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Piratininga, por Adriano César Koboyama
8 de fevereiro de 202407/04/2024 06:14:24

Eis aqui a história verdadeira da fundação da cidade de S. Paulo, a qual não deve sua origem a Martim Afonso de Sousa, nem traz a sua criação do princípio assinado pelos autores estrangeiros, que falam na dita cidade. Para que se veja a pouca exceção, com que eles escrevem a respeito desta capitania, principalmente dos paulistas, eu vou copiar o que deles, e de toda a capitania dizem Vaissette, e Charlevoix; e ao mesmo tempo irei mostrando os seus erros, e convencendo de falsas quase todas as suas proposições. Deste modo conhecerão os leitores a futilidade, e o ridículo de tudo quanto se tem escrito, e se escrever arbitrariamente desta capitania.

Impropriamente diz o Autor, que a Vila de S. Paulo está situada sobre o cume de uma montanha: porque não há serra alguma próxima a esta vila, hoje cidade. Ela demora em lugar alguma cousa elevado, mas não tanto, que seja difícil a sua expugna- ção, depois de ter chegado o inimigo à borda do campo, 3 léguas distante da cidade.

Os que ficamos nesta capitania de S. Vicente e em Piratininiga sujeitos ao padre Joseph (236) por Superior, somos quatro Padres e um Irmão, Adão Gonçalves (237) se: Gonçalo de Oliveira, Affonso Braz, o irmão João de Souza (238) e os outros 4 padres Vicente Rodrigues, por Superior, Manoel de Chaves, Manoel Viegas

Somente o padre Balthazar em Piratininga

1 - e eu no campo em Piratininga, que está algumas 18 ou 20 léguas pelo sertão dentro, por mui áspero e trabalhoso caminho, que tem uma serra grande de passar, a qual é tão alta que faz outra região e campo differente de S. Vicente: é terra como essa do Reino, fria e temperada, dá-se nela vinho, azeite si houver muitas oliveiras, havendo já mostras disso; dá pão como lá, si o semearem, mas é tão bom o mantimento desta terra que não alembra o pão do Reino; ha muito gado vacum, que cada ano vem com fruito, por onde se multiplica muito sem trabalho algum por haver muito pasto nos campos, que são mais grandes que os de Santarém, que são de quem nos quer. Finalmente é esta terra das boas que ha no Reino, e se dará nela, segundo parece, quanto se lá dá: é uma grande mágoa ver tanta e tão boa terra perdida, não havendo quem na habite, nem cultive.

2 - Os que estão por aqui junto de nós, a quem nós visitamos, algumas cousas destas não fazem, e si o fazem é por detraz e ás escondidas, como nas feitiçarias e outras superstições, principalmente já não matam os seus contrários que tomam em guerras em casas; mas os que estão pelo sertão mais dentro, onde nós não imos o fazem e têm nisto posto sua felicidade, que tomam nisso nomes (240) *de cobras, e pássaros, e rãs, e baratas e outros peiores como titulo de muita honra e fidalguia, e os que entre elles não têm ainda nome desta maneira, si toma algum não deixará de o matar nas cordas no meio do terreiro, conforme a seus costumes, ainda que lhe dêem uma casa cheia de resgate, búzios e contas, (241) que é dinheiro que corre nesta terra. Mas por esses e outros peceados enormes que ha entre elles, ha também castigos de Deus Nosso Senhor.

"Nas condições físicas de solo e de temperatura, Portugal é antes África do que Europa. O chamado "clima português" de Martone, único na Europa, é um clima aproximado do africano. Estava assim o português predisposto pela sua mesma mesologia ao contato vitorioso com os trópicos: seu deslocamento para as regiões quentes da América não traria as graves perturbações da adaptação nem as profundas dificuldades de aclimatação experimentadas pelos colonizadores vindos de países de clima frio.""Casa Grande e Senzala" Gilberto Freyre

Ao redor deste Piratininga uma duas e três léguas ha seis aldêas dè índios da terra, afora outras casinhas que estão por diversas partes, dos quaes uns são christãos e outros não. O nosso exercício dos que estamos aqui é o mesmo que lá ha, guardando nossas constituições e regras e os avisos que nos deixou o padre Ignacio e o modo de viver da Campanhia, trabalhando cada um de se ajudar dos meios que ella nos dá pera alcançar seu principal fim, com que Deus Nosso Senhor seja mais glorifiçado em nossas almas e nas dos próximos, principalmente nas deste pobre e desemparado Gentio.

Dous dos Padres entendem em visitar e ensinar estas aldêas, indo cada semana a uma, uma vez ou mais vezes, e dormindo lá uma noite ou duas, como a necessidade pede. O tempo que láestão lhes ensinam a doutrina e as cousas da Fé, e se lhes dá noticia em praticas assim geral como particularmente e para isto se tange primeiro nossa campainha chamando-os á doutrina, que se lhes ensina ao pé da cruz.

Este Gentio, assim como é grosseiro de entendimento e bruto, assim não tem malicia, porque, com andarem todos nus assi homens como mulheres, naturalmente nem-um pejo têm, nem reina malicia nellas e são tão inocentes nesta parte, que parece que vivem no estado da innoceneia; e si alguns têm muitas mancebas, é por serem Principaes, com grande casa, e terem muitos filhos.

E está-lhe isto tão encaixado na cabeça que difficultosamente se lhes tira. Querem que lhes façamos todos os filhos e filhas christãos, e elles mesmos também; mas largarem as mancebas e largarem seus costumes gentilicos e aprenderem as cousas necessárias como são grandes, difficultosamente querem. Os ritos que ha entre elles são: terem mancebas, crerem muito seus feiticeiros, de tal maneira que ainda que lhes preguemos contra as mentiras dos seus pagezes quanto se pôde dizer, si um pagez lhe diz uma só palavra em contrario, aquella crêm mais e seguem que quanto nós dizemos, e si vão a alguma guerra com grandíssimos trabalhos, si lhe diz um pagez que se tornem ou hão de morrer, oü que dêm guerra ainda que todos morram nella, hão de crêl-o.

O modo que estes feiticeiros (239) têm de os curar é chuparem-nos, metendo em cabeça ao doente que lhe tirou de dentro do corpo uma grande mentira, que lhe mostram, scilicet: uma palha ou linha ou outra cousa que querem. E o doente cuida que fica são e lhes dá por esta cura quanto querem e pedem. Estão tão casados com os vinhos que bebem que logo estão um dia e uma noute continuadamente a beber, ou mais, até que já a natureza não pôde, que parece impossível poder-se-lhe tirar ou moderar, e quando bebem estes vinhos se empenam de penas vermelhas e amarelas, fadando e gabando-se de suas valentias, contando e fazendo nisto grande matinada.

É gente pobríssima, que assi como não trazem sobre o corpo nada, assim não têm nada; ha grandes fornes e elles tão mal apercebidos do necessário que não curam sinão do que tem e sente. Ha de quando em quando grandes mortandades entre elles, como aconteceu pouco tempo ha, que pedaços lhe cahiam de carne com grandes dores e um cheiro peçonhentissimo.

Dizem e affirmam isto por verdade, que ha nas mattas uns diabos a que elles chamam Curypyrans (242), que matam a muitos delles e ouvem as pancadas e não vêm quem lhes dá, e assi ficam logo muitos mortos e lhes apparecem, segundo elles dizem visões, que depois morrem disso. Um homem branco nosso amigo e digno de fé, que foi muito pelo sertão dentro a resgatar com elles cera, redes e peças, nos contou que andando pera matar um menino, tamaninho que o traziam no collo correndo toda aldêa com elle, pedindo-lhes muito que lho vendessem pera o tirar dessa extrema necessidade e não querendo, lhes pediu que lhe deixassem fazer christão, o que elles não recusaram. Mataram-no depois de feito christão, e aconteceu que a casa do Principal da aldêa, que era grande, ardeu toda, não se sabendo como, e ella só no meio das outras, e mesmo Principal cuidando nisto morre subitamente, porque são mui sujeitos á malenconia (243). Como adoecem são desemparados dos mesmos seus e morrem ao desemparo.

Acerca do fruito que fazemos na conversão deste desemparado Gentio creio que é grande diante de Deus Nosso Senhor-, tomando a.. . secca e nua de todas as partes, de maneira que delles não temos outra cousa sinão ter muita paciência em os soffrer e trazer o coração no céo andando pola terra, passando por suas casas e deitando mão delles nos trabalhos e perigos de vida em que se acham, nos quaes principalmente parece que os toca NossoSenhor, e de seus filhos bautisando-lh os e doutrinando-lhos,principalmente dos filhos daquelles que estão seguros de não tornarem ao certão a viverem conforme a seus costumes, e aos outros e a todos in extremis, que isto é o que ganhamos andandosobre elles.

E a doutrina e ensino que lhes damos servem de estarem melhor apparediados pera esta hora, dando-lhes noticia da Fé, dizendo-lhes mal de seus peceados, que elles hão de avorrecer sobretudo por amor de um Sancto e Summo Bem que ha de ser sobre tudo amado. E já pôde ser que isto lhes aproveite tanto que os alumie Nosso Senhor no tempo dos perigos, porque creio verdadeiramente que entre elles ha de haver alguns que Nosso Senhor tenha predestinados pera si, e outros porventura que cuidaram que não ha mais que fazer, não lhes cahira tão boa sorte como a estes, cujo signal se viu em muitas obras marav7lhosas que Deus tem feitas cá pólos nossos, das quaes não faço menção nesta.

Somente direi aqui o que me aconteceu, que ha quatro diasque cá estou, ao qual dou muitas graças a Deus Nosso Senhor,sendo indignissimo disso, e querendo-se elle servir de um tão vilinstrumento como eu sou cá nestas partes.

Indo com outro Padre em companhia a umas aldêas, no caminho nos deram novas em como estava uma índia já de diaspera morrer, já sem falia, que não era christã.

Chegando-nos,bradamos por ella; parece que tornou a viver e fallou-nos e pediu com muita instância que a bautisassemos: apparelhada o melhor que pudemos, bautisei-a; dahi a nada deu a alma a seu4 86 LXI. - , CARTA DE S. VICENTE (1567)Creador, por onde senti uma consolação tão grande em minhaalma que parece que a tinha Deus assim esperando por nós peraque por meio do bautismo lhe desse sua gloria. Fui a outro comoutro companheiro muito á pressa estando pera morrer; apparelhámol-o e casamol-o primeiro em lei da natureza, porque nãoera christã a com quem elle estava, e depois de bautisado, dahia pouco tempo morreu.

O mesmo digo de outros dous adultos que bautisei in extremis, que morreram. Destes tinha muito que escrever si faliara* dos nossos Padres, mas porque não são bautismos solemnes cá celebrados, sel-o-hão diante do Supremo Juiz e de todo o mundo, como eu espero, e ainda que cá se não achem as pedras preciosas em minas publicas e polas praças, acha-se todavia quem nas sabe buscar varrendo a casa ainda que seja entre o cisco e no monturo, a qual aehada por bem empregado hei de vender tudo, deixar a pátria, passar os mares; desta ha muitas nestas terras perdidas, esmaltadas com o sangue de Jesus Christo, assi pera nós como pera os que de lá vierem, si cavarmos bem e buscarmos onde as ha.

Nosso Senhor nos dê sua graça com que imitemos aquelle que tomou sua ovelha perdida ás costas e sobre seus hombros, tomando nós ás costas e sobre nossos hombros estas que por cá andam perdidas e na bocca do lobo, pera que as tragamos ao seu curral e se faça unum ovile et unus pastor, pera o qual eu peço para mim e para os meus Padres e Irmãos que cá andamos sua benção e sermos encommendados em seus santos sacrificios e orações.

Do Brasil, da capitania de S. Vicente de Pyratininga, aos5 de Dezembro de 1567.
Piratininga, por Adriano César Koboyama


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