' *Breves Notas às Cartas de José de Anchieta. Eduardo Tomasevicius Filho, Doutorando em Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo - 01/01/2004 de ( registros) Wildcard SSL Certificates
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Breves Notas às Cartas de José de Anchieta. Eduardo Tomasevicius Filho, Doutorando em Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
2004. Há 21 anos
Os primeiros jesuítas chegaram ao Brasil em 1549, com o primeiroGovernador-Geral do Brasil, Tomé de Souza (Madre De Deus, 1975, p. 123). Osuperior dos jesuítas no Brasil era o Padre Manoel da Nóbrega.Eles estavam divididos em diversos grupos ao longo da costabrasileira. Em São Vicente, o responsável pela companhia era o Padre LeonardoNunes, que fundou um colégio para catequizar os meninos indígenas. (Madre deDeus, 1975, p. 123).Assim como os portugueses queriam entrar no "sertão" em busca demetais preciosos, os jesuítas queriam entrar no "sertão" para catequizar os índios.Segundo Oliveira Lima (2000, p. 60), desejava-se fundar uma nova vila que servissede base para as excursões pelo interior do Brasil. Procurou-se, então, um lugar maisconveniente que São Vicente para a construção de um colégio destinado àcatequese.4José de Anchieta relata a Santo Ignácio de Loyola que decidiu semudar para o planalto, para que a manutenção do colégio fosse mais fácil, tendo emvista as dificuldades que a subida da Serra do Mar impunha. Disse que:"para sustento destes meninos, a farinha de pau5 eratrazida do interior, da distância de 30 milhas. Como eramuito trabalhoso e difícil por causa da grande asperezado caminho, ao nosso Padre [Manoel da Nóbrega]pareceu melhor no Senhor mudarmo-nos para estapovoação de índios, que se chama Piratininga"(Anchieta, 1554,p. 143).Foi escolhido um lugar próximo aos rios Tamanduateí e Anhangabaú.Em 25 de janeiro de 1554 foi rezada a primeira missa neste lugar, ocasião que passou a ser considerada a fundação da cidade de São Paulo (Madre de Deus, 1975,p. 124). O cacique Tibiriçá, que recebeu como nome de batismo Martim Afonso,mudou-se para este novo lugar, erguendo sua aldeia onde atualmente se encontra oMosteiro de São Bento (Madre de Deus, 1975, p. 124)/´Em 1560, os jesuítas, temendo que a nova vila não prosperasse,pediram para que o Governo-Geral do Brasil extinguisse a Vila de Santo André.Cumpriu-se a ordem e em 1560 foi oficializada a vila de São Paulo de Piratininga,com a mudança do pelourinho de Santo André para São Paulo. Os índios eportugueses que viviam naquela região tiveram que se mudar para duas localidades,que receberam o nome de Nossa Senhora dos Pinheiros e São Miguel.7 (Madre deDeus, 1975, p. 125).No colégio de São Paulo, as atividades religiosas das mulheres eramas seguintes:"Seguimos a mesma ordem na doutrina dos índios:chamam-se todos os dias duas vezes à Igreja, a toque decampainha, ao qual açodem as mulheres ora uma oraoutras, e não só aprendem as orações na própria língua,mas também ouvem práticas e são instruídas noconhecimento das coisas da fè" (Anchieta, 1556, p. 22).Já as atividades dos "curumins" eram as seguintes:

"Expliquei suficientemente na carta anterior como sefaz a doutrina dos meninos: quase todos vêm duas vezespor dia à escola, sobretudo de manhã; pois de tardetodos se dão à caça ou à pesca para procurarem osustento; se não trabalham não comem. Mas o principal cuidado que temos deles está em lhes declararmos osrudimentos da fé, sem descuidar o ensino das letras; (...)Mas, tememos que chegando eles à idade adulta voltemaos antigos costumes, ou por vontade dos pais ou com otumulto da guerra, que dizem se prepara muitas vezes, equando se quebra a paz entre eles e os cristãos"(Anchieta, 1556, p. 23-24).

Anchieta também procurou aprender a língua dos índios; ele é o autorda primeira gramática da língua tupi, entitulada "Arte de Gramática da Língua MaisUsada na Costa do Brasil" A forma de disposição das cadeiras em fileiras em umasala de aula é criação da Companhia de Jesus, para que uma criança não tivessecomo conversar com a outra.O balanço final das atividades dos jesuítas no Brasil é que foram elesos únicos que defenderam os índios contra a escravidão, por meio da construção demissões. Denunciaram abusos que ocorriam por aqui por parte dos colonos. (Lima,2000, p. 41).A Família Indígena face o Direito EuropeuDentre os problemas relatados por Anchieta em suas cartas, o quetinha importante relevância jurídica era a questão do casamento.Como se sabe, a estrutura familiar dos índios era diferente da doseuropeus. Enquanto na Europa ocidental a regra era a monogamia, aqui no Brasil umíndio tinha várias mulheres, e uma índia tinha vários homens. Também eram comunscasamentos entre parentes. Anchieta descreve parte da situação: "(...) as mulheresandam nuas e não se sabem negar a ninguém, antes elas mesmas acometem eimportunam aos homens, lançando-se com eles nas redes, porque têm honra dormircom os cristãos". (Anchieta a, 1554, p. 13).Esta estrutura familiar era diametralmente oposta ao que era instituídopela Igreja Católica, e também pelas Ordenações Manuelinas do Reino de Portugal.O casamento, para a Igreja Católica, é uma instituição cuja finalidade é possibilitar aprocriação. Os impedimentos para o casamento são regras que se desenvolveram no [p. 4, 5, 6 do pdf]

problema prático enfrentado por Anchieta - evidentemente sem solução - eraestabelecer quem era a primeira mulher de um índio, ou a mais importante, pois écom esta que se celebraria o casamento católico. Dessa forma, ninguém podia seradmitido para a fé católica.Anchieta constata que a "importação" do direito europeu - tanto odireito português, quanto o direito canônico - para ser aplicado aos índios guaianazesnão era possível, pois não só seria desprovido de eficácia, como tambémdescumpriria a sua finalidade, que era a de servir para que as pessoas vivessemsegundo a fé cristã. Assim, só restava fazer um apelo surpreendente a Santo Ignáciode Loyola: (Anchieta, 1554, p. 150)."(...) por isso parece-nos sumamente necessário quese mitigue nestas partes todo o direito positivo, demaneira que possam contrair-se matrimônios em todo osgraus, exceto de irmãos com irmãs. O mesmo énecessário também se fazer noutras leis da Santa MadreIgreja, pois, se os quiséssemos obrigar a elas nopresente, não há dúvida que não quereriam dispor-se aseguir a fé cristã".Com efeito, não houve um abrandamento do direito canônico; eprovavelmente Santo Ignácio de Loyola não podia fazer nada a respeito. Tanto que oConcilio de Trento, que, entre outras coisas, reformou as regras sobre o matrimônio,manteve severas punições para este caso. E o próprio Anchieta acabou depoismudando de idéia, ao relatar em 1560 que trabalhava continuamente para aconversão dos índios à fé católica e, por conseqüência, aos hábitos europeus de vidafamiliar: "Porque os adultos, aos quais o mau costume de seus pais quase seconverteu em natureza, cerram os ouvidos para não ouvir a palavra de salvação econverter-se ao verdadeiro culto de Deus" (Anchieta, 1560, p. 57). De qualquermodo, é um exemplo interessante que Anchieta experimentou sobre os limites deeficácia do direito, e da inadequação da aplicação de determinadas regras a povosdistintos dos quais elas foram criadas. [p. 8 do pdf]

Referências BibliográficasABREU, João Capistrano de. Capítulos de História Colonial. 7.ed. Belo Horizonte:Itatiaia; São Paulo, Publifolha, 2000.ANCHIETA, José de. "Carta do Quadrimestre de Maio a Setembro de 1554,Dirigida por Anchieta a Santo Ignácio de Loyola, Roma" São Paulo, Io de setembrode 1554. In Associação Comercial de São Paulo (org). Minhas Cartas - Por José de Anchieta. São Paulo: Associação Comercial de São Paulo, Editora Melhoramentos,Páteo do Collegio, 2004. p. 140-158."Carta Trimestral, de Maio a Agosto de 1556, pelo Irmão Anchieta" SãoPaulo, agosto de 1556. In: Associação Comercial de São Paulo (org). Minhas Cartas- Por José de Anchieta. São Paulo: Associação Comercial de São Paulo, EditoraMelhoramentos, Páteo do Collegio, 2004. p. 22-25.. "[Carta] Do Ir. José de Anchieta ao Geral P. Diogo Laínes, Roma" SãoVicente, Io de junho de 1560. In: Associação Comercial de São Paulo (org). MinhasCartas - Por José de Anchieta. São Paulo: Associação Comercial de São Paulo,Editora Melhoramentos, Páteo do Collegio, 2004. p. 56-76.ANCHIETA a, José de. "Carta do Irmão José de Anchieta a Santo Ignácio deLoyola" Piratininga, julho de 1554. In: Associação Comercial de São Paulo (org).Minhas Cartas - Por José de Anchieta. São Paulo: Associação Comercial de SãoPaulo, Editora Melhoramentos, Páteo do Collegio, 2004.BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 5 de outubro de 1988.LIMA, Oliveira. Formação História da Nacionalidade Brasileira. 3. ed. Rio deJaneiro: Topbooks; São Paulo: Publifolha, 2000.MADRE DE DEUS, Frei Gaspar da. (1715-1800). Memórias para a História daCapitania de São Vicente. Prefácio de Mário Guimarães Ferri. Belo Horizonte: Ed.Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1975 [1. ed. Lisboa:Typografia da Academia, 1797],PORTUGAL. Ordenações Manuelinas. Disponível em: Acesso em:04.07.2004.NÓBREGA, Manoel da. "Carta do Padre Nóbrega a João Ramalho" 1553. Extraídode BONAVIDES, Paulo; CAMPOS, Roberto. Textos Políticos da História doBrasil, v. 1.3. ed. Brasília: Senado Federal, 2002.SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Sistema de Casamento no Brasil Colonial. SãoPaulo: T.A. Queiroz Editor e Editora da Universidade de São Paulo, 1984. [p. 12, 13]



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