3° de fonte(s) [k-1616] Reconstruindo o Mapa das Capitanias Hereditárias, Jorge Pimentel Cintra* Data: 1 de dezembro de 2013, ver ano (126 registros)
Examinando-se o mapa do MEC com cuidado, nota-se que há algumas falhas ou omissões com os quais iniciamos nossa problematização acerca da representação cartográfica das capitanias. Em primeiro lugar, o mapa está em uma projeção (não indicada, mas provavelmente a policônica), em que os meridianos são curvos com a concavidade voltada para o meridiano central da projeção e os paralelos com a concavidade voltada para o pólo sul. Nesse esquema, o meridiano de Tordesilhas deveria ser desenhado com a curvatura correspondente e foi traçado como uma reta, por simplicidade, ao que tudo indica. Esse mapa apresenta de maneira basicamente correta os pontos de fronteira entre as capitanias, mas o Cabo de Todos os Santos está desenhado a oeste da baia do Maranhão quando na realidade situa-se a leste.
Essa peça cartográfica representa corretamente, dentro dessa lógica de divisão, uma porção de terra não distribuída ao norte da primeira capitania na região norte e, portanto, sem nome. No entanto, por coerência, a linha divisória dessa região deveria ser estendida para a Ilha de Marajó, o que não acontece.
Outra pequena falha de finalização é não ter sido desenhada a linha divisória ao sul entre as duas últimas capitanias, correndo aproximadamente pela Ilha do Mel. Passemos, então, a examinar o processo de formação dessa concepção de divisão territorial, cujas representações procuramos rever criticamente.
Nota sobre as fontes ou a influência de Varnhagen
O visconde de Porto Seguro, em sua clássica obra História Geral do Brasil (1854)3, parece-nos ser a fonte desse ícone cartográfico, visto que já na primeira edição de seu tratado consta uma representação cartográfica entre as páginas 88 e 89 (Figura 2).
Da análise dessa peça e da toponímia presente, pode-se concluir que se trata de um mapa construído sobre uma base cartográfica contemporânea (segunda metade do século XIX), com destaque para a hidrografia, orografia e algumas cidades, sendo que o excesso de detalhes acaba prejudicando a visibilidade das linhas divisórias, finalidade principal almejada. A projeção é a sinusoidal, com paralelos de 5° em 5°, retilíneos, equiespaçados e paralelos ao equador, e com meridianos elipsoidais, com concavidade voltada para o meridiano central do mapa, também graduados de 5° em 5°. O meridiano de origem escolhido foi o cabo de Santo Agostinho, na época considerado o ponto extremo leste do Brasil, e a contagem se dá para oeste. O meridiano da primitiva demarcação, como o mapa denomina o de Tordesilhas, situa-se nos extremos clássicos: Belém do Pará e Laguna.
Uma legenda no canto inferior direito associa algarismos romanos aosdonatários das Capitanias primitivas, começando por Martim Afonso (I) e terminando com Fernando Álvares de Andrade (XII), valendo destacar que, já nessa legenda associa-se de maneira gráfica, colocando-os numa mesma linha, os donatários IX e X: João de Barros e Aires da Cunha. [Página 3 do pdf]
Como apontado, devido à poluição visual e à escala do mapa, nãohá muito destaque para as linhas divisórias entre as capitanias. Mas essa condição geométrica está também presente através dos algarismos romanos dispostos verticalmente junto à margem direita do mapa: IX e X, XII, XI, etc. Para transmitir melhor essa idéia de faixas horizontais, o autor do mapa situa o mesmo algarismo romano junto à demarcação de Tordesilhas, na mesma altura ou latitude, reforçando a ideia de uma faixa. Algumas dessas linhas, em estilo tracejado, podem ser vistas claramente no mapa original4, ainda que haja algumas falhas de desenho.
Essa forma de divisão cartográfica está confirmada por todo o texto da História Geral do Brasil e viria a ser reconhecida elogiosamente por grandes historiadores. Com efeito, Capistrano de Abreu comenta:
Varnhagen precisou nossos conhecimentos sobre os donatários: mostrou como eram em número de doze, deu os nomes de todos, descobriu os forais e cartas de doação de quase todos, traçou os limites das diversas capitanias e calculou as respectivas áreas. O resultado de todas estas investigações fixou lapidarmente do seguinte modo o sábio G. d’Avezac nas Considérations géographiques sur l’histoire du Brésil, 30/31, Paris 18575.
Nas revisões e notas a essa clássica obra do historiador sorocabano, tanto Capistrano de Abreu como Rodolfo Garcia confirmam essa divisão territorial brasileira. Diante de tais autoridades não é de estranhar que esse protótipo ganhasse aceitação generalizada.
Por sua vez, o mapa de Luis Teixeira, datado de 1586 pelos autores da Portugaliae Monumenta Cartographica, parece uma prova históricocartográfica do acerto dessa divisão de Varnhagen, que teria simplesmente completado pequenas lacunas.
Mas deve-se notar que esse mapa reflete uma situação posterior ao momento das doações. Como se pode ver, comparando-o com o da Figura 1, há uma série de alterações: a capitania da Bahia já pertencia a Sua Majestade; nas capitanias do norte, unificadas, aparece somente o donatário João de Barros e nas do sul somente Lopo de Sousa; outras capitanias também haviam mudado de dono. Mas com certeza esse mapa inspirou Varnhagen: bastava encontrar os pontos limítrofes das diversas capitanias fundidas em uma só nesse mapa, ao norte e ao sul, e traçar as linhas para oeste. Seu mapa das capitanias apresenta-as com as linhas ao longo de paralelos, ainda que falte alguma na região norte, e fazendo, como se disse, uma indicação dos donatários através de algarismos romanos dispostos verticalmente no Atlântico e no continente, na faixa correspondente a cada capitania.
Mas, como se procurará mostrar, esse autor, sob cuja sombra ainda vivemos, equivocou-se nessa reconstrução e por isso, no presente trabalho, recorresse a fontes primárias: cartas de doação, forais, outros textos originais e mapas da época, para poder avançar no estudo da questão. [Página 5 do pdf]