' O profeta e o principal. A ação política ameríndia e seus personagens. Por Renato Sztutman - 01/01/2005 de ( registros) Wildcard SSL Certificates
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O profeta e o principal. A ação política ameríndia e seus personagens. Por Renato Sztutman
2005. Há 19 anos
outro tipo de inscrição e que pretendem revelar, a partir dessa nova valorização do passado, aspectos fundamentais das sociedades em questão. 6 Apesar de lançar críticas aos desenvolvimentos de Lévi-Strauss nos volumes das Mitológicas, Joanna Overing, em “O mito como história” (1995),compartilha com ele essa crítica à nossa fi losofi a da história, colocando emcausa as teorias causais próprias aos indígenas, no caso, os Piaroa da Amazônia venezuelana. Para Overing, trata-se de demonstrar como os Piaroapensam a imbricação entre o tempo mítico e o atual, ou seja, como eles nãose relacionam em termos de passado e presente, pois que o mito continua aatuar na atualidade, o que exige, dos indígenas, o desenvolvimento das atividades xamânicas, que nada mais são que a tradução entre esses dois mundos concomitantes. 7 Como alega Marcel Detienne (2000), a nossa historicidade se confi gura soba idéia de um passado que não pode ser de modo algum transformado pelopresente. Com efeito, a “grande tradição da História”, como chamada porSahlins, opera pela purifi cação entre o passado e o presente, o mito e a história. Ora, como a constituição moderna, posta em causa por Bruno Latour(1994), esse projeto de historiografi a é, sabemos, apenas ofi cial, escondendopráticas ofi ciosas, afi nal jamais haverá uma concepção de passado que nãoseja, em algum grau, determinado pela presente. A esse respeito, ver a conclusão de um artigo de síntese de Lilia Schwarcz (2005). 8 Marcel Detienne (2000) alega que a “ciência da história”, artefato ocidental,nasce no Oitocentos como projeto nacional. O historiador deixa de se preocupar com a comparação entre diferentes histórias para perseguir a constituição de uma singularidade nacional. 9 Segundo a proposta de Gell, devemos pensar a apreensão do tempo sob aimagem de “mapas temporais” que combinam dimensões “objetivas” e “subjetivas”. Crítico a um certo sociologismo e relativismo, Gell aloja-se numkantismo que toma o tempo como dimensão apriori. A crítica a esse kantismode Gell pode ser encontrada em Overing (1995), que propõe pensar os sistemas causais ameríndios independentemente de qualquer dado apriorístico. 10 O encontro entre Vieira e os índios é debatido em Carneiro da Cunha(1996). O desencontro, em Viveiros de Castro (1992/2002). 11 Essa refl exão pode ser encontrada também em Gell (1992), que atenta para arelação entre a consciência da irreversibilidade do tempo — manifesta sobretudo na paixão pelos calendários — e a diferenciação hierárquica e política.

12 A correlação entre “sociedades contra o histórico” e “sociedade contra o Estado” pode ser encontrada tanto em Lefort (1987) como em Sahlins (1990). O último, por seu turno, examina essa idéia à luz do material polinésio. Na Polinésia, “sociedade heróica”, a história nada mais seria que os feitos de certos chefes (ou reis). Ali, onde os chefes são pensados como a encarnação de deuses, a consciência histórica desdobra-se como um aspecto da lógica formal da hierarquia. Os chefes, guardiões de uma certa memória, fazem a história por meio de seus casamentos, genealogias dinásticas, guerras e alianças intertribais. Não obstante esse desenvolvimento de alguma consciência histórica, as chefi as (ou realezas) do Pacifi co não devem, segundo Sahlins, ser confundidas à armação das sociedades históricas e com Estado. Isso ocorre por que os regimes polinésios não pensam a pura contingência atendo-se fortemente à mitopráxis para tecer a sua história e a sua organização política. Ao negar a dissociação entre o cósmico e o político, os polinésios apostam numa noção de poder como algo estrangeiro e que, portanto, deve ser domesticado pelo grupo. Nesse ponto o edifício hierárquico é visitado por ventos ameríndios, afastando-se fortemente do modelo ocidental e moderno.

13 Ora, a “destemporalização” do modelo jê tem sido revista recentementepor vários autores. Dentre eles, destacam-se Menget (1999a) e Cohn (2001).Ver, sobre esse tema, a conclusão do artigo “O visível e o invisível na guerra ameríndia” (Cohn & Sztutman 2003). 14 Devo ressaltar que a distinção que utilizo entre história e etnologia — distinção enfatizada em dois artigos de Lévi-Strauss, um de 1948 (Lévi-Strauss1976), outro de 1993 (Lévi-Strauss 1999); ambos sob o mesmo título, “História e etnologia” — é mais ofi cial que ofi ciosa e, desse modo, fruto deum contraste propositalmente exagerado. Ao apostar nesse mesmo exagero, Marcel Detienne (2000) toma a história como ciência do nacional, como preocupada com a singularidade e sua fabricação, e a etnologia comociência comparativa das diversas culturas. Ora, o helenista atenta para a necessidade de um diálogo entre historiadores e etnólogos, uma vez que esteabriria a história como disciplina à prática da comparação, justapondo fatosatuais e antigos. Detienne reconhece em Marc Bloch e seus “sucessores” osfrutos deste diálogo. Lilia Schwarcz (2005), também partidária do diálogo,debruça-se sobre uma historiografi a engajada em evidenciar que na nossasociedade convivem histórias no plural. Se, como Detienne, a autora iniciasua genealogia com Marc Bloch — autor de uma “história do milagre” naIdade Média e fundador de uma espécie de antropologia histórica — ela vêa sua seqüência na obra de autores como F. Braudel, R. Darnton e C. Ginzburg. Afi nal, conclui Schwarcz, “somos todos nativos de nossas muitastemporalidades. Ou, como diria Thomas Mann, ‘A história é muito maisvelha que seus anos’” (2005: 135). 15 Veja-se, por exemplo, o célebre episódio de Vallidolid, que opôs Las Casas eSepulveda, e em que, por trás de uma discussão sobre a sujeição do indígena [p. 22, 23]



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