de caráter cada vez mais popular, chegando às imagens conhecidas comopaulistinhas, algumas delas fortemente estilizadas. Ainda no Vale do Paraíba,com o surgimento e progresso do culto a Nossa Senhora Aparecida, no séculoXIX, houve também uma produção em série, de cunho comercial, promovidaem função da peregrinação, que se mescla com uma produção popular maisoriginal e que se mantém até hoje.As imagens eram produzidas nas oficinas mantidas pelas ordens religiosas emseus conventos, colégios e fazendas, sendo as últimas onde se instalavam osfornos das olarias; onde eram cozidas as imagens feitas com o mesmo barrocom que se produziam telhas e tijolos.Certamente existia uma produção laica, mais difícil de rastrear, pois não hádocumentação que registre diretamente essa prática; apenas podemosconstatar que havia em São Paulo outros fornos de cozer o barro, alémdaqueles pertencentes às ordens religiosas, e não podemos, de fato, excluiruma produção feita por não religiosos; as próprias crônicas religiosasmencionam essa produção e o culto doméstico pressupõe a existência dessasimagens. Fica difícil sustentar que toda a fatura se devia a religiosos, inclusiveporque a grande diversidade de maneiras de fazer e de características formais,e a manutenção de uma tradição popular fora do domínio da igreja parecemindicar o contrário.Na Ata da Câmara da Vila de São Paulo do Campo de 6 de março de 1575,está consignada a obrigação de Cristóvão Gonçalves de para fazer telhas paraesta vila, em função da qual lhe são transferidas as terras que haviam sidodadas a Cristóvão Diniz, para que este pudesse fornecer telhas para a vila.Mas Cristóvão Diniz tinha ido para o Mar, e as terras e a obrigação transferidaspara Cristóvão Gonçalves “em razão desta vila estar coberta de palha e correrrisco por razão do fogo se consertaram com o dito Cristóvão Gonçalves damaneira seguinte que ele fará toda a telha que for necessária para a vila secobrir e dará aos moradores em preço de quatro cruzados o milheiro pagos nodinheiro da terra que serão mantimentos e carne e cera e couros e gado bois evacas e porcos por quanto nesta vila não há outra fazenda e cada um lhe daráaquilo em que concertar ao tempo que lhe vender a dita telha e ele a fará embom tamanho e boa forma que fique de dous palmos e meio depois de cozida ede como assim se obrigou a tomar as ditas pagas nas cousas sobreditas e dara dita telha aos moradores a cada um por aquilo que tiver quer bois quer vacasquer porcos quer cera quer couros quer o que cada um tiver de seu e para issoque lhe haviam de dar os ditos senhores oficiais a terra ola 1 que foi dada aCristóvão Diniz para nela fazer o forno e a casa”.
Em 2 agosto de 1584, a Ata da Câmara assinala que aos “oficiais lhes parecia bem que fizessem uma casa do conselho” nova e coberta de telha. Um ano depois, a 3 de agosto de 1585, o treslado de uma “carta de dada de chãos” que a Câmara outorgou a Manoel Francisco, a 28 de junho do mesmo ano, menciona que a terra da qual lhe foi feita mercê está “cinquenta braças craveiras arriba da olaria onde tem Francisco Álvares.” [Página 2 do pdf]
A partir desse momento, os tetos de palha começam a desaparecer, diminuindo os riscos de incêndios, e as menções às telhas passam a ser constantes nas Atas da Câmara. A importância de fazer telhas é tão grande que a Câmara de Vila de São Paulo se importa com o degredo de um telheiro, conforme fica claro na Ata da Câmara de 28 de março de 1592, em que o Procurador da Câmara requereu aos oficiais (juízes e vereadores),
“que a ele lhe era vindo a sua notícia que nesta vila estava uma sentença do senhor ouvidor geral em que mandava degradar a Fernão d’ Álvares telheiro para fora desta capitania e que porquanto estávamos em guerra e a gente é necessária na guerra para a sua defensão e estava a Igreja Matriz para fazer e não havia quem fizesse telha senão ele e é bom soldado que deviam de pedir ao capitão que o escusasse por esta causa e respeito por serviço de Deus e de Sua Majestade e bem comum desta Vila e os ditos oficiais lhes pareceu bem e que vendo a sentença fariam disso petição ao dito capitão...”.
Isso demonstra a presença de oleiros, telheiros e fornos para cozer o barro dentro dos termos da Vila de São Paulo já no século XVI. Mas, ao tratarmos das ordens religiosas, vamos ter de sair um pouco de São Paulo e entendermos o Brasil como um todo, não apenas pelas peripécias dos paulistas que se derramaram pelo sertão, mas também pelo comércio e tráfego entre as diversas regiões da colônia, inclusive por parte das ordens religiosas, que faziam circular seus membros, assim como bens, mercadorias e objetos religiosos como imagens. [Página 3]