PARANHOS, Paulo. A passagem bandeirante pelo Caminho Velho das Minas. Gerais. Revista da ABRASP, nº 11, 2005
2005. Há 19 anos
tais pousos se tornaram arraiais e estes se transformariam em povoações edepois em vilas (LUIS. 1976,177).No início, os paulistas eram apenas entradistas em busca de índios paraa escravização e venda para as lavouras canavieiras, pouco, ou quase nunca, seestabelecendo fora de sua província. No entanto, nos fins do século XVII umanotícia importante espalhou-se no meio bandeirante: a descoberta de ouro paraalém da Mantiqueira. Segundo anotou Saint-Hilaire, homens de todas ascondições, pobres e ricos, velhos e moços, brancos e mestiços,Todos abandonaram em massa seus lares, suas mulheres e seus filhos etomaram de assalto as vastas solidões do Brasil. Seguiram, na medidado possível, os misteriosos e lacônicos itinerários deixados pelos maisantigos sertanistas, e em toda parte esgravatavam a areia dos córregose a terra das montanhas. Quando encontravam um terreno aurífero,armavam barracas nas proximidades e iniciavam a exploração. Essesarraiais transformavam-se em povoações, depois em cidades, e foiassim que os paulistas começaram a povoar o interior do país,acrescentando à monarquia portuguesa algumas províncias maisvastas, algumas delas, do que muitos impérios (1976, 28).Outro importante historiador pátrio, Vianna Moog (1969), com muitapropriedade diria queO bandeirante adentrava-se na mata, escalava montanhas, vadeava riosencachoeirados, transpunha cumeeiras, lutava contra índios,escravizava-os ou os dizimava quando não podia escravizá-los,escrevia, enfim, no solo virgem da América o último capítulo de OsLusíadas.
2. As primeiras bandeiras
Deixando de lado a entrada de Pero Lobo, em 1º de setembro de 1531, considerada por uns tantos historiadores como a primeira bandeira ocorrida no Brasil, comecemos com Braz Cubas e Luis Martins que, partindo de Santos ou de Piratininga8, por volta de 1560, e passando pelas terras do primeiro (na atual Mogi das Cruzes), desceram pelo rio Paraíba, guiados por alguns indígenas, até a paragem da Cachoeira (atual Cachoeira Paulista), onde encontraram o
Caminho que atravessa o litoral para serra acima e tornando por esse caminho subiram a serra, foram à barra do rio das Velhas e correram a margem do São Francisco até o Paramirim, ou até algum tanto adiante, donde voltaram pelo mesmo caminho (LEITE. 1961, 57). [p. 14]
Um outro português, Martim Corrêa de Sá, que fora capitão-mor daCapitania de São Vicente, também, por recomendação do então 7ogovernadorgeral do Brasil, D. Francisco de Sousa, entrou em Minas Gerais no ano de 1597.Em sua companhia levou o inglês Anthony Knivet9, que já o havia acompanhadoem incursões pelo sertão adentro, com a finalidade de aprisionarem indígenas.Martim de Sá teria vindo de Paraty e, transposta a serra do Mar, depois deatravessado o vale do Paraíba, teria alcançado o vale do rio Verde.
Ainda sobre a expedição de Martim de Sá, o Dr. Mario Leite (1961)anota que tendo descido o rio Sapucaí até a confluência com o Verde, obandeirante teria se afastado do rumo geral que procurava o Sabarabuçu, poiseste atingia as cabeceiras do rio Verde que contravertem com as águas doParaíba na garganta do Embaú e continua pelas águas do primeiro rio até seravistado o morro de Caxambu, passando daí para o rio Ingaí e deste para o rioGrande e, finalmente, para o rio das Mortes na altura de Ibituruna.3. A bandeira de André de Leão e a caracterização da passagem pelagarganta do EmbaúNo ano de 1601, mais precisamente em julho, o já citado D. Franciscode Sousa patrocinaria a bandeira de André de Leão que se internaria no sertão deMinas Gerais em busca da lendária serra de Sabarabuçu, que se acreditava àépoca ser rica em prata. Essa expedição seguiu o curso do rio Paraíba do Sul atéa entrada da Mantiqueira, subindo a garganta do Embaú, e daí, conformeadmitem consagrados historiadores, deve ter atingido as nascentes do rio SãoFrancisco, sem, no entanto, alcançar as tão sonhadas minas de prata.Retornou André de Leão a São Paulo em abril de 1602, e sua viagem foirelatada pelo mineralogista holandês Wilhelm Jost ten Glimmer, participante daexpedição, constando tal relato da obra História Natural do Brasil, publicada emAmsterdã em 1648, por George Marcgraff.Sobre essa expedição alguns excertos do que foi relatado por Glimmeraparecem na obra do Dr. Washington Luis e que determinam o caminho seguidopela bandeira de André de Leão. Vejamos, então:Partindo da cidade de São Paulo, na Capitania de São Vicente,chegamos, primeiro à povoação de S. Miguel, à margem do rioAnhembi10, e nesse lugar achamos preparadas as provisões, que osselvagens tinham de carregar nos ombros. Atravessamos, depois, aquelerio e, com um marcha de quatro ou cinco dias a pé, através de densas matas, seguimos rumo de Norte, até um riacho que nasce nos montesGuarimumis11, ou Marumiminis, onde há minas de ouro. Aqui,aparelhadas algumas canoas de cascas de árvores, continuamos rioabaixo, durante cinco ou seis dias, e fomos ter a um rio maior quecorria da região ocidental. Aquele primeiro riacho desliza por sobrecampos baixos e úmidos, notáveis por sua amenidade. Tendo descidoeste rio maior, em dois dias, encontramos outro ainda muito maior, quenasce no lado setentrional da serra de Paranapiacaba, e correndo, aprincípio, para o Ocidente, na mesma direção dos montes, depois,formando um cotovelo, se encaminha por algum tempo para o Norte, e,afinal, como geralmente se crê, se lança no Oceano entre o Cabo Frio ea Capitania de Espírito Santo; chamam-no o rio de Sorobis12 e éabundantíssimo em peixes, tanto grandes como pequenos. Descendotambém este rio, durante quinze ou dezesseis dias, chegamos a umacatarata, onde o rio, apertado entre montanhas alcantiladas, sedespenha para o Nascente13. Por isso abicamos neste ponto as nossascanoas e marchamos outra vez a pé, ao longo de outro rio que desce dolado ocidental e não se presta a navegação14. Com cinco ou seis dias demarcha, chegamos à raiz de um monte altíssimo e, transpondo-o15,descemos a uns campos mui descortinados16 e aqui e acolá sombreadosde bosques se vêem lindíssimos pinheiros, que dão frutos do tamanho deuma cabeça humana; as nozes desses frutos têm a grossura de um dedomédio e são protegidas por uma casca como as castanhas, e são muiagradáveis ao paladar e nutritivas17.Três dias depois, chegamos a um rio, que deriva do Nascente, e,atravessando-o, durante quatorze dias18, tomamos a direção deNoroeste, através de campos abertos e outeiros despidos de árvores atéoutro rio, que era navegável e corria da banda do Norte19. Em toda aviagem até aqui descrita nada vimos que denotasse cultura, nãoencontramos homem algum, apenas aqui e ali aldeias em ruínas, nadaque servisse para alimentação, além das ervas e algumas frutassilvestres...decorrido um mês sem encontrar rio algum, chegamos a umaestrada larga e trilhada e a dois rios de grandeza diversa, que,correndo do Sul, entre as serras Sabaraasu, rompem para o Norte; e éminha opinião que esse dois rios são as fontes ou cabeceiras do rio SãoFrancisco....(1976, 232).O ilustre geólogo norte-americano, Orville Albert Derby, um dosfundadores, em 1895, do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, porsugestão do não menos notável historiador pátrio Capistrano de Abreu, em [p. 15, 16]
“cataguás” serviu para designar o sertão habitado por aqueles indígenas, nadatendo, inclusive, a ver com a atual cidade de Cataguases.Acrescente-se, também, que Diogo de Vasconcelos, consagradohistoriador mineiro, anota em sua obra que em Lagoa Dourada existia um arraialantigo com o nome de Cata-Auá, memória única e final que relembra o poderoutrora terrível e o nome belicoso dos senhores do sertão (1999, 118). Assim,na realidade os cataguás existiram a partir da região das minas para o norte e nãopara o sul das Minas Gerais.
4. A passagem para o interior das Gerais pela garganta do Embaú
Diante de muitas e diversas controvérsias, não restam dúvidas de que a garganta do Embaú foi o caminho mais batido desses primeiros sertanistas, que se internaram sob recomendação do governador-geral do Brasil, D. Francisco de Sousa. Historiadores de renome, e aqui citamos o Dr. Mario Leite, entendem que, sem abandonar a idéia da passagem pelo Embaú, uma ou outra bandeira poderia, descendo o vale do Paraíba, chegando à altura de Pindamonhangaba, para transpor a Mantiqueira, ter subido pelo vale do Piracuama, mais ou menos no traçado da Estrada de Ferro de Campos do Jordão, descendo depois pelo Sapucaí, para passar ao rio Verde (1961, 62).
Aliás, aquela também era a idéia comungada pelo já mencionado Dr.Orville Derby, quando, de igual sorte, descreveu a rota da bandeira de MartimCorreia de Sá, que se internou em território mineiro por volta de 1596, muitopossivelmente na esteira de João Pereira de Sousa Botafogo e anteriormente,inclusive, à passagem de André de Leão.
Percorrendo a região, pudemos aquilatar a força de todas essasinformações e chegamos à conclusão de que o roteiro descrito por todos,inclusive pelo padre Antonil, em 1711, não pode ter sido feito por outro caminhosenão por esse do vale do Paraíba, subindo pela garganta do Embaú, na serra daMantiqueira, pelo menos até 1700, quando já estava transitável uma parte docaminho novo de Garcia Rodrigues Paes, partindo do Rio de Janeiro em direçãoa Vila Rica, de acordo com as informações constantes de Basílio de Magalhães(1934), caminho este que estaria completamente aberto entre 1722 e 1725.Na edição do Códice Costa Matoso que utilizamos para o presenteestudo, existem dois roteiros determinados por Francisco Tavares de Brito, aosquais chamou de itinerário geográfico com a verdadeira descrição doscaminhos, estradas, roças, sítios, povoações, lugares, vilas, rios, montes e serrasque há da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro até as Minas de Ouro. Ao [p. 18]
garganta do Embaú, mesmo porque antes dele ali já haviam estado homens comoJoão Pereira de Sousa Botafogo22, o próprio Martim Corrêa de Sá e André deLeão e que foram decisivos informantes quanto às condições de travessia edificuldades as mais diversas na procura da região das minas de ouro.Conforme se pode constatar de estudos minuciosos das rotasbandeirantes, em conferências havidas no Instituto Histórico e Geográfico deSão Paulo, a passagem por Atibaia, como querem os ilustres historiadoresapontados, levava a outras regiões, principalmente ao sul de Mato Grosso eGoiás; isto efetivamente não aconteceria se dessem uma grande guinada emdireção ao Sapucaí para alcançar o Verde e daí em diante para o rio das Mortes,o que era improvável, haja vista a rota traçada pelos dois Anhangueras e,posteriormente, por Raposo Tavares.Com todo o respeito que merecem os insignes historiadores, parece-noscoberto de razão o Dr. Orville Derby quando sustenta com muita propriedade -haja vista a produção científica que deixou consignada nos Anais do InstitutoHistórico e Geográfico de São Paulo, com cartas geográficas extremamenteexplicativas sobre este tema - a passagem de Fernão Dias Paes pelo Embaú,podendo, inclusive, ter o bandeirante lançado ali os fundamentos dos povoadosde Passa Quatro, Itanhandu e Pouso Alto.Na serra da Mantiqueira, comprovadamente, havia três passagens, o queconfundiu, por muito tempo, os historiadores: a primeira delas, por Jacareí, pelopasso do rio Buquira; a segunda, por Tremembé, pelos vales dos rios Piracuamae Sapucaí e a terceira, descendo por Guaipacaré (Lorena), atingindo a gargantado Embaú pelo rio Passa Vinte.Apesar da suposição daqueles historiadores, conforme nos ensina MarioLeite (1961), o caminho pelo Embaú era, sem dúvida, o trecho mais batidodesses primeiros sertanistas que se internaram a mando de D. Francisco deSousa.Lembra-nos, como forte exemplo, que o bandeirante paulista GasparVaz da Cunha (um dos primeiros descobridores de ouro em Cuiabá, em 1723),no ano de 1703, teria aberto um caminho, o primeiro existente, dePindamonhangaba na direção do rio Sapucaí, caminho este seguido, inclusive,por Miguel Garcia, na expedição de 1677, comandada por Lourenço Taques,para descobrir as minas de Itagyibá, que estavam localizadas no atual territóriodo município de Delfim Moreira. [p. 21]
Notas
1. Mesmo que no início não se intitulassem bandeiras nem bandeirantes – apenas sertanistas – o Registro Geral da Câmara de São Paulo, de 1621, aponta que Martim de Sá, servindo de capitão-mor de São Vicente, “nomeou Ascenso Ribeiro capitão da infantaria e ordenança da vila de São Paulo o qual tinha debaixo de sua bandeira quarenta soldados” (LUIS. 1976, 174).
2. A bandeira de Fernão Dias, independentemente de seu fracasso comrelação ao plano original, teve o condão de ostentar em seu grupo trêsimportantes sertanistas que, posteriormente, trariam significativascontribuições para a região das Minas Gerais: o primeiro deles foi MathiasCardoso, pelo estabelecimento da estrada que ligou as minas de ouro aoscurrais de gado no rio São Francisco; o segundo foi Borba Gato,responsável pelo devassamento do rio das Velhas, na altura de Sabará e oterceiro foi Garcia Rodrigues Paes, que abriu uma via nova decomunicação, mais rápida, partindo do Rio de Janeiro, para as minas deouro, o chamado “caminho novo”. Atente-se, inclusive, que Fernão Diaspartiu de Piratininga em 21 de julho de 1674, indo na frente da bandeiraMathias Cardoso na primeira leva que partiu em 1673. Daí o cuidado quese deve ter quando se fala na passagem de Fernão Dias pelas terras daMantiqueira em 1673.3. Indumentária.4. Recipientes de metal (geralmente de prata) que servem para examinar atransparência dos vinhos para a prova.5. Canecas para líquidos em geral.6. Diz-se do cavalo preto, cor de amora.7. Cavalo robusto, próprio para carga.
8. Historiadores consagrados como Affonso Taunay e Francisco de Assis Carvalho Franco não identificam exatamente de onde teria partido a entrada de Braz Cubas. O certo é que em meados de 1562 Luis Martins estava estabelecido em Piratininga.
9. Corsário inglês que tomou parte na desastrosa viagem do navio Leicester,de Thomas Cavendish e que acabou dando nas costas do Rio de Janeiro,sendo aprisionado pelos portugueses. Participou de várias incursões aossertões do Brasil e deixou uma obra interessante denominada Váriafortuna e estranhos fados.10. É o atual rio Tietê.11. Atual serra do Itapeti, localizada no Parque Municipal da Serra do Itapeti,em Mogi das Cruzes.12. É o atual rio Paraíba do Sul.13. Atual região de Cachoeira Paulista.14. Trata-se do rio Passa Vinte.15. A passagem pela garganta do Embaú na Serra da Mantiqueira.16. Daí avista-se a atual cidade de Passa Quatro, pela região do Pinheirinho.17. A araucária e seus frutos, os pinhões.18. Com toda certeza, o rio Verde.19. O rio Grande.20. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, vol. IV, p. 329-350.21. O rio Passa Quatro.
22. Existem controvérsias a respeito do sobrenome Botafogo, não sendo o mesmo encontrado em documentos dos arquivos públicos de São Paulo; inclusive o festejado historiador pátrio Capistrano de Abreu não reconhece a João Pereira de Sousa o sobrenome ou o apelido de Botafogo. Já Basílio de Magalhães fala em um João Pereira de Sousa, o Botafogo, “sesmeiro de cuja alcunha houve nome a praia e o bairro de Botafogo no Rio de Janeiro” (1935, 80). O certo é que a sua bandeira partiu no ano de1596 e alcançou o rio Grande, aonde veio a falecer em 1597, conforme declarado na abertura de seu inventário. [p. 23]