Margarida Andreatta e a conformação da Arqueologia Histórica Paulistana. Rafael de Abreu e Souza
2012. Há 12 anos
mente, a multa do TAC foi destinada a construção do novo prédio do MAE/USP, a mesmainstituição na qual a Arqueologia Histórica nãoé, e nunca foi, muito prezada.A partir do final dos anos 1980 e ao longoda década de 1990, Margarida, ainda escavandosítios com ruínas ou edificações, engloba a seustrabalhos a Arqueologia Industrial, área queengatinhava na cidade, realizada em terrenostombados. Entre 1983 e 1989 dá andamento àspesquisas no sítio arqueológico Afonso Sardinha,em Iperó, relacionado à fabricação de ferro nomorro de Araçoiaba entre os séculos XVI e XVIIIe à Real Fábrica de Ferro de Ipanema, mais tardealvo do estudo de sua aluna de doutorado Anicleide Zequini (2002-2006), do Museu Republicano de Itú. Junto das escavações no Engenho dosErasmos, é exemplo da influência da Carta deVeneza na configuração do Patrimônio Industrialdo estado que, a partir do final dos anos 1970, e,sobretudo, com os anos 1980, começa a ganharnova roupagem (Rodrigues 2010).Em 1988 e 1990, Margarida leva a cabo asprimeiras intervenções arqueológicas associadasa uma Operação Urbana (pela EMURB), acompanhando as obras no Vale do Anhangabaú.Localizou o antigo córrego e as obras do fim doséculo XIX, bolsões de lixo, trilhos de bonde,traçados de antigas ruas e as fundações do antigo Viaduto do Chá, a partir de obras abertaspelo empreendedor (Juliani 1996). As pesquisastinham como objetivo registrar as evidênciasexpostas pela obra e compreender a evoluçãourbana da cidade (Juliani e Campos, 1988). Oprograma enfrentou inúmeros desafios, como ofato da primeira etapa permitir o acesso de doistécnicos, acompanhados, por apenas uma horaaos canteiros de obra (Juliani e Campos 1990).Esta foi a primeira tentativa de desenvolvimento de uma metodologia de ArqueologiaUrbana em São Paulo, indicando a potencialidade e alta densidade de vestígios no solo urbanoe a necessidade inerente de critérios para umagestão arqueológica das obras de infraestruturana cidade (Juliani 1996; Juliani et al 1988). Aexperiência conduziu a elaboração e inclusão dedispositivo de proteção ao patrimônio arqueológico na cidade de São Paulo na nova LeiOrgânica do Município de 1990, pelo Artigo197 (Zanettini e Cazzetta 1993). [Página 16 do pdf]
to sobre o processo construtivo na virada doséculo” (Jornal USP, 1998).Em 1995, coordenadora do NAUBC acerca de 12 anos, inicia as pesquisas em Mogidas Cruzes com o Projeto de Arqueologia daRegião da Serra do Itapety, que localiza cerca de15 sítios, com escavações em superfície ampla eetnográficas, “ataques horizontais” e leituras estratigráficas realizadas por trincheiras de 1,10mx 2m x1m; foram utilizados setores, organizadosa cada 10m, nomeados por letras do alfabeto(Tomiyama 2002). Junto de Vivan Fernandes,Nair Tomiyama e Davi Chermann, seus orientandos no MAE/USP, escava outros sítios dovale do Paraíba, sempre com metodologias eperguntas semelhantes. Com o projeto retoma atemática industrial com o sítio Lago do Parque,em Mogi, relacionado ao serviço de captação deágua no XIX.Entre 1997-1999, através de termo decooperação técnica e administrativa da USPcom a Prefeitura de Santos, Margarida coordena escavações no Engenho dos Erasmos, dasquais participa a arqueóloga Eliete Pythágoras. A escavação possibilitaria a evidenciaçãodo material arqueológico, através de ataquehorizontal, enfatizando a representatividade dos“referencias socioespaciais do passado” (Andreatta 1999). Margarida buscava, assim como nasCasas Bandeiristas, auxiliar no entendimentodo modelo construtivo do engenho, subsidiando trabalhos para a revitalização do conjunto, edelinear as linhas essenciais de suas condiçõessocioeconômicas.O sítio também foi dividido em setoresidentificados por letras do alfabeto, cuja metodologia abarcou cortes de verificação, sondagenspara delimitação dos limites e trincheiras “paraevidenciar estruturas e diferentes horizontes desolo” (Andreatta 1999; Anjos 1998). As escavações foram feitas a partir do quadriculamentodos setores e aplicação do método de superfieampla para compreender locais de residência,capela e estabelecer a circulação interna doaçúcar, identificando as atividades econômicase sociais do engenho (Andreatta 1999). Os“testemunhos arqueológicos”, classificadoscomo “cerâmica”, “louça branca”, “porcelana” e “faiança” (sob as prerrogativas de TâniaAndrade Lima para as faianças finas). O usodestas categorias artefatuais estaria presente notrabalho de diversos de seus orientandos, assimcomo a ausência ou parcimônia na utilização de“cerâmica neobrasileira” delineada por Ondemar Dias.
O uso destas categorias, associada à metodologia e técnicas que a própria Margaridautilizou a partir da Arqueologia Pré-Histórica,como ela mesma afirma em diversos momentos(Andreatta 1981/1982; 1999), marcou a formação de muitos pesquisadores, seja pela nãoutilização de categorias da “tradição neobrasileira” seja pelo uso de metodologias específicas.Poucos de seus alunos utilizam o termo, semprecom ressalvas.O trabalho com fábricas e em contextos associados ao século XX indica, igualmente, umapostura bastante aberta em relação ao significado da cultura material, que possibilitou minhaprópria orientação sobre um sítio industrial,o cotidiano operário e a produção de faiançafina brasileira na primeira metade do século XX(Souza 2010). Para Andreatta, em postura rara,o século XX é passível de leitura arqueológica.Em 1999, realiza prospecções no sítioLavras de Afonso Sardinha, no Pico do Jaraguá,expoente das primeiras minerações portuguesasna América do século XVI. Mais tarde, junto dePaulo Zanettini e Érika Gonzalez, entre 2001 e2003, pelo projeto do Rodoanel, volta às cavasde ouro coloniais. [Página 18 do pdf]