Casa de Vereança de Mariana - 300 anos de História da Câmara Municipal. Organizadoras: Cláudia Maria das Graças Chaves, Maria do Carmo Pires e Sônia Maria de Magalhães - 01/01/2012 de ( registros)
Casa de Vereança de Mariana - 300 anos de História da Câmara Municipal. Organizadoras: Cláudia Maria das Graças Chaves, Maria do Carmo Pires e Sônia Maria de Magalhães
2012. Há 12 anos
“juntavam-se em casa deste ao toque da Ave Maria com o escrivão ecombinavam os meios de vigiar a cidade" e, como os meirinhos, só podiamfazer prisões mediante mandado escrito e assinado pelo juiz.122 Osmeirinhos eram oficiais de justiça encarregados de prender, citar, penhorare executar mandados judiciais.123As freguesias eram representadas por um oficial denominado juiz devintena e seu escrivão, que eram nomeados anualmente para as povoaçõesde no mínimo vinte vizinhos e distantes mais de uma légua da sede dotermo. Esses oficiais atuavam como auxiliares na aplicação da justiça e naadministração do termo.Além da recorrência na ocupação dos cargos, que também pode serobservada na segunda metade do século XVIII, antes da ereção da vila àcategoria de cidade, existiam outros cargos na estrutura da Câmara, como oporteiro do auditório, o de piloto medidor das sesmarias e o jurado.
A Câmara também nomeava também oficiais subordinados da municipalidade que não tinham o direito a voto, variando em número conforme a importância do Concelho. Dentre eles, destacava-se o almotacé que, embora não fizesse parte da Câmara que o escolhia, tinha atribuições de extrema importância para a vida local, como abastecimento de gêneros e fixação de preços.
O almotacé era responsável por fiscalizar três constantes da vida nas vilas ou cidades: o comércio, a salubridade pública e a construção. 124 Os gêneros alimentícios deviam ser almotaçados, isto é, deviam ter suas medidas e seus pesos conferidos e seus preços taxados. Havia livros específicos para os registros da almotaçaria nos quais os escrivães registravam as vendas e lojas almotaçadas, anotando os nomes de seus donos ou donas, ou de quem estivesse cuidando do local. As formas pelas quais fiscalizavam e puniam os infratores eram discriminadas no regimento de seu ofício. 125
Os almotacés deviam agir fundamentados pelo código de posturas, cumprir com seu papel de fiscalizadores do comércio justo, do bem estar e da saúde da população no centro urbano. Mas, além deles, os rendeiros do ver e os rendeiros das aferições dos pesos e medidas também se ocupavam da fiscalização do comércio. As atribuições dos almotacés, descritas nas Ordenações eram de natureza predominantemente econômica e assim seguiam tanto em Portugal como na comarca de Vila Rica. 126
O rendeiro era responsável por notificar o almotacé para que proc desse contra os infratores. Era dada uma grande importância ao rendimento dos rendeiros, sem o qual, não poderiam cumprir com o pagamento da arrematação do cargo que fizeram em praça pública.
O rendeiro das aferições conferia se as medidas e pesos usados no comércio estavam conforme haviam sido regulamentados pelas posturas. O rendeiro do ver, por sua vez, era responsável por ”estar vendo", ou seja, vigiar se as posturas do Senado da Câmara, em relação à salubridade pública – como a proibição de porcos soltos nas ruas, assim como em relação à regulamentação do comércio, como a fiscalização das licenças – estavam sendo cumpridas. Quando verificavam a ocorrência de infrações, eram responsáveis por notificar os almotacés, para que procedessem às correições, e pela punição dos infratores. 127
Muitos comerciantes eram multados por venderem produtos não aferidos como legumes, frutas, queijo, lingüiça, toucinho, peixes, vinho e carvão. Oficiais mecânicos que não apresentavam suas cartas de exame também eram punidos. 128 Outras infrações envolvendo as determinações de salubridade pública como manter porcos soltos nas ruas e uso de carretões nas ruas estragando as calçadas também eram muito comuns e, nas freguesias, eram punidas pelos oficiais vintenários. 129 Em 1736, o escrivão do senado da Câmara de Vila do Carmo enviou editais aos arraiais para que nenhuma pessoa possuísse porcos soltos, sob pena de seis oitavas por cabeça e ordenava aos recém nomeados oficiais da vintena para observarem o cumprimento do edital.130 Em 1755, o escrivão da vintena do Sumidouro, João Francisco de Souza enviou à Câmara alguns moradores do arraial condenados por possuírem porcos soltos nas ruas. 131
Ser escrivão da almotaçaria proporcionava muito prestígio a quem exercia o cargo devido, principalmente, às altas remunerações que dele se extraía. Ao seu detentor cabia a terça parte do valor das coimas aplicadas pelo almotacé, além de receber uma taxa por almotaçar os gêneros vendidos ao público e uma parte da remuneração dos rendeiros. 132 De acordo com Nuno Monteiro, as funções de almotacé, bem como a do seu escrivão, eram exercidas por homens bons da localidade e possibilitava a ascensão aos postos de Vereança. 133 Em alvará datado de 1618, o Rei ordenou que em todos os lugares do Reino que houvesse juiz de fora, a eleição de almotacés fosse realizada "em gente nobre e dos melhores da terra na forma da Ordenação", não podendo ser pessoa de "raça" e que servisse dos ofícios da justiça.134 [p. 58, 59, 60]
A extensão dos termos dificultava a ação dos almotacés, então, a criação de uma infra-estrutura burocrática local, como destaca RusselWood, tornou-se necessária.135 Assim, as atribuições de natureza econômica, fiscal, judicial e administrativa nas freguesias eram delegadastambém aos oficiais vintenários. [p. 61]
revogada por nenhum Corregedor ou demais oficiais de justiça, exceto peloRei.Nas vilas e cidades da colônia portuguesa na América a adequaçãoàs situações novas e distintas em relação ao reino permitia uma maiorliberdade à composição das legislações locais principalmente quando oapelo aos “usos e costumes” da terra se impunha às normas gerais.No caso da Câmara de Mariana podemos acompanhar esseprocedimento no que diz respeito à atividade comercial, a regulamentaçãodo espaço mercantil, o tabelamento de preços, a aferição de pesos emedidas e todas as regras sobre abastecimento da população. Para esse fim,a Câmara contava com os almotacés, escrivães de almotaçaria, meirinhos dealmotaçaria e os rendeiros da aferição e do ver-o-peso para fiscalização dacorreta aplicação das posturas relativas ao abastecimento, comércio,limpeza urbana e obras públicas. Aos almotacés, eleitos de dois em doismeses, cabia vistoriar as vilas, cidades e seus termos para averiguar ospadrões de pesos e medidas, os preços praticados, a manutenção doabastecimento, as licenças dos estabelecimentos comerciais, além deinspecionar a limpeza urbana e as construções urbanas. Os escrivães dealmotaçaria escrituravam os autos, diligências e multas aos infratores queeram notificados. Os meirinhos de almotaçaria garantiam juntamente como almotacé a aplicação das posturas e a penalização dos infratores taiscomo seqüestro de bens, penhora, prisões e embargos. Os rendeiros eramcontratados para a correta aferição dos pesos e medidas, acompanhavamos almotacés em suas fiscalizações.A almotaçaria era fundamental para o funcionamento da Câmara,bem como garantia parte das rendas destas. O ofício de almotacé tambémestava previsto nas Ordenações do Reino e sua função e nomeação foramdetalhadamente estipuladas no Livro I, ti.68, 1 a 12. A filiação deste ofícioem Portugal é tributária da herança islâmica na Península Ibérica, o muhtasib. Em Portugal o almotacé tornou-se oficial camarário e suasatribuições definidas, de forma semelhante ao muhtasib, para o controle domercado, da limpeza urbana e das construções139. No que se refere aocontrole do mercado, o oficio dos almotacés foi sempre pautado pela noçãodo “bem comum” em que os preços deveriam ser tabelados, osatravessadores, especuladores e fraudadores deveriam ser severamentepunidos e as pequenas medidas, como o prato e meio prato, deveriam sergarantidas aos consumidores mais pobres140.As posturas da Câmara de Mariana, referentes ao comércio, nãovariaram muito ao longo do século XVIII, exceto nos valores e puniçõesatribuídas aos infratores. De maneira geral essas posturas versavam sobreos pesos e as medidas adequadas e sobre determinadas condutas quecomerciantes e açougueiros deveriam ter. Podemos resumir o principalconjunto de posturas da seguinte maneira:- As balanças deveriam ser aferidas sempre nos meses de janeiroe fevereiro, devendo ser conferidas nos meses de julho e agosto.- O uso de pesos ou medidas falsas poderia ser punido comprisão e multa.- O uso de medidas danificadas ou sujas resultava em pagamentode multa por cada medida. Quando o aferidor fosse oresponsável por danos nas medidas, ele seria responsabilizado etambém pagaria multa.- Para a abertura de lojas era necessária a aferição de todas asmedidas a serem usadas. - Todos os donos de lojas ou vendas deveriam tirar licença para ofuncionamento de seus estabelecimentos. O infrator tinha umprazo de 30 dias para regularizar a situação.- Todos os gêneros comercializados dentro das vendas deveriamser almotaçados, isto é, tabelados. Isso valia para as vendaslocalizadas à distância de até uma légua da vila.- Para aqueles que quisessem vender seus mantimentos na vila enão tivessem seus próprios pesos e medidas, poderiam usar osque estivessem disponíveis na vila.- A presença de negras, cativas ou forras, ou de qualquer outrapessoa vendendo bebidas nas lavras resultaria em multa.- Toda venda oculta na vila, ou no termo, acarretava em umamulta para o infrator.- Todo estabelecimento comercial deveria encerrar as portas navila e arrabaldes às nove horas da noite. A infração seria punidacom multa. Mesmo quando fechados não poderiam permanecerdentro deles escravos ou escravas.- O corte de carnes na vila e no termo deveria ser comercializadoem arrobas ou pesos menores para a população. A punição parainfratores seria de multa e na reincidência, o fechamento doaçougue.Como vimos, grande destaque era dado ao uso de pesos e medidasbem aferidos. Podemos considerar que essa era uma questão muitocomplicada, sobretudo pelo uso de medidas muito pequenas e pelocostume de se utilizar de medidas de capacidade para produtos sólidos,como era o caso do alqueire (correspondente a 13,1 L). Os grãos eramvendidos em medidas de litros, como ainda é possível verificar em algumascidades de Minas. As balanças utilizadas eram constituídas por travessãocom um eixo central, tendo em cada extremidade um prato. Os pesos eram colocados em um dos pratos para se obter o peso relativo do produto quese queria pesar. Por essa razão era tão importante aferi-los periodicamente.O Senado da Câmara definia em suas posturas o valor e medidascorrespondentes dos principais gêneros consumidos pela população da vilae seu termo. Em 1767 uma postura da Câmara “para vendeiros” definiaalgumas dessas proporções141. O vinho, a aguardente do reino, o azeite e ovinagre deveriam ser comercializados em cinco medidas: inteira, meia, umquarto, meio quarto e a metade de meio quarto, isto é, a oitava parte e amenor dose da bebida. A criação das menores medidas visava a diminuiçãocorrespondente do preço dos gêneros. Lembravam os vereadores que aoutilizarem as mesmas medidas para diferentes produtos, era necessáriolavá-las para manterem o asseio. A aguardente da terra era vendidaanteriormente em duas medidas e deveria passar a três: inteira, meia e oquarto. As mesmas medidas serviriam para o melado e o azeite de mamona,muito utilizado na iluminação das casas. O sal deveria ser vendido emquatro medidas: o prato, meio prato, um quarto, e meio quarto. A farinha demandioca e os legumes deveriam também ser vendidos nessas quatromedidas por ser um costume. Outra unidade de medida muito utilizada eraa libra, ou arratel, e correspondia a 459gr.Os preços desses produtos eram almotaçados em oitavas de ouro ouo correspondente em réis. A oitava de ouro correspondia à oitava parte deuma onça, antiga medida de peso em Portugal, e equivalia a 3,585g. Seuvalor monetário variou ao longo do século XVIII de 1$200 (descontado ovalor do quinto) a 1$500 réis. Os menores valores de referência eram osvinténs (20 réis), os tostões (80 réis) e as patacas (320) réis. Essas moedasutilizadas de forma corrente na colônia tornaram-se um problema nasMinas Gerais onde o ouro se tornou a principal referência de valor. Asmoedas existentes não correspondiam exatamente ao valor do ouro em pó. [p. 72, 73, 74, 75]
Por exemplo, duas patacas seria o valor mais próximo de ½ oitava de ouro,mas ficaria entre os valores quintados, ou não, da oitava. Por essa razão eracomum a Câmara tabelar os preços em oitavas e vinténs ao mesmo tempo.Uma medida de aguardente do reino equivalia a ½ oitava e 2 vinténs, isto é,640 réis.Além das medidas e preços, os almotacés também tinham queconhecer bem as distintas atividades mercantis, bem como as regras para aatuação de cada uma delas. Os lojistas e vendeiros, assim como osboticários, possuíam licenças para atuarem e seus estabelecimentos eramfiscalizados pelos almotacés e rendeiros do ver. O mais difícil era fiscalizar osnegócios praticados fora desses estabelecimentos. Como vimos acima, osroceiros poderiam comercializar seus próprios produtos desde queutilizassem de pesos e medidas bem aferidos. Os marchantes, comboieirosou boiadeiros que transportavam gados e comercializavam as carnes verdes(frescas) tinham a sua atividade regulada por posturas específicas quedeterminavam o local onde o gado deveria permanecer – sempre afastadodo centro da vila –, as medidas dos cortes e regras para manutenção dalimpeza urbana. Os tropeiros, assim como os roceiros podiam fazer vendasem pé, isto é, podiam vender a retalho, mas somente com a utilização depesos e medidas bem aferidos.As negras de tabuleiro, escravas ou forras, comercializavamalimentos nas ruas e praças e também eram objeto de muitas das posturasda Câmara sobre a atividade mercantil. Em geral, elas eram proibidas decircular próximas às áreas de mineração, principalmente, faisqueiras nasáreas urbanas. Havia o temor de que elas facilitassem furtos e contrabandos.Entretanto, não era ilegal a prática de comércio das “negras detabuleiro”.Como vendiam produtos comestíveis, bebidas e quitutes, ocontrole dos almotacés restringia-se a verificação dos produtosalmotaçados. [p. 76]
Um bom exemplo disso é dado pela postura emitida em 24 deoutubro de 1767, já citada acima, e que diz respeito aos pesos dasmercadorias vendidas na cidade tais como: vinho, aguardente, azeite e sal,entre outros. Nela, os vereadores faziam a seguinte menção: “(...) além delhe obstar a ordenação do Livro 1º título 18, e pelos atalhar, e conformandonos com a(s) referidas (sic) ordenação e com o estado, e costume do paísque neste caso é Lei...”144. Aqui, a referência explicita ao texto da Lei,demonstra o conhecimento jurídico dessa elite local, assim comodemonstra o reconhecimento da necessidade de adaptá-la ao contexto emque eram aplicadas. A Lei, referida pelos vereadores, apresentacircunstancialmente todas as obrigações do Almotacé-Mor que servia àCorte, isto é, ao mercado de Lisboa. Os padrões, pesos e medidas sãodetalhados entre os parágrafos 36 e 66 da legislação Régia. Eles possuíam,sem dúvida, peculiaridades que diziam respeito apenas àquela praçamercantil e seria, portanto, inadequada a uma vila da capitania de MinasGerais se pensada em sua integralidade. Então para determinar os pesos dasmercadorias em Mariana os vereadores recorrem ao direito de usar oscostumes locais de pesos e medidas para fundamentarem a dita postura.Essa inadequação entre os costumes locais e as leis da CoroaPortuguesa ocorreu em praticamente todos os lugares do Brasil, bem comoem quase todo o Império Português. No caso específico de Mariana issopermitiu a ocorrência de fatos curiosos na confecção das posturascamarárias, tal como ocorre na postura acima mencionada que se baseianos costumes de Mariana e era obstada, isto é, embaraçada, pelo título 18do Livro 1º das Ordenações Filipinas na regulamentação dos pesos dedeterminadas mercadorias. Por essa razão, e pela existência de padrões emedidas específicas adotadas em Mariana, os vereadores decidem afirmar,através de uma postura essa diferença. O interessante aqui é o fato de eles [p. 79]
aproximadamente 2,1 litros, ou 2/6 alqueires; e finalmente o quartilho,menor medida equivalente a ¼ de uma canada, ou aproximadamente 0,5litros. Essas medidas de capacidade também eram usadas aqui nas Minas,mas não havia essa distinção para cada produto, assim, segundo o costumelocal, seria melhor definir a proporção de divisão das medidas no geral enão a medida em si.Portanto, era sempre preferível, para se evitar conflitos com apopulação, adaptar uma norma às necessidades e aos interesses locais,mesmo que elas diferissem da norma geral ou das leis do Reino. Isso nãoconstituía uma arbitrariedade uma vez que a legislação portuguesa erapermeável aos costumes de cada região do Império Português. Por outrolado, essa autonomia das Câmaras fortalecia o poder das elites políticascoloniais uma vez que possuíam condições de legislar em seu território,desde que respeitado o princípio dos costumes e do bem comum dospovos. Isso quer dizer também que essa elite política, ou os “homens bons”das cidades e vilas deviam contar com o apoio da população parapreservação de seu poder.A adaptabilidade das leis portuguesas aos costumes de cada regiãodo Império Português se fazia muito necessária levando-se emconsideração as especificidades dos problemas enfrentados pela populaçãoe pelos vereadores em cada uma de suas regiões. No caso de Mariana asmedidas mercantis da Câmara buscavam controlar alguns problemas que setornaram recorrentes na região mineradora e que são temas de muitas dasposturas produzidas ao longo do século XVIII. O principal deles era aconstante carência de alimentos que geralmente fazia subir o preço dosgêneros de subsistência. Outro problema comum era o comércio feito emvendas ilegais ou pelas “negras de tabuleiro” como já indicamos acima.Quando o problema era a falta de alimentos e a carestia derivadadessa ausência, a ação dos atravessadores no comércio de víveres e a prática dos vendedores e dos produtores de estocar os alimentos, visando aelevação dos preços, tornavam-se focos da ação das Câmaras e o almotacéentrava em cena.Os atravessadores compravam produtos dos roceiros e lavradores eos transportavam até a cidade para revendê-los por um preço mais alto. ACâmara incentivava a venda direta entre o produtor e o consumidor para oscasos dos alimentos de subsistência. Esses gêneros eram tambémalmotaçados, mesmo assim os atravessadores conseguiam especular tantopela ausência induzida como pelo desvio dos gêneros para mercados commenor fiscalização. É importante chamar a atenção para o fato de que otabelamento dos gêneros não definia o preço de venda, apenas estipulava opreço máximo de cada gênero alimentício para que a população maispobre tivesse acesso a esses produtos. Um bom exemplo disso está naseguinte postura que determina uma série de preços que se deveriamcumprir pelos comerciantes:[...] se da mesma Sorte alterando os preços do Sebo, e maismiúdos, e couros a saber, o Sebo a dois Vinténs, os couros a trêsquartos e seis vinténs de ouro, e os mais miúdos a quatro Vinténse excetos Línguas que venderão a dois Vinténs de ouro cujospreços não poderão os Marchantes alterar de baixo dita penas(sic) de Seis oitavas de ouro pagas da cadeiaSegunda PosturaAos Padeiros Serão obrigados a dar pão com o peso de dozeonças por dois vinténs de ouro, e a fazerem pão de vintém compeso de Seis onças e se houver alteração de Cinco oitavas deouro por cada furro de farinha Requererão a este Senado para Se lhe diminuir, e em pena de Se lhe tomar todo o pão diminutopara os presos da cadeia...148Percebe-se bem essa maleabilidade na composição dos preços. Opreço do pão tabelado era para o de menor peso, de 6 ou 12 onças ouaproximadamente de 125g a 350g., sabendo-se que o preço do pãodependia do preço da farinha que também deveria ser fiscalizado. Contudo,devemos considerara que todas as medidas no sentido de controlar oabastecimento nas vilas eram sempre paliativas levando-se emconsideração o fato de que a produção de alimentos na região mineradorase estabilizou somente na segunda metade do século XVIII. Mesmo assim,segundo Flávio Marcus da Silva149, a luta contra a especulação de preços foiuma constante ao longo do século XVIII, tendo se arrefecido um pouco nofinal do século com a estabilização da economia mineira na produçãoagropecuária e não mais na mineração. Entretanto, essa tensão nuncadesapareceu por ser uma característica intrínseca aos mercados emqualquer lugar e em qualquer tempo.Em Mariana, como em todas as vilas e arraiais das Minas Gerais, asvendas se disseminaram.Ocupavam não apenas os espaços urbanos, mastambém os caminhos e áreas rurais. Nelas se praticavam o pequenocomércio, a venda à varejo e o comércio de miudezas. Eram consideradaspelas autoridades camarárias potencialmente como espaços de desordem,onde a bebida, jogos e batuques estimulariam a violência e a contravenção.Flávio Marcus da Silva, ao analisar o quotidiano do pequeno comércio nasMinas, as vendas e a atuação das negras de tabuleiro, afirma que as Câmarasnão proibiam essas atividades, apenas controlavam seu funcionamento. [p. 81, 82, 83]
comestíveis e bebidas. Elas se tornaram tão comuns nas paisagens dosarraiais, circulando pelos ribeiros e morros das lavras, que começaram a setornar alvo das elites governativas. Acusadas de desviar o ouro dos escravosgarimpeiros, de causar tumultos nas lavras, do contato com negros fugidos,elas irão sofrer a perseguição dos órgãos oficiais por meio de ordens,alvarás, editais e bandos. Para a historiadora Sheila de Castro Faria, ainserção de escravos e libertos em atividades comerciais especialmente“para negros [...] poderia representar, assim como para brancos, uma dasopções mais acessíveis para a conquista de melhores condições de vida”.182Em 1711, com a elevação dos três principais arraiais mineiros àcondição de Vila e com a implantação de suas Câmaras — responsáveis pelaadministração da ordem administrativa e judiciária nas localidades osestabelecimentos comerciais passam a ser controlados, fiscalizados etaxados pelos servidores camarários. Segue-se a vigilância de balanças,pesos e medidas das mercadorias postas à venda e a tentativa do controlede preços, fundamental nos períodos de alta dos produtos de primeiranecessidade como a farinha, o feijão e o arroz. O almotacel, funcionário doSenado da Câmara, tinha muito trabalho para “fiscalizar os abusos dospreços, os pesos e medidas irregulares, limpeza dos estabelecimentos,atuação de atravessadores e por fim a criação de monopólios”.183As vendas, espaços importantes da sociabilidade garimpeira, desde1716 passam a contribuir com a Fazenda Real na arrecadação do tributo doQuinto do Ouro. Naquele ano, e no seguinte, a contribuição dos povos dasMinas seria de 30 arrobas de ouro anuais. Para fazer frente à contribuição, asCâmaras foram autorizadas a estabelecer registros de entrada e também [p. 109]
No século XVIII, definia-se por audiência o ato de ouvir queixas edemandas, fossem elas matérias da alçada da justiça, como hoje aentendemos, ou não.202 Tal ato era próprio dos reis, ministros, de “pessoasde dignidade”, conforme adjetivou Dom Raphael Bluteau em seu dicionário.Para o nível local, das vilas e cidades, Bluteau destaca que as audiênciasadministrativas ficavam a cargo presidentes e vereadores das Câmaras,estes “homens bons” da terra. No campo da justiça davam audiência “dealmotacés para cima”, isto é, os juizes, ouvidores etc. A audiência eraentendida, também, como “o lugar onde as partes vão requerer de suajustiça em certos dias de cada semana”.203 [p. 122]
Em fins da década de 1820, já havia o empenho legislativo naorganização (e profissionalização) da justiça e na condução do processojudicial: em 1827 regulam-se as funções dos escrivães, tabeliães e outrosoficiais; em 1828 cria-se o Supremo Tribunal de Justiça (com acorrespondente extinção dos tribunais do Desembargo do Paço e daConsciência e Ordens), instância superior aos tribunais das relações nasprovíncias.Com a lei de 15 de outubro de 1827, cria-se, em cada freguesia oucapela filial curada, um juiz de paz e suplente, eleitos por votantes daparóquia, juntamente com os vereadores, para um período correspondenteao da Câmara municipal (decreto de 1º de dezembro de 1828). Este juiz deparóquia devia contribuir para a boa administração da câmara.304 Alémdestas atribuições cíveis (e de polícia administrativa), como reconciliação departes em conflito, ele tinha uma proeminente atribuição nos casoscriminais e policiais: fazia auto de corpo de delito, interrogatórios, prisões;procedia contra criminosos, vadios, mendigos, bêbados, meretrizes, eperturbadores da ordem; obrigava a observância das posturas municipais.Os processos criminais da competência dos juízes de paz visavamestabelecer maior agilidade nos julgamentos, cuja sentença (ou o termo debem viver a ser observado pelo réu) dependia de prova das testemunhas,com a audiência do réu. Tais depoimentos constavam do processo escrito,que podia ser encaminhado, caso fosse imposta alguma pena ao réu, ao juizcriminal (bacharel), que assistido por dois juízes de paz mais vizinhos (as juntas de paz) confirmava ou revogava a sentença. 305
Entre 1827 e 1832, os juízes de paz acumularam uma jurisdição ampla e ampliaram as suas funções cíveis, criminais e policiais. Em 26 de agosto de 1830 foi abolido o posto de almotacé (oficial nomeado pela Câmara para fiscalizar as atividades mercantis), e suas atribuições judiciárias passaram para o juiz de paz no distrito. Em 11 de setembro de 1830 ordenou-se a eleição de juízes de paz em todas as capelas filiais curadas, sendo criados ainda os oficiais de quarteirão 306, dependentes daqueles e atuantes na sua jurisdição. 307
O Código do Processo Criminal manteve-se durante a Regência e amenoridade do futuro Imperador Pedro II (até 1841). Foram extintos osjuízes ordinários e os ouvidores das comarcas.308 Em seus lugares foramcriados os juízes municipais e os juízes de direito. Raymundo Faoro faz umaboa descrição desse novo ordenamento do judiciário e das jurisdiçõesterritoriais nas províncias:O distrito foi entregue ao juiz de paz com tantos inspetores quantosfossem os quarteirões; no termo haveria um conselho de jurados, um juizmunicipal, um escrivão das execuções e os oficiais de justiçanecessários; nacomarca- a mais ampla expressão territorial — havia o juiz de direito, emnúmero que se estenderia até três, nas cidades populosas, um deles com ocargo de chefe de polícia. O juiz de paz era filho direto da eleição popular,nomeados os inspetores de quarteirão pelas Câmaras municipais, sobproposta daquele. Os juízes municipais [não necessariamente formados emdireito, mas deviam ser pessoas qualificadas]309 e os promotores públicos —que serviam nos termos [das sedes de comarca] – provinham da nomeaçãodos presidentes de província, sob proposta encaminhada em lista tríplice[pelas Câmaras], para um mandato de três anos. Os juízes de direito [que [p. 172, 173]