Entretanto, a forma da América do Sul foi sendo alterada nas edições seguintes do Atlas de Ortelius.O mapa-mundi de 1598 (Figura 04) apresenta a América do Sul com formato mais próximo do real,terminando em ponta no sul sem a protuberância que avançava para o Pacífico, caracterizada nos mapasdas tiragens anteriores.Todas essas representações têm em comum o destaque dado ao território do peruano, que se manteveampliado, ocupando grande parte da América do Sul. A falta de conhecimento da realidade geográficapermitiu que a cartografia registrasse o deslumbramento causado pelos tesouros encontrados no Peru pelosespanhóis, acumulados por séculos pelos Incas, e, sobretudo, pelas descobertas das jazidas auríferas deCarabaya, em 1542, e das ricas minas de prata de Cerro Potosí, em 1545. O que possibilitou também arepresentação da crença da proximidade entre as ricas minas e a costa brasileira. [p. 10]
Esta distorção não incomodava os lusitanos, primeiramente, como dito, seu conhecimento geográficonão permitia consciência do fato e, depois, se a certeza da contigüidade entre a América Lusitana e a deCastela já acenava a possibilidade de riqueza minerais nessa colônia, mais do que isso, a crença naproximidade da costa brasileira com o Peru significava para os portugueses uma real crença da existêncianessas terras dos cobiçados tesouros encontrados no Peru. Aos olhos da Corte espanhola esta proximidaderepresentava ameaça às suas conquistas. E os castelhanos tanto admitiam a possibilidade das entradas pelosertão atingirem as minas do Peru que se mantiveram atentos aos avanços portugueses (HOLANDA, 1996,p.42).A ampliação do território peruano proporcionalmente à grandiosidade dos achados, ocupandopraticamente toda a área central da América em detrimento das terras brasileiras está mais evidente aindano mapa publicado por Gerard de Jode, em 1578, sob o sugestivo título de Americæ Peruvi. Neste mapa oBrasil parece uma península (Figura 05). [p. 11 do pdf]
Sérgio Buarque de Holanda em “Visão do Paraíso” cita o mapa de Arnoldus Florentinus van Langren,de fins do século XVI (Figura 06), como exemplo destas distorções gráficas, onde a terra “Peruviana” abarcapraticamente toda a América do Sul (HOLANDA, 1996, p.92-93).
Um olhar atual sobre as imagens disformes da América do Sul nestes mapas nos remete a umanamorfismo.A anamorfose, palavra de origem grega que se traduz por “reformulação”, “forma reconstituída” ou“formado de novo”, é utilizada na cartografia para representar um tema produzindo alterações propositaisnos tamanhos dos territórios, mas mantendo seus contornos. Assim, cada unidade de superfíciecartografada é reformulada, encolhe ou dilata proporcionalmente à variável que se quer visualizar. Ummapa anamórfico é um mapa temático no qual a métrica não é territorial, a variável é diretamentevisualizada na dimensão da forma.Na cartografia flamenga da segunda metade do século XVI a representação da América do Sul pareceanamórfica. É como se os territórios de Brasil e Peru tivessem sido submetidos a uma transformação. [p. 12]
espacial na qual o grandiente de distância euclidiano foi convertido em uma nova métrica: os tesouros atéentão descobertos.IV - CONSIDERAÇÕES FINAISOs mapas-mundi do Renascimento eram de tal forma diferentes das representações do mundo naIdade Média, seja pela apresentação de um mundo mais amplo seja pela utilização de projeções e malhas decoordenadas que transmitiam a impressão de localização exata, que se tornaram produto valorizado para anavegação e imprescindíveis para concretização de aspirações econômicas e políticas dos governos.No entanto, a matematização da representação espacial não impediu grandes distorções. As malhas decoordenadas não podiam fornecer posição geográfica real porque, em grande parte, elas não eramconhecidas. O Novo Mundo começou a ganhar forma a partir de relatos de viajantes e, por vezes,conteúdos de narrativas fantasiosas preencheram os vazios de seu interior.Da mesma forma, a falta de conhecimento geográfico permitiu que a América do Sul se tornasse aAmérica Peruviana. A dimensão do território peruano abarcando toda a parte central da América do Sul,como se fosse produto de uma anamorfose, evidencia a componente não espacial a ser visualizada, aimportância ou grandiosidade dos tesouros encontrados no Peru. Se um mapa tem como função primordialser um instrumento de comunicação, o papel foi cumprido. [p. 13]