Sobre a Fundação de Sorocaba, Vagner Apinhanesi (data da consulta)
4 de março de 2024, segunda-feira.
Em 21 de abril de 1660, Baltazar Fernandes garantiu a fundação doando aos Monges de São Bento, de sua Parnaíba, a capela de Nossa Senhora da Ponte e outros bens. Já tendo construído a Igreja de Nossa Senhora da Ponte, atual Igreja de Sant’Ana, do Mosteiro de São Bento e sua casa de moradia, no Lajeado, Baltazar Fernandes garantiu a fundação do novo povoado, doando aos Monges de São Bento, de Parnaíba, muitas glebas de terra, a capela de Nossa Senhora da Ponte e outros bens, com a condição de que construíssem o convento e mantivessem escola para quem desejasse dedicar-se aos estudos.
Isso atraiu para a nova paragem muitos moradores espalhados pela região, auxiliando o povoamento e motivando a vinda de novos habitantes para a localidade. O povoado recebeu o nome de Sorocaba, denominação que tem sua origem no Tupi-guarani, que significa terra (aba) rasgada (çoro)
Fernandes doou as terras que lhe couberam por causa da morte de sua esposa, Isabel de Proença. Quando faleceu Fernandes doou as terras que lhe couberam por causa da morte com Curitiba. Juntamente com as terras e a igreja, foram doados 12 vacas, um touro, 12 índios para trabalhar na terra, uma índia para cozinhar para os padres e mais um índio para trabalhar na sacristia.
A condição para essa doação consistia na obrigação de os padres rezarem 12 missas ao longo de todo ano e mais uma celebrada no dia de Nossa Senhora da Ponte, em novembro. “Essa doação está documentada em escritura, registrada em Santana de Parnaíba, da qual possuímos uma cópia. Temos de lembrar que Santana de Parnaíba é anterior a Sorocaba e era muito mais povoada e desenvolvida. Hoje, Sorocaba desenvolveu-se de tal modo que suplantou todas as demais cidades da região, exceto Campinas”, comenta o responsável pelo Mosteiro.
E aquele povoado era bem diferente do que é a Sorocaba moderna e bem-estruturada da atualidade. Na região, existia apenas a igreja e em torno dela viviam os 400 índios de Balthazar Fernandes. Ele também vivia nos arredores, mas a cerca de 1.800 metros de distância do Mosteiro, numa região hoje denominada Lajeado, perto de Campolim.
Quando Balthazar Fernandes faleceu, em 1661, já havia coordenado um intenso trabalho para que aquela população que vivia ao redor da igreja fosse transformada em vila. No mesmo ano de sua morte, o povoado passou a se chamar Vila de Nossa Senhora da Ponte de Sorocaba. O nome do município é indígena, significa “terra rasgada”, batizado assim pelos índios por causa das erosões presentes na região. “Para que um povoado fosse elevado à condição de vila era necessário que houvesse 30 fornos, o que significava que em torno da igreja havia 30 famílias estabelecidas. Houve duas tentativas de fundação de outras vilas próximas daqui, só que não foram para frente. O Pelourinho de um desses povoados, o de Ipanema, está aqui em Sorocaba, na Rua Nogueira Martins”, diz Dom José Carlos.
A quantidade de terras recebidas pelo Mosteiro de São Bento de Sorocaba era muito grande. Quando Balthazar Fernandes faleceu, surgiu um conflito entre os monges beneditinos, a Câmara Municipal – que já havia sido instalada – e alguns herdeiros do fundador de Sorocaba, que queriam anular a escritura de doação das terras.
Esse conflito durou cerca de 200 anos. “Eles não conseguiram nos tirar daqui. A Câmara Municipal, para que esse conflito crescesse, concedia terras que pertenciam ao Mosteiro para todo mundo que quisesse se estabelecer na região, bastava pedir. Isso, de certa forma, ajudou no desenvolvimento da cidade. Ou seja, Sorocaba crescia não apenas porque havia uma vida espiritual promovida pelo Mosteiro, mas também porque havia essa doação de terra”, lembra Dom José Carlos.
“Foi um conflito muito grande, tanto que em 1667, teve de vir à cidade o Padre Provincial, que era o Frei Francisco da Visitação, pertencente à congregação portuguesa. Para tentar apaziguar os ânimos, o Frei Francisco fez uma nova escritura com a Câmara.” Nessa nova escritura, foram estabelecidos os novos limites das terras do Mosteiro. A Câmara Municipal fez algumas exigências, entre elas, a permanência dos monges em Sorocaba. Se, por acaso, a Ordem Beneditina removesse os monges da cidade, deveria devolver ou doar à Câmara todo o patrimônio do Mosteiro. “O Frei Francisco da Visitação pediu para que as esmolas não entrassem nesse acordo, porque era impossível devolver o dinheiro, mas se prontificou em manter sempre dois ou três monges no Mosteiro, com a obrigação de ensinar a Língua Portuguesa, o Latim e o Canto. E ficamos aqui até hoje. Os Beneditinos dificilmente sairão de Sorocaba porque o povo não deixa”, conclui o responsável pelo Mosteiro de São Bento.A Fé que renova e restauraApesar de tanta importância para o surgimento de Sorocaba e de ser considerado pela população um marco da cidade, o Mosteiro de São Bento ficou em condições muito precárias, devido à ação do tempo e às reformas pelas quais passou ao longo de sua história. Para que essa história não fosse perdida, iniciou-se um processo de restauração, já que o Mosteiro de São Bento e todo o complexo onde ele está instalado, uma área com cerca de 12 mil metros quadrados, foram tombados, em 1985, pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico e Artístico (Condephat). Para coordenar esse trabalho foi chamado Dom José Carlos, que já possuía experiência nesse tipo de empreitada. Como acontece em quase todos os processos de restauração, as dificuldades são muitas e vão desde a contratação de pessoal especializado até os corriqueiros problemas financeiros. Segundo Dom José Carlos, também foi necessário realizar um trabalho de conscientização junto à população, demonstrando a importância de se preservar a história da cidade. “Eu vim para Sorocaba em 2001 com a principal incumbência de restaurar o Mosteiro de São Bento para voltar a receber os monges. Nós não tínhamos nada, nem dinheiro, nem projeto, apenas a conversa e a vontade, que já existiam há 25 anos, mas não acontecia nada”, comenta Dom José Carlos. Diante das dificuldades, foi fundada a Associação de Amigos de São Bento, formada por pessoas que contribuem mensalmente para que o patrimônio histórico seja mantido. Esse é um dos caminhos existentes para que a história de Sorocaba seja preservada. O Mosteiro assinou um protocolo de intenções com uma empresa de engenharia de São Paulo, a Novata, e o o arquiteto do Mosteiro de São Bento da capital, os quais se compro-meteram a angariar fundos e aplicar na restauração do complexo arquitetônico. Outro meio que também é utilizado pelo Mosteiro de São Bento de Sorocaba para conseguir recursos é através da Lei Rouanet, que permite às pessoas físicas ou jurídicas aplicarem parte do Imposto de Renda devido ao Governo na restauração desse patrimônio histórico. “Já estamos trabalhando com várias empresas, e a primeira a aderir ao projeto, e à qual devemos muito do que estamos fazendo, é uma de agronegócios localizada aqui em Sorocaba, a Iharabrás. Ela confiou plenamente em nós, quando não tínhamos nada, e graças à contribuição dela, conseguimos elaborar o projeto de restauração. Agora já contamos também com o apoio da Petrobrás, que está intervindo na restauração da taipa, temos um convênio com a prefeitura, para restauração do casarão que faz parte do complexo do Mosteiro, e também com o Estado, cuja liberação da verba está nos trâmites burocráticos”, explica Dom José Carlos. O Mosteiro de São Bento de Sorocaba ainda mantém algumas paredes originais da construção da então Igreja de Nossa Senhora da Ponte, em 1654, como as do presbitério e da sacristia. O retábulo, que data do século 18, veio de Portugal, e tem detalhes da madeira revestidos com lâminas de ouro.
Alguns quadros com motivos sacros, a grade do coro e o ambão da direita de quem entra na igreja são provenientes do Mosteiro de São Bento, localizado na cidade de São Paulo. Diversas peças e utensílios também são antiguidades raras, como a imagem de Nossa Senhora do Pilar, de 1711. “As paredes são de taipa, têm mais de 350 anos. O primeiro trabalho que foi realizado aqui foi a prospecção das paredes.
O segundo foi a prospecção da taipa. Foram abertas ‘janelas’ no reboque das paredes para que pudéssemos saber qual a condição da taipa. A partir daí, estamos removendo esse reboque, que foi feito com cimento, material que não casa com a taipa. Então, nos cômodos internos do Mosteiro, o reboque está estufando e estourando. Na parte externa do Mosteiro, o reboque foi retirado, mas fizemos um revestimento sobre a taipa para conservá-la das intempéries. Mas na parte interna, percebe-se que em vários trechos foram colocados tijolos para encamisar a taipa que estivesse muito deteriorada ou mal colocada.
Encontramos um buraco que tinha 50 centímetros de profundidade, na parede, por 1,5 metro de altura, cabia uma pessoa dentro. O Mosteiro não caiu até hoje porque não cai nunca mais. As paredes são resistentes”, diz Dom José Carlos. Depois de muito tempo de conversa com cidadãos preocupados em preservar a memória de Sorocaba e de entendimentos com instituições públicas e privadas, no que tange a arrecadação de fundos para a obra, o Mosteiro de São Bento de Sorocaba está em pleno processo de restauração. Logicamente, Dom José Carlos ainda necessita de maior engajamento da população para que as obras prossigam em ritmo satisfatório.
Agradecido pelas colaborações que o Mosteiro tem recebido, Dom José Carlos não deixa de dar seu testemunho de fé, consagrando a Deus e à Virgem Maria os êxitos alcançados nessa empreitada. Segundo ele, até 2003, nada tinha acontecido em relação ao trabalho para o qual fora convocado. Quando o Abade da Ordem de São Bento, na ocasião Dom Luiz Proença, hoje resignatário, visitou-o em Sorocaba, Dom José Carlos manifestou sua preocupação em relação ao trabalho que não prosperava, pensou até que o problema fosse com ele. O Abade o tranqüilizou e disso que era o Diabo que estava travando o andamento da restauração. No dia seguinte, Dom José Carlos fez uma promessa para que restauração do Mosteiro de São Bento de Soro-caba fosse iniciada e concluída: ao final de todas as missas que celebrasse, pediria que os fiéis o acompanhassem em uma Ave Maria. E assim tem sido deste então. “O mais importante de ressaltar é que todo esse trabalho nós devemos unicamente a Deus, através de Nossa Senhora, que tem intercedido pela nossa obra”, finaliza Dom José Carlos, confiante nos ensinamentos de São Bento: Ora et labora (ora e trabalha).