' *DEIXO TODAS AS CAPITANIAS DE PAZ, MUITAS DELAS CONQUISTEI POR GUERRA: HISTÓRIA DO RIO DE JANEIRO EM UM MANUSCRITO DE MEM DE SÁ - 01/01/2021 de ( registros) Wildcard SSL Certificates
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DEIXO TODAS AS CAPITANIAS DE PAZ, MUITAS DELAS CONQUISTEI POR GUERRA: HISTÓRIA DO RIO DE JANEIRO EM UM MANUSCRITO DE MEM DE SÁ
2021. Há 3 anos
portanto, ela é qualificada como “santa”. Não seria este o próprio movimento da colonização emque destruição e colonização andam pari passu assim como o soldado e o padre na nova terra?Nessa esteira, ressoam as linhas escritas do português Mem de Sá, terceiro governadorgeral do Brasil: “deixo todas as capitanias de paz, muitas delas conquistei por guerra”. Seumanuscrito data muito provavelmente de 1570, o que faz do texto, em termos de anos, um irmãopróximo ao episódio pintado por Meirelles. Com código Ms. 506, f. 63-63vº, o documentooriginal está sob a guarda da Biblioteca Joanina e a reprodução foi muito gentilmente cedidapelo Dr. António Eugénio Maia do Amaral, diretor-adjunto da Biblioteca Geral da Universidadede Coimbra desde 2007.

Em linhas gerais, o documento é uma magra prestação de contas em que Mem de Sá pontua, frente e verso, o que fez em terras brasileiras até então; ele que havia sido enviado de Coimbra para cá no final de abril de 1557. Embora não fosse militar, nem homem da Corte, era conhecido por ser um juiz “probo e enérgico” (VAINFAS, 2000, p. 387), característica que cairia bem na colônia em disputa com os franceses que, na corrida pela posse, estavam na frente, fincados na Baía de Guanabara, ainda amplamente habitada por indígenas. Sob o comando de Villegagnon, que instalara aqui a França Antártica em 1555, o confronto se estenderia por longos doze anos, dando vitória – como a história nos adianta – aos portugueses.

As ações de Mem de Sá não demoraram a ser reconhecidas e sua fama, espalhada. O padre jesuíta Antônio Blasquez, em 30 de abril de 1558, afirma que o governador imprimiu uma “outra maneira de proceder que até agora não se teve, que é por temor e sujeição; e pelas mostras que isto dá no princípio, conhecemos o fructo que adiante se seguirá, porque com isto todos temem e todos obedecem e se fazem aptos para receber a Fé”.2 Essa maneira peculiar não se restringia ao domínio de povos indígenas, mas à própria organização da colônia.

Outro padre, José de Anchieta, elevaria Mem de Sá à categoria de Ulisses: a ele dedicou opoema “De Gestis Mendi de Saa” (c. 1562), todo escrito em hexâmetro dactílico, um esquemarítmico muito presente na poesia épica. Ali são louvados os feitos de Sá pela guerra cujoresultado não seria outro além de paz e civilização, de braços com a catequese e a glória deDeus (MIRANDA, 2007, p. 24). Essas ambivalentes nuances podem ser percebidas no pequenotrecho do poema a seguir:

O quão ditoso dia, Mem de Sá, aquele em que a terra brasílicate pôde vislumbrar! Que vida salutar hás de conceder a esses povosaflitos! Ao teu combate, com que grande pavor, fugiráo fero inimigo, que muitos impropérios vocifera, lançando-oscontra os cristãos, impelido por uma fúria mortal!3 [Página 3 do pdf]

Na pena de Anchieta, o Brasil passa a louvar Mem de Sá antes mesmo de seus atos,bastando apenas que se entrevisse, que se vislumbrasse sua imagem durante a chegada. Nasegunda linha, olhando a história à contrapelo, é possível realizar uma inversão dos adjetivossem prejuízo algum da compreensão de seu conteúdo: Que vida aflita hás de conceder a essespovos salutares! Amparando essa nossa nova afirmação está o fato de que apenas em 1558o próprio Mem de Sá escreve ao rei contando que havia destruído 130 aldeias tupinambáspróximas ao rio Paraguaçu, na Bahia. (SILVA, 2020, p. 102) Certamente o objetivo de Sá nãoera garantir uma vida salutar aos povos aflitos, conforme conta o jesuíta Anchieta.

Atuando desde dezembro de 1557, quando aportou na Baía de Todos os Santos, travando guerras em Ilhéus, São Vicente, Espírito Santo e Rio de Janeiro – combates nos quais perderia seu filho, Fernão, e o sobrinho, Estácio –, Mem de Sá, com quase 70 anos, deseja voltar para sua terra, segundo o manuscrito:

Peço a V.[ossa] A.[lteza] que em paga de meus serviços me mande ir para o Reino, e mande vir outro governador, porque afianço a V. Alteza que não sou para essa terra”. (CARVALHO, 1875, p. 404)

O governador sucessor seria dom Luiz de Vasconcelos que, enfim, daria a Sá o descansoque pediu. Parece ser ao próprio Dom Luiz que ele se dirige no autógrafo a seguir. No entanto,se um documento congela um evento na linha do tempo (como o quadro de Meirelles congelaaquele encontro, como o manuscrito de Mem de Sá congela sua letra), nesse dia não saberiam– nem Sá nem dom Luiz – que a troca dos poderes jamais seria efetuada. Como vingança dosfranceses, as caravelas de dom Luiz de Vasconcelos foram atacadas em alto mar a meio docaminho de Portugal para o Brasil. A contragosto, o já cansado governador fica aqui até morrerem março de 1572.O manuscrito que está na Biblioteca Joanina, embora enxuto – uma página apenas –,apresenta inúmeros e interessantes desafios para a pesquisa. Um deles é o português escritosem fixação ortográfica: há palavras grafadas de diferentes maneiras, como yndios (índios),higreijas (igrejas), hum/huma (um/uma), serquay (cerquei). Na transcrição que seguirá (eque seria impossível sem o dote paleográfico do Dr. Maia do Amaral) busquei uniformizar eatualizar a ortografia a fim de permitir certa fluidez na compreensão, mas não inseri pontuação,como vírgula, mesmo quando se fazia necessária. Por outro lado, essa situação é ela mesmarepresentativa da história que conta: a transcrição lacunar do documento pode ser vista como umaespécie de alegoria da fundação também lacunar da cidade do Rio de Janeiro. Permanecerão noengasgo historiográfico episódios, encontros e confrontos que resultaram no desaparecimentode inúmeras tabas indígenas. [Página 4 do pdf]


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