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Mapas antigos revelam um rio Sorocaba mais selvagem. Saiba como era o percurso antes das obras de retificação
7 de dezembro de 201905/04/2024 23:30:58

SANDRA NASCIMENTO – Imagine um rio de montanhas com desnível acentuado. Seu percurso começa com o encontro de outros rios e por isso um grande volume de água agora se prepara para dois saltos: um desses saltos se acha escondido na mata entre os despenhadeiros, é muito alto e faz um barulho ensurdecedor; o outro é menos selvagem, tem de 10 a 15 metros de queda total, é pitoresco e mais acessível ao homem comum ou até mesmo a um imperador elegante e de bom gosto.

Agora aviste uma vasta planície, onde o rio, depois de rasgar a terra, perde a velocidade e desliza suavemente até atingir a área urbana de certa sinuosidade. Em alguns pontos do curso, as águas se espraiam, mas em outros a largura faz com que a natureza forme pequenas ilhas para selecionar sua flora. Numa delas, existe uma goiabeira com frutos maduros e é para lá que as crianças do lugar gostam de ir quando voltam da escola. Em seus uniformes, já sem meias e sapatos, elas atravessam as partes rasas do rio.

Esse cenário pode ilustrar um pouco de como era o trajeto do rio até Sorocaba antes da modificação de seu leito ocorrida ao longo do século 20. Suas águas vinham do encontro dos rios Sorocabuçu, Sorocamirim e Una. Os saltos notáveis citados acima são o de Itupararanga e o Votorantim, e – conforme escreveu o pesquisador Adolfo Frioli no livro “Registros Históricos e Iconográficos” (Laserprint, 2003) – era dom Pedro II (1825-1891) o imperador que gostava de visitar o Salto de Votorantim, em suas passagens por Sorocaba. Porém, muito do que era esse percurso já se modificou.

A pedra nada pergunta ao rio sobre água e tempo.” Yeda Prates Bernis, escritora mineira

Em 1911, começam as mudanças

A mudança do trajeto do rio Sorocaba começou a ocorrer em 1911, quando as empresas São Paulo Electric e a anglo-canadense Light iniciaram a formação de uma represa, construindo um paredão no extenso vale de Itupararanga para desviar parte do volume de água e gerar eletricidade. Essa energia seria transferida para São Paulo, São Roque e Sorocaba, após a inauguração da represa em 26 de maio de 1914. (Leia post sobre a represa de Itupararanga clicando aqui.)

Com o advento da eletricidade, de 1921 a 1923, foi construída uma ponte para trem elétrico sobre o rio, ligando a Estação Paula Souza à Estrada de Ferro Elétrica Votorantim (EFEV) entre o centro de Sorocaba e Itupararanga, e nesse trecho houve o aterramento de uma parte da margem direita para a construção de um paredão que seguraria as cabeceiras das pontes. Isso provocou um considerável estrangulamento no seu trajeto. Em 1929, muitos atribuiriam a causa da grande enchente à construção dessa ponte.

Mas, nesse trecho, por algum tempo ainda, o rio manteria a sua largura. Só para se ter uma ideia, até o início da década de 50, o Sorocaba ocupava, com seus braços e suas várzeas, praticamente toda a área onde hoje está a avenida Dom Aguirre. Entre a ponte de Pinheiros e a Praça Lions, ele se espraiava, formava ilhas, curvava espaços. Conforme demonstram mapas antigos, era um típico rio de planície: cheio de curvas.

Em 1951, a professora Elina O. Santos, em tese de doutorado intitulada “Geomorfologia da Região de Sorocaba e alguns de seus problemas”, apresenta o percurso do rio até Sorocaba desta forma:

Até Votorantim, o rio Sorocaba é um rio consequente (1), passando a ter um curso subsequente (2) somente no contato das rochas cristalinas com as formações sedimentares. Daí por diante, ele meandreia sobre os sedimentos recentes que se estendem frontalmente à região soleira (3) de Votorantim, formando uma planície de inundação típica. Apresenta o conjunto de aspectos peculiares a essas planícies: meandros (4) abandonados, lagoas de barragem fluvial em forma de ferradura e sinais de divagação estremada do curso (5).

A retificação do percurso

De fato, a grande mudança no trajeto do Sorocaba começa a acontecer no ano de 1950, com a sua retificação e canalização. Os trabalhos partiram da região do antigo matadouro municipal (hoje, Vila Fiori), e seguiram em direção à cachoeirinha (Cachoeira dos Guimarães). Porém, a conclusão da obra levaria mais de uma década e passaria por vários governos e chefes representantes do DNOS (Departamento Nacional de Obras de Saneamento), órgão federal responsável pela transformação.

O primeiro chefe do departamento em Sorocaba foi o topógrafo Othoniel Pereira da Silva, no governo do prefeito Gualberto Moreira (1948-1950). Porém, naquele momento, nem a chegada de uma draga (dragline Osgood 816) e nem a epidemia de pernilongos que invadiam a cidade, provenientes das margens dos rios Sorocaba e Supiriri, tiravam da população a atenção dos Jogos Abertos do Interior que aconteciam na cidade com a inauguração do Ginásio de Esportes, construído para o evento.

Trinta milhões de cruzeiros

Em 1957, quando já três “draglines” trabalhavam na obra, o jornal Cruzeiro do Sul trouxe em sua manchete de capa, no exemplar de 27 de janeiro, a seguinte manchete:
Trinta milhões gastos até o momento nas obras de retificação do rio Sorocaba” (valor que corresponderia hoje a R$ 60 milhões, de acordo com o Conversor de Valores do jornal O Estado de S. Paulo – site https://acervo.estadao.com.br/).

O Canal Sorocaba

O redator que, curiosamente, denominou o rio de “Canal Sorocaba”, entrevistou o engenheiro Kalife Chueke (segundo responsável pelos trabalhos, em substituição ao topógrafo Othoniel) e informou:

O canal Sorocaba já tem concluído, até hoje, 5.200 metros lineares de canal, numa largura de 35 metros, sendo que um trecho, que foi executado em rocha, absorveu dois anos de trabalho.

Além do serviço de abertura do canal retificado, foram realizadas obras complementares, como sejam aterros de braços mortos, num total de dois mil metros já realizados. Há ainda, que se levar em conta a conservação do canal, bem como a construção da ponte Pinga-pinga no valor de cinco milhões de cruzeiros e a Ponte Municipal, no valor de três milhões de cruzeiros dentro do mesmo plano de saneamento.

O projeto de canalização do Sorocaba prevê trabalhos até as imediações da Parada do Alto. Foram gastos até o momento, apenas no serviço de retificação, um total de trinta milhões de cruzeiros. Quanto ao prazo para o término das obras, é impossível previsão devido a fatores supervenientes (6), conforme os serviços complementares que aparecem, como por exemplo o aterro de braços mortos. No entanto para o término da retificação, faltam ainda quatro mil metros lineares de serviço a ser executado.


Pesquisando antigas páginas do arquivo Projeto Memória do Jornal Cruzeiro, é possível afirmar que esse trabalho de canalização foi além do ano de 1963. Nossa pesquisa não conseguiu localizar nenhuma notícia de inauguração ou término das obras. Nesse tempo, manifestavam-se várias opiniões a favor e contra as reformas que ocorriam no percurso do Sorocaba.

Dirigido, na época, por Hélio da Silva Freitas, o jornal Cruzeiro do Sul, em matéria não assinada, afirma em sua edição de 30 de dezembro de 1953:

Prosseguem em ritmo alentador as obras de dragagem e retificação do rio Sorocaba, nas proximidades de sua ponte principal. O estado atual das obras já permite observar-se um aspecto inteiramente novo, diferente da rústica paisagem de algumas semanas atrás, em que um matagal circunjacente escondia as inúmeras curvas do rio. Espera-se que, brevemente, talvez antes mesmo do início das comemorações do III Centenário, o rio Sorocaba, em sua parte mais importante, esteja completamente retificado, oferecendo aos visitantes uma feição renovada de ordem e saneamento, o que muito contribuirá para realçar a boa impressão dos que chegam à Sorocaba, vindos por estrada de rodagem ou de ferro.

No entanto, o jornalista F. Camargo Cesar (o Cecê) traduziu de modo diferente, em seu artigo “Os peixes desaparecem do Sorocaba”, o que significou toda essa mudança de percurso à cidade e aos sorocabanos, em artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo em 22 de junho de 1954 e no Cruzeiro do Sul em 25 de junho de 1954, quando ponderou:

O rio Sorocaba, é presentemente, neste município, o responsável por cem mil cavalos de energia elétrica, em mais de uma usina: pelo fornecimento da água indispensável a grandes fábricas; pelo escoamento dos detritos urbanos. Está sendo retificado em largo trecho, ficando mais bonito embora menos piscoso. O mérito antigo, o único aliás, que o faria admirado da população, esse está em franca decadência. Não é mais rio piscoso digno dos pescadores exigentes, e está sendo desprezado. Conhecido o motivo, feito o confronto, lamentemos o sacrifício, louvemos a conquista.

Notas(1) Diz-se de rio que se desenvolveu em harmonia com a inclinação inicial, natural de um terreno.(2) Diz-se do rio cujo sentido do fluxo é controlado pela estrutura rochosa, sempre acompanhado de zonas de fraqueza das rochas, tais como falhas, rochas menos resistentes, etc(3) Massa de rocha dura nos leitos dos rios.(4) Meandro é uma curva acentuada de rio que corre em sua planície aluvial e que muda de forma e posição com as variações de maior ou menor energia e carga fluviais durante as várias estações do ano.(5) Trajeto, estrada ou percurso com muitas voltas.(6) que vem ou aparece depois; subsequente.ReferênciasProjeto Memória/ Jornal Cruzeiro do Sul; Adolfo Frioli: “Registros Históricos e Iconográficos” (Laserprint, 2003), p.50; Elina O. Santos: “Geomorfologia da Região de Sorocaba e alguns de seus problemas” (Tese de doutorado em Ciências pela USP, 1951), p. 19; Fábio Navarro Manfredini, Manuel Enrique Gamero Guandique, André Henrique Rosa: “A História Ambiental de Sorocaba” (Unesp, 215), Almanaque de Sorocaba (1950), planta descoberta por Luciano Bonatti Regalado no acervo do Instituto Geográfico e Cartográfico (IGC).Fotos: Sandra Nascimento, José Carl
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