O Casarão “Quinzinho de Barros” e o espaço museológico como principal artefato de seu acervo. Tami Coelho Ocar
2020. Há 4 anos
História de Sorocaba. Afinal, a construção em questão é um dos principais remanescentes históricos materiais da cidade – e do estado de São Paulo. E a História da formação urbana de Sorocaba começa com a chegada dos bandeirantes, um fundador, uma capela curada, e muita gente de fora com diferentes histórias para agregar. No entanto, há uma diferença crucial que fez com que Sorocaba influenciasse regionalmente e nacionalmente. A cidade mantém o seu sucesso em sua localização, e isso, retratam os estudiosos, desde o período pré-colonial. Diz-se que havia caminhos que os índios utilizavam como rotas de comércio, e a estes caminhos dava-se o nome de “Peabiru” (“Pe” – “caminho”; “abiru” – “gramadoamassado”). A principal rota desses Peabirus ligaria São Vicente ao Peru, unindo osoceanos Atlântico e Pacífico (CELLI, 2006, p. 85). A despeito das lendas que corremsobre esse caminho, não se pode ignorar a importância do mesmo para a evolução nacional, e Sorocaba estaria exatamente no centro desta rota. Tanto as características de seu meio físico, quanto o fato de ser o principal entroncamento do Peabiru, teria influenciado o surgimento de assentamentos - de indígenas e bandeirantes, à posteriori - nessa localização estratégica (CELLI, 2012, p. 42).
A descoberta da existência da Prata em Potosí impulsionou a Coroa Portuguesa e os colonos pela busca de metais preciosos no território brasileiro. Neste sentido, o Peabiru serviu como rota para os bandeirantes, que além de visarem o apresamento de indígenas e a busca por metais preciosos, passaram a receber lotes de terra da Coroa. As chamadas “sesmarias” tinham como função o povoamento do interior brasileiro, além do interesse financeiro que existia por detrás das bandeiras (ZEQUINI, 2006, p. 83, 85, 87, 89). No final do século XVI, Afonso Sardinha, “O Velho”, recebeu uma sesmaria próxima ao Morro Araçoiaba, e lá, juntamente com seu filho homônimo (conhecido como “O Moço”) e Clemente Álvares, encontraram minério de ferro. Em 1599 foi então plantado o pelourinho no local, garantindo a fundação do povoado de Nossa Senhora de Monte Serrat.
Possivelmente o fato da magnetita que lá foi encontrada conter traços de prata fez com que o governador autorizasse a instalação do pelourinho (ZEQUINI, 2006, p. 123). A nova povoação, no entanto, mal durou uma década, e em 1611 foi transferida para a beira do atual Rio Sorocaba, com o nome de Itavuvu, a qual também não prosperou.
Autores do final do século XX alegam que as expansões para o oeste nãoocorreram apenas por conta de um alargamento agrícola comercial. Para além dossesmeiros, o povoamento da região também se deu graças às famílias de locais [Página 4 do pdf]
primeiro documento oficial que consta o nome “Sorocaba” trata-se de um inventário de 1654, pertencente à Isabel de Proença, segunda esposa de Balthazar Fernandes, onde está registrada a “Fazenda Sorocaba” (MANFREDINI; GUANDIQUE; ROSA, 2015, p. 41). Na ocasião, o Capitão teria ganho as terras em forma de sesmarias.
Devido ao fato do local ser passagem sobretudo de bandeirantes, no entorno logo se formou o povoado de Nossa Senhora da Ponte de Sorocaba. Em 1660 Balthazar Fernandes garantiu a fundação do mesmo com a construção de uma capela, a qual doou aos monges beneditinos no ano seguinte, sob promessa de que os mesmos garantiriam a educação local. O povoado de Nossa Senhora da Ponte logo se tornou ponto de paradas e comércio de bandeirantes, adquirindo uma estrutura urbana, administrativa, ideológica e política que garantiu a formação da atual cidade de Sorocaba (CELLI, 2012, p. 49-53). Nesse contexto, a casa da família de Quinzinho de Barros foi construída na década de 1780, pelos escravos de João de Almeida Pedroso, “o ruivo”. Natural de São Paulo, casou-se em Araçariguama – atual cidade pertencente à Região Metropolitana de Sorocaba, que à época era termo de Parnahyba – com D. Gertrudes Ribeiro, cujo pai era natural justamente de Parnahyba (LEME, 1870, p. 34; CAMPOS JR, 1938, p. 143). João de Almeida Pedroso recebeu as terras em forma de sesmaria em 1771, o que corrobora com a questão supracitada acerca da exploração do oeste paulista. O casarão está localizado atualmente em zona central da cidade, há aproximadamente 1,81 km em linha reta da Catedral Metropolitana Nossa Senhora da Ponte e 1,53 km em linha reta da ponte da rua XV de Novembro. Feito de taipa, é um dos poucos remanescentes construtivos da arquitetura considerada tipicamente paulista. Por lá passaram diversos nomes famosos, mas sua História e concepção como Museuserão mais bem explorados nos itens subsequentes.
O fato de Sorocaba estar localizada exatamente no eixo das principais rotasque ligavam o norte ao sul garantiu a prosperidade local. Já no início do séculoXVIII, com a queda da escravidão indígena, o povoado passou pela sua segundafase econômica: o tropeirismo. Com a alta da busca por metais preciosos, oscolonos precisavam de meios de transporte que fossem mais ágeis. Por estarinserida em uma localização central, Sorocaba passou então a sediar a Feira deMuares a partir da década de 1730, que promovera uma evolução tanto daeconomia quanto da sociedade paulista (HOLANDA, 1994, p. 133). O ciclo muar,portanto, levou ao contato entre as mais diversas regiões do país. Para Caio PradoJunior, se não fosse por esse ciclo talvez o Brasil não tivesse se desenvolvido como unidade nacional, no sentido de que possivelmente os núcleos de povoamentoteriam se mantido isolados, e não haveria outro tipo de evento que promovesse aligação do que hoje conhecemos como norte e sul do país (PRADO JR, 2012, p. 30).A presença das tropas também promoveu uma mudança na malha urbana deSorocaba. Em época de feiras, a população flutuante local aumentava, promovendoos mais diversos comércios e atraindo novos moradores (CELLI, 2012, p. 54-55).Outra alteração no que diz respeito ao desenho geográfico da região é que o Registrode Muares – espécie de pedágio – foi colocado do centro urbano da cidade, sefixando próximo à ponte da atua rua XV de Novembro (que fora construída entre1841 e 1855). As tropas passaram a desviar das proximidades da matriz, o que fezcom que o município se desenvolvesse para outros lados, diferentemente de outrascidades. (CELLI, 2012, p. 59-66; MATTOS, 2017, p. 40).
Com a vinda da Corte Portuguesa para o Brasil, em 1808, diversas modernizações foram promovidas no país, dentre elas o desenvolvimento da siderurgia. Temos então o retorno ao Morro Araçoiaba, com a vinda do alemão Friederich Ludwig Wilhelm Varnhagen (1782-1842), que em 1810 constituiu o Estabelecimento Montanístico de Extração de Ferro das Minas de Sorocaba – posteriormente, Real Fábrica de Ferro São João de Ipanema. Varnhagen inaugurou sua indústria fundindo nos altos fornos três cruzes de ferro – sendo que uma delas encontra-se hoje nos jardins do Museu Histórico Sorocabano. A fábrica ficava às margens do Rio Ipanema, e, apesar de ter encerrado suas atividades já em 1895, foi o pontapé inicial para a terceira fase econômica de Sorocaba: a industrialização (ZEQUINI, 2006, p. 22). Atualmente as ruínas da fábrica fazem parte da Floresta Nacional Ipanema – FLONA.
Em 1842, com a Revolução Liberal, Sorocaba foi finalmente elevada àcategoria de cidade. Dez anos depois houve as primeiras tentativas fabris dealgodão. A cultura algodoeira se desenvolveu bem na região, inclusive cominvestimentos de interesses privados. Não demorou muito até que a malhaferroviária se estendesse à região, dando origem à Estrada de Ferro Sorocabana, em1875. A utilização de trens, por sua vez, gerou o declínio no ciclo de tropas muares,que passaram a ter serventia apenas como meio de transporte regional. O algodãoteve sua produção aumentada cada vez mais, sobretudo por conta da Guerra deSecessão (1861-1865), pois o Estados Unidos deixou de enviar a matéria primatêxtil para a Inglaterra, beneficiando a produção sorocabana. A industrializaçãolocal foi tão grande que Sorocaba recebeu a alcunha de “Manchester Paulista”, em [Páginas 6 e 7 do pdf]
que os habitantes paulistas foram responsáveis por criarem um estilo construtivo muito próprio, cuja cultura material remanescente denuncia as técnicas utilizadas, a mistura cultural e a condição social de seu dono. Seus muros de taipa representariam a paulistanidade, tão em voga na década de 1950, que era construída materialmente em conjunto com os hábitos e costumes dos mamelucos. E é nesse sentido identitário que surgiram os Museus Históricos Pedagógicos - como o Museu “Quinzinho de Barros” - tema a ser melhor explorado na sessãosubsequente.
O Casarão do Quinzinho de Barros e a sua importância arquitetônica e histórica como espaço de memória Nesta seção serão descritos os resultados do trabalho. Como foi dito, a sede do atual Museu Histórico Sorocabano, foi construída em 1780. Sua construção, portanto, é considerada tardia, mas ela manteve os principais traços de uma casa bandeirista, listados por Saia: planta assentada à meia altura da paisagem e dividida em três faixas, construção de taipa (paredes externas: taipa de pilão; internas: taipa de mão), alpendre ladeado por dois cômodos e telhado de quatro águas. [Página 10 do pdf]