque Francisco Roiz da Guerra andava fazendo gente para também ir lá,mandou prendê-los e também a Paulo do Amaral, a Antônio Peres, aAlonso Peres, e a Jorge Rodrigues de Niza por serem as principais pessoas dessas idas (Atas da Câmara de S. Paulo, vol. 3º, pág. 52).
É preciso receber com certa reserva essas prisões, essas proibições de idas ao sertão, ordenadas pela Câmara para se acobertar de penas criminais; porque, em regra, os oficiais que as determinavam, játinham ido ou iriam ao sertão com idêntico fim.
Em fins de junho de 1632 os paulistas, concentrando as suasforças, resolveram terminar a sua obra no Guairá indo bater àquela parte,para onde os p. p. se tinham retirado. Seguiram pelo Peabiju abaixo; percorreram o Ivaí e, no salto que então chamavam Arairi, encontraram esse ponto defendido pelo cacique Tinguigui e por sua gente, os quais, tendo pormuitas vezes feito frente aos espanhóis de Vila Rica, entenderam de embargar o passo aos paulistas; mas estes por aí passaram matando os que opuseram resistência e, se aproximando do Ivaí, em cujas margens saltaram, destruíram os povoados, que serviam os espanhóis de Vila Rica. [Página 381]
Afinal os paulistas, em grande número, atacaram a Vila Ricado Espírito Santo, habitada por espanhóis, que não pôde se defender.Foi por eles posto apertado sítio à vila, na qual se achava casualmenteem visita episcopal o Bispo do Paraguai D. Frei Cristobal de Aresti, quechegara a 25 de agosto de 1632. Animou os Villenos (que assim se chamavam os vizinhos desta vila) a suportar com constância os trabalhosdo rigoroso sítio; mas vendo que era impossível a defesa contra tão feroz inimigo, fez com que os moradores em número de uns 500 espanhóis, com 4.000 índios desamparassem o lugar, e descendo o Ivaí, ouindo por terra, atravessassem o Paraná e embarcando-se no Igatini(Iguatemi), os transplantou por terra para a província do Mbaracaju,onde se fundou em outubro de 1632 uma nova Vila Rica no assento doTapuitá, nas margens do Jeiuí, que desemboca no Paraguai.Evacuada a cidade, os vencedores, depois de a arrasar, a largaram. Em seguida ameaçavam Loreto e S. Inécio.Aí os padres procuraram fazer a defesa e trataram de fortificar-se; mas lembrando-se de que às armas de fogo dos invasores só podiamopor os arcos e flechas dos índios, pareceu-lhes escusada a diligência.Resolveram abandonar o Guairá. Dirigia tudo o padre Antônio Roiz de Montoya, que viu, num momento, esboroar-se a sua obra detantos anos. Despachou um correio ao padre Espinosa ordenando-lheque descesse com toda a gente, que estava no Pequiri, para o Salto doParaná, onde se encontrariam com a de Loreto e a de Santo Inácio.Levaram as alfaias, os ornamentos, as imagens das igrejas,os ossos dos padres, que aí tinham morrido e que aí tinham sido enterrados. Saíram enfim como quem não tinha que voltar, nem em talpensava.
A verdade é que Antônio Roiz de Montoya, superior dos jesuítas na Província do Guairá, estando nas margens do rio Paraná, a 28 de abril de 1631, escreveu que das doze reduções fundadas na sua província, já haviam sido destruídas seis pelos mamelucos; primeiro as quatro de S. Miguel, San Antonio, Jesus Maria e Encarnación, e, em março de 1631, mais as de S. Francisco Xavier e de S. José, e ameaçavam todas as outras sem deixar uma só. Quem mais se assinalou nessa destruição, disse ele, foi o português Frederico de Melo; mas mencionou também Antônio Raposo Tavares, Antônio Pedroso e Francisco Rendon, desde 1628. [Página 382]
Pedro Taques (R. I. H. G. B., vol. 33, págs. 60-61, 2º parte)conta que de 1630 a 1634, muitos espanhóis do Guairá se passaram paraS. Paulo e cita os nomes de Bartolomeu de Torales e sua irmã D. Maria,Gabriel Ponce de Leon, sua mulher D. Violante, Barnabé de Contreras yLeon, sua mulher e sua filha, e outros que contraíram casamento compaulistas.
Em fins de 1631 ou princípios de 1632, as bandeiras tinham ocupado todo o Guairá; 12 reduções tinham sido destruídas ou abandonadas e duas cidades espanholas tinham sido evacuadas.
Esta descrição está apenas alinhavada; mas concorre como subsídio local, que juntos aos dos espanhóis e jesuíticos, pode se fazer o histórico da campanha do Guairá, que deu ao Brasil o hoje Estado do Paraná, e permitiu o alargamento do território nacional para o sul.
De alguns desses bandeirantes consegui decalcar, nos livrosda Câmara de S. Paulo diversos nomes que foram aqui reproduzidos,como se vê nas páginas anteriores.Vendo destruída a maior parte, quase a totalidade, das reduções indígenas, contrariados pelos espanhóis residentes na região, desamparados pelas autoridades locais, não tendo sido ouvidas as suasqueixas e reclamações, e à vista dos assaltos das bandeiras paulistas, que,sem dúvida, iriam continuar, o padre Antônio Roiz de Montoya e seuscompanheiros de catequese abandonaram o Guairá, dirigindo-se o superior deles ao rei e enviando-se o padre Francisco Dias Taño ao Papapara esclarecer a situação.As medidas indispensáveis e urgentes que Montoya julgounecessárias para pôr cobro a essa destruição foram:1º que o Conselho Real de Portugal mande pôr em liberdadeos índios do Paraguai, que estavam no Brasil.2º que S. M. el-rey compre a vila de S. Paulo aos herdeiros deLopo de Sousa para lá pôr governadores de sua confiança que, com presídio de soldados, sejam obedecidos.3º que mude a residência do Governador de Paraguai paraVila Rica. [Página 383]
Antes que os retirantes tivessem atravessado o varadouro dosalto do Paraná, voltaram os dois padres muito contentes com o acolhimento dos espanhóis de Xerez e das boas disposições dos Itatines.Com estas boas novas foram designados para esta missão,esses mesmos dois padres e mais dois outros, Inácio Martines e Nicolau Henart (este antes fora pagem de Henrique IV, rei de França)que logo partiram com os ornamentos necessários e as sagradas alfaiaspara o sacrifício da missa e administração dos sacramentos.Foram juntos até as montanhas do Taraguipita onde se espalharam a pregar o evangelho e a dar princípio a novas reduções: S. José,Anjos, S. Paulo e S. Pedro, esta última junto ao Paraguai e Nossa Srª daFé, a 16 léguas mais ou menos por terra adentro, em 20º.
Tendo, sem dúvida, notícia das novas missões fundadas nos Itatines, as bandeiras dirigiram para lá as suas armas vitoriosas e em fins de novembro de 1632, destruíram as reduções recém-criadas, tomaram e destruíram a cidade Santiago de Xerez cujo Tenente, Dom Diogo do Rego e outros moradores principais estavam de conivência com eles. Nos arquivos locais só se encontram dois documentos que podem ter relação com essa região.
Em julho de 1637 Jerônimo Bueno e sua bandeira estavam acampados nas margens do rio Taquari, afluente do Paraguai. No seu arraial morrem entre outros, Manuel Preto, João Preto, seus sobrinhos, e Gaspar Fernandes; os respectivos bens são arrematados em leilão, conforme o uso, poroutros bandeirantes, que apresentam como fiadores outros companheiros,que com eles lá estavam7 (Invent. e Test., vol. 11, págs. 162, 175 e 213).Em 1637, outra bandeira ao mando de Fernão Dias Pais e deGarcia Roiz (Vide representação de Francisco Dias Taño) estava também no Rio Grande, denominação, que, segundo Taques, os espanhóis [Página 388]
Assim o testamento de Juzarte Lopes foi feito a 10 de julhode 1635, e o codicilo dois dias depois, no sertão dos Patos. Juzarte repetiu no seu codicilo (vol. 10, págs. 464 e 469) que se achava doente emcasa do Principal Aracambi, no sertão dos Patos.
Faziam parte desta bandeira, que lá assinaram como escrivão e testemunhas dotestamento os seguintes: Luís Dias Leme, Fernando de Camargo, Domingos Vieira,Domingos Dias, Cristão de la Cruz, Francisco de Oliveira, Francisco de Camargo,João de Santa Maria, Sebastião Leitão, Pedro Lopes de Moura, Estêvão de laCruz, João Rodrigues de Moura.
Estas bandeiras avulsas, apesar de não ter ligação direta entre si, eram, por assim dizer, as avançadas do grosso das forças paulistas.
No inventário de Pascoal Neto, Filho bastardo de Álvaro Neto, o velho (vol. XI, pág. 135) no qual se vê que a bandeira do capitão-mor Antônio Raposo Tavares em 20 de dezembro de 1636 estava “no sertão, onde chamam Jesus Maria de Ibiticaraíba, sertão dos Arachãs, e lá mandou fazer inventário da fazenda que ficou desse Pascoal Neto, por correr tal fazenda perigo em lugar público”.
Faziam parte dessa bandeira de Antônio Raposo Tavares, Rafael de Oliveira, o moço, Estêvão Fernandes, o moço, Alberto de Oliveira, Gaspar Vaz Madeira, Domingos Borges de Cerqueira, Luís Feyjo, João Maciel Bassão, Gaspar Maciel Aranha, testemunhas do testamento; Luís Leme, escrivão, Silvestre Ferreira, Ma- teus Neto, João Rodrigues Bejarano, João Machado, Paulo Pereira, João Nunes Bicudo, Pascoal Leite, Baltasar Gonçalves Vidal, Antônio Pedroso de Freitas, que assinaram como arrematantes e fiadores da fazenda do morto; Luís Leme que foi escrivão do inventário.
Aí Pascoal Neto fez o seu testamento a 9 de dezembro de 1635 (Idem, págs. 144 e 149). O Iguaí que, como se sabe, é hoje o Jacuí, recebe o Jequi ou rio Pardo, em cujas margens estavam S. Cristobal e Jesus Maria.
Nesse sertão estiveram acampadas as forças paulistas sob o comando do capitão-mor Antônio Raposo Tavares e comandava um dos terços o capitão Diogo Coutinho de Melo, como já disse.13 [“Na capitania de São Vicente”, 1957. Washington Luís (1869-1957), 11° presidente do Brasil. Página 391]
Em 10 de outubro de 1636 esse terço do capitão Diogo Coutinho de Melo fez um assalto nesse sertão, fora do lugar onde se achavao capitão-mor Antônio Raposo Tavares.Em dezembro de 1636, as forças sob o comando de Antônio Raposo Tavares atacaram e destruíram a redução de Jesus Maria,que ele apelidava de Ibiticaraíba, sertão dos Arachãs, saquearam e incendiaram S. Cristobal, a duas léguas, bem como a de Santa Ana, nopasso do Jacuí.A 20 de dezembro de 1636 estava o arraial desse capitão-morno lugar que chamam Jesus Maria de Ibiticaraíba.14Em junho de 1637 estavam de volta à S. Paulo as Bandeiraspaulistas, porque em 27 de junho é iniciado nessa vila o inventário deBrás Glz., falecido no assalto de 10 de outubro de 1636, sob o comandode Diogo Coutinho de Melo, em 20 de junho, desse mesmo ano. PeroLeme, o moço, escrivão do arraial de Antônio Raposo Tavares apresentaao juiz de Órfãos o testamento de Pascoal Neto feito no sertão.Ainda na mesma publicação do Arquivo de S. Paulo (vol. 26,pág. 44 e seguintes), encontra-se o inventário, a que já me referi, mandadofazer pelo capitão Diogo Coutinho de Melo, no sertão dos carijós, chamados Arachãs, por morte de Brás Gonçalves, aos 10 de outubro de1636, declarando expressamente, que assim procedia, por estar ausenteo capitão-mor Antônio Raposo Tavares, em um assalto.15Eis o que informa o Padre Lozano sobre os índios arachanese a sua situação no sul: [Página 392]
Dois outros padres foram para Stª Thereza com duzentos índios, ambos os grupos com armas de fogo. Voltaram todos.Abandonando, segundo as informações, o caminho de terra,que trilhavam as expedições anteriores, os paulistas vinham agora pelorio Uruguai, fora dos lugares onde havia espias.A 8 de janeiro de 1641, o Pe. Cláudio Ruyer fez convocação apenas de 2.000 índios dos povos, ficando a maior parte das forças de prontidão, com ordem de se juntar todas ao primeiro aviso e com eles seguiupara Acaraguá com a intenção de aí fazer frente ao inimigo. Daí mandou ospadres Cristobal Altamirano, Diogo de Salazar, Antônio de Alarcone e o irmão Pero Sadone, com bom número de índios, fazer, rio acima, um reconhecimento sobre o intento, número e posição dos paulistas, não perdendo,porém, ocasião, se a encontrassem boa, de atacá-los. 3ºTAPES E MBORORÉNa Esquisse de l’”Histoire du Brèsil”17 assim narra o Barão doRio Branco que“Antônio Raposo Tavares, largou de S. Paulo com sua Bandeira(set. 1636) e a 3 de dezembro depois de combate de seis horas, foi tomada Jesus Maria de Jequi (Rio Pardo). As reduções S. Cristovão, S.Joaquim e Santa Ana foram evacuadas, mas os atacantes fizeramgrande número de prisioneiros, e repetiram um ataque dos indios dirigido pelo Padre Romero. A redução de Natividade de Araricá foiabandonada e só ficou aos jesuitas, no território dos Tapes, a coloniade Santa Tereza de Ibituruna, que lhes foi tomada no ano seguinte em1637. Em 1638 as bandeiras paulistas completaram a destruição dosestabelecimentos espanhoes a oriente do Uruguay. Vencedores em Caaro e em Caazapaguassú, onde o combate durou dois dias, e em S. Nicolau, elas forçaram os jesuitas a emigrar com os indios, que puderamescapar a essa catástrofe, e se foram incorporar às reduções entre o Uruguay e o Paraná, ou formar novas nessas paragens, que mais umavez tomaram os nomes das que foram destruidas.Com esse nome – Tapes – o Barão do Rio Branco designou,para facilidade de sua exposição, todo esse território, a oriente do Uruguai.A conquista e a posse do território ao sul do rio Uruguai foram, entretanto, completadas mais tarde, quando Portugal querendochegar ao golfão do Prata, como sua fronteira natural na América, paraisso criou, na Banda Oriental, a Colônia do Sacramento que não conseguiu conservar. Desde essa margem esquerda do Uruguai, Portugal tentou ir até a Colônia do Sacramento. Só no tempo de D. João V forampara lá mandados mais de 4.000 casais de açorianos, para colonizá-la.As bandeiras, depois de irem aos Tapes, desceram o rio Uruguai. Já Antônio Raposo Tavares nelas não tomou parte.Às 3 horas da noite os defensores das reduções, que forampor terra, voltaram com 16 índios, que vinham fugindo dos paulistas, eque contaram que o intento desse era irem ao Paraguai. Talvez uma traça de guerra. Entretanto, estes foram, uns a Conception por Stª Thereza eoutros pelo Uruguai abaixo em canoas com intuito de separar as forçasjesuíticas.O corpo de gente enviada pelos jesuítas subiu 2 léguas acimado Salto e achou todos os povos e portos desertos, pelo que concluiuque os paulistas já os tinham atacado, dispersado, e voltado a seu país.Receosos, porém, de que eles tornassem pelos campos e tomassem o caminho habitual, voltaram para o Mbororé afluente da margem direita do Uruguai.Os espias foram mantidos por mais de mês e meio sem novidade, até que em 25 de fevereiro, índios que se achavam na Açaraguá,levaram ao Pe. Cristobal Altamirano, aviso certo da vinda dos portugueses, de cujo poder se tinham escapado.Dobraram-se os espias, foram postos 200 índios em diversospontos, deram-se ordens de prontidão para as tropas. O Pe. CláudioRuyer voltou do Paraná. O Pe. Altamirano, mandou 8 canoas rio acimaa fazer um reconhecimento. Ao amanhecer avistaram o inimigo, os quaistambém avistando-os lançaram 6 canoas ligeiras em sua perseguição,que as aprisionariam, se outras canoas das reduções em emboscadas, [Páginas 395 e 396]