uma nau e um patacho se dirigiam à capitania dos Ilhéus, paraali carregarem madeira; e que uma frota de 36 navios aguardavaa hora propícia de acometer as naus da 1ndia, seguindo depois"a acometer essa cidade da Bahia e a capitania de Pernambuco".Pensavam os corsários que as praças estavam mal defendidas esem munições, contando também com certos espias ali residentes (86). Em tudo o governador Botelho teria de manter vigilância, preparando-se para horas de perigo.Mas tudo se resumiu a ataques em pleno Atlântico e anaus inimigas que rondavam a costa do Brasil, não se notandoqualquer ataque àquele Estado nos anos de 1606 a 1608. Ofracassado ataque dos holandeses à Bahia, em 1604, e o receiode que as povoações tivessem uma sólida defesa constituíamrazões de pêso para as Províncias Unidas não tentarem, semmeios de luta eficaz, a posse do Brasil. Por tal motivo, na últimafase do govêrno de Diogo Botelho, vive-se em estado de alerta,mas a terra não sofre qualquer ataque.A administração da Justiçae a nova "relação"
Um dos campos mais eficientes da administração de Diogo Botelho foi, sem dúvida, o da Justiça, procurando impor aos oficiais e aos colonos a observância das leis judiciais. Vimos como a sua intransigente ação em Pernambuco lhe valeu, da parte dos seus inimigos, um inquérito ordenado pela Côrte. Mas o governador não se desarmou perante os golpes que o queriam derrubar e, por seu turno, fêz levantar devassas aos que haviam infringido as determinações régias. Enviando cópia dos processos, Botelho logo informou o monarca dos "casos graves e atrozes" que se passavam na administração do Brasil e que o tinham forçado a proceder contra os faltosos.
Sucedeu, porém, que êsses papéis desapareceram no reino, devido a influências - do secretário Diogo Velho? - que se ligavam às pessoas visadas. Pois Filipe III, em carta de 31 de janeiro de 1605, não teve dúvida em apoiar a ação do Governador, "que convinha muito a seu serviço e bem da Justiça",( 87 ) ordenando que os papéis fôssem achados sem demora e remetidos ao Conselho da Índia para a devida apreciação. Mas os documentos levaram sumiço, dado que os perdera quem nisso tinha interesse; e o monarca teve de ordenar ao bispo Castilho, sete meses depois, que escrevesse a Diogo Botelho, "nas primeiras embarcações", para êste remeter a cópia dos papéis (Carta de 21 de agosto de 1605, Biblioteca da Ajuda, códice Sl-VII-8, fol. 111.).
Aconteceu também que na primeira metade de 1605 rebentou um conflito entre Botelho e o Ouvidor geral, Ambrósio de Sequeira, em virtude de o primeiro entrar na esfera do magistrado (Carta do bispo Castilho a Filipe III, Lisboa, 4 de junho de 1605).Ambos se queixaram para a Côrte, invocando ofensas mútuas. O Governador era acusado de passar alvarás defiança sem ter provisões em tal domínio; e o Ouvidor-geral - "nos neguocios que tratou como no que toca a sua autoridade elugar em que está" - não guardava o respeito que devia a Botelho. O monarca ordenou que, em segrêdo, se pedisse ao bispodo Brasil, D. Constantino Barradas, para êste obter informaçõesprecisas sôbre o diferendo; e depois de ouvido o Conselho daslndias, escreveu-se ao Governador e ao Ouvidor para que guardassem o respeito devido na esfera das suas atribuições próprias.
Foi depois dêsse conflito que o Ouvidor partiu para Per-. nambuco, a efetuar uma certa diligência por ordem do monarca,e que agastado com o procedimento de Botelho resolveu permanecer ali por tempo demasiado longo. A sua ausência doSalvador devia ter originado um atraso na decisão dos pleitosjudiciais, o que levou o Governador a escrever para a Côrte e areclamar o regresso de Sequeira. Mas êste ainda se achava noRecife no início de 1606, sendo o monarca, Filipe II, obrigado a escrever de Valladolid, em 14 de fevereiro de 1606, ao Ouvidor Sequeira, Valladolid, com ordem de regressar à Bahia, "sua principal residencia ( ... ) junto a pessoa do governador dêsse estado"(9).
Uma vez que o Ouvidor tardava em regressar à Bahia, deixando ao desamparo a administração da Justiça nas partes doSul, teve Diogo Botelho de tomar medidas arbitrárias e que levantaram protestos, em especial no que respeita ao regimentodos funcionários. Sucedeu que o Provedor-mor dos defuntos doSalvador, de nome Francisco Subtil de Sequeira, tendo ido de visita às capitanias do Sul entendeu por bem arrogar-se funçõesde Ouvidor-geral, "intrometendo-se em ofício que lhe não tocava" (91 ). Teria Botelho conhecimento da missão de Sequeirae tê-la-ia mesmo ordenado para indispor o Ouvidor-geral? Aresposta não pode deixar de ser afirmativa. É de crer que lheteriam chegado queixas da falta de exercício da Justiça e quedecidisse enviar êsse funcionário, com funções limitadas, pararesolver casos urgentes, andando mal Sequeira em se intitularOuvidor. Mas, entretanto, chegaram rumores à Côrte e o monarca avisou do fato Diogo Botelho, ordenando-lhe que nãoenviasse outros funcionários a exercer funções judiciais, "comnovos e desacostumados poderes".Também na esfera religiosa os conflitos surgiam e, porvêzes, com os oficiais da Administração. Nos primórdios de1605 as relações entre o Governador e o prelado não eram satisfatórias, devido a um conflito em matéria de jurisdição. Ignora-se a causa do dissídio e apenas se sabe que as partes apelarampara a Coroa. Por carta de 20 de dezembro de 1605, o monarcaordenava ao Desembargo do Paço que visse as causas do incidente (92).Um outro caso que afetou as relações entre os podêres religioso e temporal merece ser também invocado. Por razões quenão interessam à história, mas que se prendiam decerto a umcaso de bigamia pública, o alferes Bento de Araújo não quisera"fazer mais vida com sua mulher", que se cir:hava no reino. OVigário-geral, padre Antônio Monteiro, para o forçar a um gestode concórdia, teria proposto a Araújo que êste fizesse seguir aespôsa para o Brasil, no que não foi atendido. O Vigário resolveu então prender o faltoso, mas êste, não querendo seguirpara Lisboa, ferira o meirinho que o acompanhara e saíra daprisão. Tratando-se de um caso judicial e não religioso, o bacharel Brás de Almeida, que ao tempo servia de Ouvidor, queixou-se à Côrte do procedimento do Vigário e êste decidiu-se aexcomungá-lo. "Isto toca somente as Justiças de Vossa Magestade", responde o Desembargo do Paço; e o monarca ordenaque se escreva ao Bispo do Brasil, para êste meter na ordem oseu Vigário. Faltava, no entanto, uma justificação moral para [p. 107, 108]
CAPITULO III
CONQUISTA E POVOAMENTO DO MARANHÃO
O govêrno de D. Diogo de Meneses Não abundam os dados históricos para assentar a biografia do nôvo governador do Brasil. Sabe-se apenas que D. Diogo de Meneses de Sequeira era filho de D. João de Meneses, natural de Évora e antigo governador de Tânger, e de D. Joana da Silva, da alcunhada família "dos Gatos" de Santarém, sendo os dois ramos de tronco nobre (1). Deve ter nascido ao redor de 1560, em local que se ignora, mas que poderia ser a vila de Santarém, onde tinham casa os seus progenitores.
Estêve depois na batalha de Alcácer-Quibir, juntamentecom seu pai, pois o nome de ambos vem referido no "rol dosfidalgos que o monarca mandou aperceber"(2 ), e ali ficaramprisioneiros, tendo obtido o resgate. Durante a crise de 1580encontramo-lo no partido afeto a D. Antônio: estêve na praçade Cascais, ao lado do governador D. Diogo de Meneses, seutio, passando depois a Sintra, onde manteve uma fraca resistência ao invasor(3 ) . E com a vitória de Filipe II, o seu nomedeixa de ser mencionado entre os adeptos do Prior do Crato. [p. 121]
xima do Rio Grande do Norte. Poderia haver necessidade deenviar socorros; e na linha dessa política, Gaspar de Sousa veioa demorar-se em Pernambuco durante os anos de 1613 e 1614.Mas exigindo o monarca a sua partida para a Bahia, não quisfazê-lo sem propor à Coroa a nomeação de um substituto quemantivesse, em Olinda, a ajuda à conquista do Maranhão( 107 ).A sua presença no Salvador assinala-se já em fevereiro de1615, procurando dar ordem aos assuntos do govêrno: em l.ºde março a assinar uma provisão em que se nomeia BelchiorRodrigues para serventuário do ofício de Escrivão da Fazendada capitania da Bahia, durante a ausência de Pedro ViegasGeraldes( 108 ); e em 22 de abril, como uma nova provisão, emque ordena ao doutor Antão de Mesquita, Desembargador dosAgravos, que tire devassa de todos os oficiais da Justiça, Fazendae Alfândega( 1º9 ), nomeando Belchior Rodrigues para secretáriodo inquérito( 11 º). Esta devassa era, no fundo, o cumprimentoda provisão régia, de 21 de abril do ano anterior, sôbre ascontas que se deviam tomar aos tesoureiros, recebedores eAlmoxarifes da Fazenda do Brasil (111 ).São em grande número os atos de govêrno que Gaspar deSousa assina por êsse tempo, com a nomeação de funcionáriospara cargos da Administração e assuntos correntes. Mas porpoucos meses se demorou o Governador na capital do Estado,pois no início de julho de 1615 já o achamos de nôvo na cidadede Olinda. Como se explica a sua partida, contra as ordens domonarca? A resposta não se torna difícil de compreender.
A conquista do Maranhão
Sucedeu que em Lisboa os membros do Conselho devem ter convencido Filipe III de que as tréguas no Maranhão traduziam um mau serviço prestado à Coroa. As tropas portuguêsas achavam-se em vésperas de alcançar o derradeiro triunfo contra o inimigo e deviam ter prosseguido a conquista até à derrotados franceses. :estes aproveitavam as tréguas para se refazer com novas fôrças, o que tornava indeciso o resultado da luta.
Por tal motivo, Filipe III escreveu ao governador do Brasil, em data que se ignora mas que pode colocar-se no início de 1615, ordenando que a paz com os franceses fôsse rompida. E em27 de março de 1615, o secretário Cristóvão Soares anunciava que Diogo de Sequeira, cavaleiro fidalgo da Casa real, estava prestes a sair do Tejo com um navio "que ora se manda de socorro ao Rio Maranhão"( 112).
Tal foi o "segrêdo" tão importante que, em 15 de junho de 1615, o governador Gaspar de Sousa enviou a Matias de Albuquerque, capitão de Pernambuco, a anunciar o seu próximo regresso a Olinda, para ali cumprir as ordens do monarca ( 113). Impunha-se, porém, que êste plano não fôsse divulgado, pois as Côrtes francesa e espanhola estavam a assinar as tréguas como base de uma futura aliança, e não era conveniente perder as vantagens de um ataque de surprêsa. Só apenas quando a expedição estivesse a postos é que as tréguas seriam rôtas: "Nisso os façamos despejar da ylha em que residem e de todas as mais partes daquelle rio Maranhão, sem lhes deixar algua onde torne a assentar". O tempo que iria decorrer até outubro seria, pois, consagrado ao apresto das armas, à captação de tribos nativas, à segurança dos presídios do Ceará e do Rio Grande e à obtenção de dinheiro para tão custosa emprêsa.
O governador referia, antes de deixar a Bahia, que nãotinha muito dinheiro para levar consigo - "vista nossa grandemiséria e pobreza" - mas não escondia a esperança de oauxílio divino vir a compensá-lo, e aos homens da expedição,do seu apêgo à Coroa portuguêsa. Na opinião de Gaspar deSousa, faltava dinheiro no Brasil - "e o dinheiro é o nervoprincipal" - para expulsar os invasores, não apenas porquecom êle se recrutavam os homens e obtinha artilharia, mas também para manter os presídios do Ceará e do Rio Grande, comopontos de apoio de um futuro ataque português(114).Prende-se à expedição de Alexandre de Moura essa derradeira jornada para a conquista do Maranhão. O Governadormandara organizar uma fôrça militar de 900 homens, sob ocomando do referido Capitão, e de 7 galeões e duas caravelas,a cargo de Diogo de Campos Moreno. Conhece-se o itinerário [p. 160, 161]