' O retorno do Manto Tupinambá e o novo paradigma de decolonialização de coleções. Por Adalberto da Silva Retto Jr., em diplomatique.org.br - 15/07/2024 de ( registros) Wildcard SSL Certificates
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O retorno do Manto Tupinambá e o novo paradigma de decolonialização de coleções. Por Adalberto da Silva Retto Jr., em diplomatique.org.br
15 de julho de 2024, segunda-feira.
Não há dúvida de que a restituição do Manto Tupinambá ao Brasil, após 300 anos na Dinamarca, tem um significado histórico e simbólico capital para o país. Cada objeto tem uma história própria que, por um lado, depende das diferentes culturas com as quais teve contato ao longo do tempo e, por outro, significa que a recuperação do patrimônio cultural parte da ideia de que esses objetos são representativos da identidade das comunidades que os criaram.No entanto, qualquer modificação da função original, para a qual o objeto foi criado, pode acarretar riscos e ambiguidades no nível moral, pois embora sua transferência ou venda possa, às vezes, ser “justificada” por necessidades econômicas, outras vezes decorre de simples decisões políticas. Em ambos os casos, a volta para a função original do objeto é sinal de uma mudança ou crise, tanto de natureza estética como econômica, mas que, na maioria dos casos, é ditada pela moda ou pelo hábito ocidental de colecionismo.Após longo processo de negociação entre o nosso Museu Nacional e o Museu da Dinamarca, a devolução desse manto reacende os debates sobre a restauração de artefatos expropriados durante o período colonial e delineia um novo paradigma para a decolonialização de coleções rumo a uma nova ética relacional, o que traduz um ato de reconhecimento e respeito pelas histórias e pelas culturas dos povos originários.Ao longo dos anos, a atenção relativa à restituição de bens culturais tem-se centrado, sobretudo, na relação entre os diferentes Estados, por vezes negligenciando ou colocando em segundo plano os restantes intervenientes envolvidos na possível reclamação desses artefatos. O papel desempenhado pelos museus, em termos de restituição, é cada vez mais relevante. Sobretudo quando se fala em repatriamento de bens culturais faz-se, cada vez mais, referência às populações indígenas que os produziram, populações que geralmente foram negligenciadas e sofreram com uma representação legal inadequada para proteger e reivindicar seu próprio patrimônio cultural, não apenas no nível internacional, mas também em relação ao Estado nacional onde se situam.Os novos Estados surgidos após o fim do período colonial caracterizaram-se, frequentemente, pela afirmação de uma identidade cultural específica face às restantes presentes no país, na tentativa de criar uma nação constituída por grupos sociais e indivíduos cujo passado histórico e aspectos culturais eram senão iguais, pelo menos semelhantes.

Além do passado e da cultura, outro elemento unificador para a criação de novas nacionalidades foi a identificação de fronteiras territoriais bem definidas que coincidiam com as fronteiras políticas do próprio Estado. Todavia, dentro destes Estados-nação coexistiram e continuam a coexistir uma pluralidade de grupos étnicos e minorias, infelizmente, às vezes relegados a categorias culturais bastante rígidas definidas pelo mesmo Estado nacional ao qual reivindicam os seus direitos. Estes, aliás, ainda não estão representados de forma adequada, sobretudo no que se refere ao debate sobre a propriedade do patrimônio cultural.O que alguns antropólogos definem como culturalismo são precisamente esses “movimentos étnicos modernos”, orientados para a autodeterminação interna, para a autonomia e a sobrevivência cultural, paradoxalmente forçados a aplicar a lógica da nação e a usar sua linguagem política para poder desatar alguns desses nós.Nesses projetos de autodeterminação, os bens culturais desempenham um papel fundamental, pois representam uma identidade coletiva à qual estão intimamente ligados e interligados. A sua posse, portanto, não contribui para a definição e representação da identidade de determinado grupo nacional ou étnico, mesmo quando o objetivo visado por este grupo não é tanto readquirir a propriedade de bens culturais, mas antes restabelecer a responsabilidade para seu uso adequado.

As populações nativas encontram-se assim implicadas na utilização do que se define como uma dupla retórica. O que as comunidades de origem reivindicam, com os pedidos de repatriamento, é, precisamente, a propriedade de bens culturais. No entanto, esses bens correm o risco de se tornarem simples objetos, utilizados com o objetivo de construir um sentimento de pertencimento. São transformados em objetos de consumo de massa, explorados na crença de que a cultura é feita de objetos e é por eles representada.É nessa perspectiva que podem surgir dúvidas no que tange ao repatriamento de bens culturais. Na verdade, reivindicar a propriedade de certos objetos para fins nacionalistas faz parte de uma forma puramente ocidental de ver e que nos leva a pensar que a posse de certos objetos contribui para o reconhecimento de certa identidade coletiva e promove o sentimento de pertencimento. Pode-se, portanto, dizer que as antigas potências coloniais são culpadas de primeiramente terem roubado bens culturais das comunidades.Assistimos, porém, a um número cada vez maior de restituições também por parte de instituições e museus. Essas instituições, apesar de seu caráter não governamental, têm sido frequentemente acusadas de terem contribuído para a criação de comunidades imaginadas, adaptadas à visão que os primeiros colonizadores tinham delas, particularmente nos Estados nacionais recém-formados.Porém, os governos desses novos Estados são, muitas vezes, responsáveis por privar as comunidades de origem do seu patrimônio cultural, não lhes devolvendo o que já havia sido devolvido pelos colonizadores ocidentais, ou ainda exibindo arbitrariamente tais objetos em museus. Dessa forma, acabam raciocinando de acordo com a lógica daqueles que, inicialmente, haviam levado tais objetos.Tais ações podem ser justificadas de diversas maneiras. Por exemplo, quando o grupo soberano (neste caso o Estado) não estiver legitimado para possuir um bem cultural, ele pode atacar e questionar a legitimidade da posse por outros grupos sociais; pode ainda acusar outros países de nacionalismo e proclamar-se como defensor de um patrimônio cultural que, precisamente como tal, deve ser considerado universal. O grupo soberano também pode reivindicar a propriedade de bens culturais ao alegar incluir as minorias que solicitam a devolução de tais objetos ou afirmar que os bens passam a fazer parte da sua identidade cultural, legitimando, assim, a posse e a utilização de bens que não estão realmente vinculados a esse grupo soberano.Por último, no que diz respeito à exposição de bens culturais em locais públicos como os museus, não se deve esquecer ou subestimar que alguns desses objetos podem ter sido criados para não serem mostrados a todos e, na verdade, exatamente para efeito de seu valor ou função, precisam ser colocados em locais escondidos ou até mesmo enterrados. Ademais, um determinado bem cultural está indissociavelmente ligado a um lugar específico, dentro do qual assume significados precisos. Portanto, sua devolução não tem valor se não corresponder à sua locação para o local de onde foi anteriormente furtado.Em especial, no que se refere aos povos indígenas, nos últimos anos houve, a princípio, o nascimento de um debate no nível internacional, depois um aumento da atenção às suas necessidades, culminando em 2007 com a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas. Graças a essa Declaração, reconhece-se que os povos indígenas têm o direito de preservar, proteger e controlar o seu patrimônio cultural. Isso significa que esses povos têm o direito de controlar tanto o acesso aos seus locais culturais e religiosos, como aos respectivos objetos cerimoniais. Significa ainda que os Estados podem repatriá-los desde que seja constatado que foram roubados em tempos mais ou menos arcaicos. A declaração de 2007 enfatiza ainda o direito dos povos indígenas à autodeterminação, destacando o fato de os grupos culturais individuais terem sua própria autonomia cultural, distinta da do Estado-nação dentro de cujas fronteiras se encontram.Deu-se, assim, maior importância à relação entre os objetos e as comunidades que os criaram, independentemente dos vários regimes de propriedade que possam ser aventados no que se refere à posse de tais bens. Além disso, atualmente, a restituição de bens culturais envolve cada vez mais instituições dedicadas à conservação (sobretudo museus), tanto é que o próprio Conselho Internacional de Museus (ICOM) adotou resoluções relativas à restituição de bens culturais e incluiu o tema dentro do seu Código de Ética Profissional.Nas instituições museológicas, os povos indígenas têm frequentemente contestado tanto a posse de bens culturais criados por esses povos, como, às vezes, também a sua exibição ao público.

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