“Caminho do Peabiru tem o mesmo valor histórico e religioso do Caminho de Santiago de Compostela”. Por Aldinei dos Passos Andreis, em jornal.paranacentro.com.br - 26/01/2021 de ( registros)
“Caminho do Peabiru tem o mesmo valor histórico e religioso do Caminho de Santiago de Compostela”. Por Aldinei dos Passos Andreis, em jornal.paranacentro.com.br
26 de janeiro de 2021, terça-feira. Há 3 anos
A cada ano, novas descobertas são feitas em torno do Caminho do Peabiru, rota histórica usada por indígenas e até mesmo por povos pré-colombianos, antes da chegada dos europeus à América do Sul no final do século XV e início do século XVI, quando teve início a exploração do continente americano.Um dos mais entusiastas e estudiosos desses resquícios é o funcionário aposentado do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), Clemente Gaioki. Nascido na comunidade de Mato Rico, ainda quando a localidade pertencia ao município de Pitanga, ele estudou o primário no Colégio Santa Terezinha e fez o 2º grau no Colégio Antonio Dorigon e, em 1973, foi aprovado no concurso do IBGE e trabalhou, inicialmente, na cidade de São Pedro do Ivaí, depois chefiou a agência, onde conseguiu conciliar a atividade profissional com o curso universitário de Administração, que fez na cidade de Paranavaí, até que, em 1979, foi transferido para Pitanga, onde trabalhou até 1999, quando se aposentou no órgão federal.A partir desse momento, Gaioski conta que se apaixonou pela história do Caminho do Peabiru e começou a estudar a rota. “Faz 17 anos estou lutando com isso, aprendendo, buscando dados e a história disso tudo”, ressalta.Muitas histórias e lendas contornam esse trajeto que começaria na região de São Vicente (SP) e entraria pelo continente brasileiro, passando pela região dos Campos de Piratinga, ainda em São Paulo, até a divisa com o Paraná, onde atualmente fica o município de Sengés. A rota continuaria pela região dos Campos Gerais, passando por Ponta Grossa e chegaria à região central, no município de Reserva. Nesse trecho, o Caminho do Peabiru segue para o sul, passando por Cândido de Abreu, Boa Ventura do São Roque, Pitanga, Santa Maria do Oeste, Palmital, Laranjal e Campina da Lagoa; a partir daí vai à região de Guaíra, entra pelo território do Paraguai e segue em direção ao Peru, passando pela Bolívia, em um total de mais de 3 mil quilômetros. Se o trecho teve todo esse percurso, não é difícil de imaginar que poderia ocorrer uma integração entre os índios, que ocupavam o território brasileiro, e os povos pré-colombianos, como os incas, que moravam na região do Peru. “Acredito, fielmente, que o caminho teve essa dimensão, tenho mais de 100 relatos de autores diferentes sobre esse caminho; eles relatam passagem por essa região e personagens que usaram essa rota”, frisa o pesquisador pitanguense.Um dos relatos mais fantásticos e que Clemente Gaioski acredita ser verídico é que o apóstolo de Jesus Cristo, Tomé ou São Tomé para a fé católica, percorreu esse caminho pela América do Sul. Ele conta que existe uma lenda guarani, que um homem chamado Tsumé, que era calvo, usando uma veste branca, descalço e com um cajado na mão, chegou caminhando pelo mar e anunciava a vinda de uma pessoa que viria para salvar a humanidade. Esse homem percorria as aldeias indígenas, levando essa palavra e passando por esses percalços. “No Peru, temos a mesma lenda, com relato e características iguais do personagem, mas que lá se chama Tanapa e é interessante lembrar as últimas palavras de Cristo aos apóstolos eram que eles fossem pelos quatro cantos do mundo e pregassem o Evangelho e o que consta em muitos desses relatos é a possibilidade de Tomé ter vindo primeiro para as Américas e depois para os países asiáticos”, comenta o pesquisador. Ele acrescenta, ainda, que existem relatos dos próprios jesuítas, cerca de 1,5 mil anos depois, que identificam esse caminho como de São Tomé.Para ele, o Caminho do Peabiru tem os mesmos conceitos e as mesmas faculdades que outro caminho, famoso no mundo todo, que é o caminho de Santiago de Compostela, na Espanha. Esse local, segundo a história e a tradição, foi percorrido por Tiago ou São Tiago, outro apóstolo de Cristo. “Ele tem o mesmo valor histórico, cultural, exotérico e cristão e foi realizado com os mesmos desígnios apostólicos, mas acaba tendo um patamar menor, pois o outro caminho está na Europa e é formado por povos mais antigos e que fizeram a preservação da história”, ressalta Clemente Gaioski.O pesquisador acredita que é muito difícil conseguir realizar algo semelhante no Brasil, tendo em vista que um processo como esse precisa de uma unidade de pensamento, especialmente, porque a maior parte do trajeto do caminho está inserida em propriedades particulares e parte do trecho, hoje, passa por áreas que são lavouras; poucos são os locais que contam com resquícios preservados.Outro fato que reforça a importância do Caminho do Peabiru são os relatos de Dom Alvar Nunez Cabeza de Vaca, espanhol que descobriu as Cataratas do Iguaçu. Inclusive, segundo Gaioski, na jornada que fez até chegar à foz do Rio Iguaçu, Alvar passou pelas serras de Pitanga, próximo ao Natal. Isso está relatado no livro Naufrágios e Comentários, um diário da viagem do explorador espanhol pelas terras da região Sul. Segundo Gaioski, nesse livro existe uma série de referências ao Caminho do Peabiru e ele acredita que Cabeza de Vaca percorreu grande parte do caminho até chegar às cataratas do Iguaçu. A comitiva do explorador era formada por cerca de 350 pessoas, sendo 80 índios carijós e 250 arcabuzeiros (pessoas que manipulavam antigas armas de fogo, chamadas de arcabuz). “No livro, ele conta que, no dia 12 de dezembro de 1541, passou com os cavalos por um rio muito caudaloso e que tinha o piso liso, que era chamado de Ubaí e que depois se transformou em Ivaí e, no dia 18, ele parou sua comitiva, por conta das comemorações do Natal em uma área muito bonita e cercada de serras, na cabeceira do Rio Cantu, onde ficou por cerca de seis a oito dias e só depois atravessou o rio. Isso nos leva a crer que ele passou o Natal daquele ano, aqui nas serras de Pitanga”, revela o pesquisador.É possível que tivesse ocorrido um intercâmbio maior entre os guaranis, que ocupavam as florestas subtropicais do Brasil, e os incas, no entanto, havia dois complicadores importantes; o primeiro era que os índios brasileiros eram rudes e tinham um espírito mais guerreiro e o segundo é que, para os povos pré-colombianos, havia um problema sério de adaptação ao clima do Brasil. Gaioski comenta que, em uma viagem que fez ao Peru, ouviu relatos sobre as dificuldades dos climas nas florestas do Brasil, relevo, clima e doenças. “No Peru, é praticamente o mesmo clima durante todo o ano e eles encontraram muita dificuldade nesse intercâmbio”, frisa.Em toda a região central do Paraná, o Caminho do Peabiru percorre cerca de 157 quilômetros, de um total estimado de 3 mil quilômetros. Para ter uma ideia, o Caminho de Santiago de Compostela tem apenas 872 quilômetros. Um dos projetos que Gaioski pretende desenvolver é de um museu itinerante, que percorra as cidades da região, por onde passa o Caminho do Peabiru, e fique por cerca de 6 meses a um ano e, nesse período, além de mostrar as peças já encontradas em cada município, ajude a contar um pouco dessa história e a conscientizar a população da região sobre a importância do Caminho do Peabiru.