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“Visão do Paraíso - Os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil”. Sérgio Buarque de Holanda
1969ver ano
  
  
  
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Ainda em 1436, o mapa de Andrèa Bianco, provavelmente conhecido de Colombo, mostra, ao lado do Paraíso, numa península projetada do oriente da Ásia, homens sem cabeça e com olhos e a boca no peito. A Índia verdadeira, Índia Maior, como lhe chamavam antigos geógrafos e que o Almirante presumia ter alcançado, tanto que escrevera, ainda em 1503, aos Reis Católicos que certa região por ele descoberta ficava a dez jornadas do Ganges, era, dada a notoriedade de seus tesouros e mistérios, um dos lugares favorecidos pela demanda do sítio do Éden. [Páginas 22 e 23]

Peças e PedrasÀ IMAGEM ou NÃO do Dourado propriamente dito - o dosOmágua e de Manoa - e também do Dourado de Meta, isto é odos Chibcha, foram repontando aqui e ali muitos outros reinos áureosou argênteos, não menos lisonjeiros para a desordenada cobiça dossoldados. Georg Friederici consegue assinalar, em sumária relação, oDourado de Paititi, nas regiões de Mojos e Chiquitos; o Dourado dosCésares, na Patagônia, até ao Estreito de Magalhães e, para o norte,na área do Chaco; o Dourado das Sete Cidades. no território do NôvoMéxico atuaJI, e o de Quivira, ao oriente das grandes planuras daAmérica do Norte2.

A êsses poderia juntar o Dourado do Vupabuçu e Paraupava, no Brasil, isto é aquela mesma lagoa dourada, segundo todos os indícios, que Gabriel Soares saíra a procurar e em cuja demanda se finou. Tributário, embora, do mito que se esgalhara de Nova Granada para a Guiana e o país dos Omágua, é significativo que êsse Dourado, impelido por alguns até ao Xaraies, na direção do Peru, não teve para nenhum dos cronistas portuguêses, ao que se saiba, aquelas côres deslumbrantes ou a auréola paradisíaca de que se envolvera a Manoa lendária.

Registado em alguns mapas e citado de passagem por Frei Vicente do Salvador com aquêle nome de Dourado ou Lagoa Dourada, a êle não se faz, entretanto, qualquer alusão nos escritos conhecidos do próprio Gabriel Soares. E em realidade, o simples atrativo do ouro, e ainda o da prata, segundo o exemplo de Potosi, bastaria, independentemente de qualquer elemento fantástico, para autorizar o longo prestígio alcançado por uma região imprecisa, onde depoimentos dos índios faziam presumir que comportava abundantes jazidas de metal precioso. Êsse elemento fantástico, se existiu no caso do Douradobrasileiro, nenhum texto quinhentista o certifica.

Êsse fato surpreende tanto mais quanto a mestiçagem e o assíduo contato dos portuguêses com o gentio da costa, longe de amortecer, era de molde talvez a reanimar alguns dos motivos edênicos trazidos da Europa e que tanto vicejaram em outras partes do Nôvo Mundo. Sabe-se, por exemplo, graças aos textos meticulosamente recolhidos eexaminados por Alfred Métraux, o papel considerável que para muitas daquelas tribos chegara a ter a sedução de uma terra misteriosa "onde não se morre".

Nem essa idéia, porém, que dera origem, por volta de 1540, a extensa migração tupinambá do litoral atlântico para o poente - causa, por sua vez, da malfadada aventura de Pedro de Orsúa na selva amazônica -, nem outras miragens paradisíacas dosmesmos índios, que se poderiam inocular nas chamadas "santidades" do gentio, parece ter colorido entre nossos colonos o fascínio, êste indiscutível, que exerceram s"ôbre êles as notícias da existência de minas preciosas.

Num primeiro momento, é certo, tiveram essas notícias qualquer coisa de deslumbrante. Delas tratara, em carta a D. João III, certo Filipe Guillén, castelhano de nação, o qual, tendo sido boticário em sua terra, fizera-se passar em Portugal por grande astrônomo e astrólogo, até que, revelado um dia seu embuste, o mandou prender el-rei.

Já à sua chegada ao Brasil, pelo ano de 1539, êsse mesmo homem,de quem Gil Vicente chegou a declarar, numas trovas maldizentes,que andou por céus e terras, olhou o solo e o abismo,de[ abismo vió el profundo,de[ profundo el paraisa,dei paraíso vió el mundo,dei mundo vió quanto quiso5,pretendera ter ouvido como de Pôrto Seguro entravam terra adentrouns homens e andavam lá cinco e seis meses. Empenhando-se eminquirir e saber das "estranhas coisas dêste Brasil", propusera-se sair,com o favor de Sua Alteza, a descobrir as minas que os índios diziamlá haver. [Páginas 34 e 35]

As tenças com que, apesar de tudo, o honrou D. João III, quando o fêz vir ao Brasil, não teriam ajudado a melhorar muito, na Côrte, o crédito de Guillén. De outro modo, como explicar a nenhuma atenção dada ali a essas auspiciosas notícias que se apressara a mandar por "todas as vias e navios que pera o reyno yan?" Amargurado com o pouco caso e por não vir recado nem mandado de Sua Alteza, êsse homem de tão boa prática e que tão docemente mentia, continuará, não obstante, aferrado aqui aos "falsos panos" e, não menos, naturalmente, ao extraordinário astrolábio de sua invenção, com que

sin ver astrolomia el toma el sol por el raboen qualquiera hora dei dia,certo de que o socorro dessa máquina lhe valerá muito quando puderir desvendar os segredos da terra.

Do paraíso, que deveria andar refolhado entre as montanhas do Brasil, só lhe chegarão uns confusos prenúncios no momento em que, já gasto da idade e dos achaques, não o poderá ver com os próprios olhos, nem medir com aquela "arte de Leste a Oeste", que pretendia ter achado. Querendo, porém, servir ao soberano, comunica-lhe em 1550 que, no mês de março dêsse mesmo ano, uns índios dos que vivem "junto de hu gram rio" tinham chegado ao Pôrto Seguro com a novidade de uma serra situada em seu país, que "resplandece muito" e que, por êsse seu resplendor era chamada "sol da terra".

Além de resplandecente era a serra de côr amarela e despejavaao rio pedras dessa mesma côr, que se conheciam pelo nome de "pedaços de ouro". Tamanha era sua quantidade que os índios, quandoiam à guerra, apanhavam dos ditos pedaços para fazer gamelas, emque davam aos porcos de comer, "que pera si não ousam fazer cousaalguma, porque dizem que aquelle metal endoença". E pela mesmarazão não ousavam passar-se à serra, que era muito para temer, devidoao resplendor.

Ao menos desta vez teve o astrônomo, em Tomé de Sousa, quem lhe desse ouvidos e o mandasse a descobrir as montanhas, que outros já pensavam em ir procurar por conta própria. Respondeu-lhe o castelhano que importava, para isso, ir homem de muito siso e cuidado, capaz de tomar a altura do Sol, fazer roteiro de ida e vinda, olhara disposição da terra e o que nela existisse.

Ele próprio, no entanto, já podia anunciar que sem dúvida havia ali esmeraldas e outras pedras finas, e como nada desejava mais do que gastar a vida em serviço de Deus e Sua Alteza, prontificava-se a ir em pessoa e estivera nessa disposição. Aqui, dizia a el-rei, enganou-o a vontade no que a idade o vinha desenganando, pois adoeceu dos olhos e não pôde levar a cabo sua tenção.

Passados vinte anos, a fama das montanhas reluzentes do sertão ainda perdura intata. É de crer, com efeito, que Gandavo, escrevendo por volta de 1570, se reporte no seu tratado da terra ao mesmo caso que narrara a el-rei o astrônomo castelhano, quando alude às novas levadas a Pôrto Seguro por certos índios, de umas pedras verdes encontradas numa serra "termosa e resplandecente", muitas léguas pela terra dentro. As quais pedras, segundo amostras apresentadas, seriam esmeraldas, ainda que de baixo preço8. E nada impede que já então tivesse surgido, além da fama, o nome do Sabarabuçu associado a essas montanhas, embora se ache pela primeira vez documentado a propósito de uma entrada de 1601, feita de São Paulo e não de Pôrto Seguro.

De qualquer modo a explicação fornecida por Teodoro Sampaio, de que o nome "serra resplandecente" a que se referira Gandavo, corresponde ao tupi Itaberaba e, no aumentativo, ltaberabaoçu, que sem dificuldade se corromperia em Taberaboçu e, finalmente, Sabarabuçu, tem sido geralmente acatada entre os historiadores e pode virem abono dessa hipótese9. Semelhante interpretação parece tanto maisaceitável, aliás, quanto uma das formas intermediárias possíveis, Tuberabuçu, ocorre nas Memórias Históricas de Monsenhor Pizarro, quea poderia ter derivado de fonte hoje perdida, ao lado da alternativaSabrá-boçu. Observando que essas montanhas foram o alvo principalde Fernão Dias Pais, em sua grande bandeira, escreve o cronista queela "se diz hoje Serra Negra ou das Esmeraldas"1º.É difícil contestar, além disso, a existência de uma continuidadeentre a versão quinhentista das montanhas que reluzem e a Sabaraboçumítica de Fernão Dias. A localização da mesma Sabaraboçu aproximadamente na latitude da capitania onde primeiro a procuraram, será expressamente admitida, aliás, quando se organizarem as buscas pelocaminho de São Paulo. E é bem sabido que a preferência dada aêste último caminho, quando se cogitou na entrada do governador dasesmeraldas, seguiu-se quase imediatamente ao malôgro da expediçãode Agostinho Barbalho Bezerra cuja tentativa deveria ser retomada erematada pelo primeiro. Ora, Barbalho, que também levava expressamente a missão de descobrir o Sabaraboçu, saíra do Espírito Santo,capitania vizinha à de Pôrto Seguro, afundando-se nos matos doRio Doce.Por outro lado, as descrições conhecidas das refulgentes montanhas, que surgem em várias épocas nas capitanias do Centro e doSul, oferecem entre si tais semelhanças que parecem tôdas dependentes,em última análise, daquelas notícias levadas a Pôrto Seguro, já em1550, pelos índios do sertão, segundo a narrativa de Guillén.

Assim como êste, querendo denunciar a abundância de metal amarelo, alude às gamelas que do mesmo metal fazia o gentio, para dar de comer aos porcos, o aventureiro inglês Anthony Knivet, que em 1597 se desgarra no sertão com doze portuguêses de uma bandeirasaída de Parati, referirá depois, entre as muitas maravilhas de sua jornada, que os índios daquelas partes se valiam do ouro para as suas pescarias, atando à extremidade da linha um granete dêle.

E se em seu relato o resplendor da enorme serra avistada no percurso não se mostra tão temível que dê para afugentar os índios, como acontecia com as ofuscantes montanhas da versão do espanhol, o fato é que ainda continua a apresentar dificuldades a quem procure acercar-se das encostas.

Êle próprio e seus camaradas portuguêses não tinham conseguido chegar-se a elas durante o dia e com o sol a pino. Além dessas montanhas deslumbradoras, vira Knivet pedras verdes, e tinham o verde da erva do campo. Estas ou algumas das gemasbrilhantes que também encontrou, brilhantes como cristal, vermelhas,verdes, azuis, brancas, de tanta formosura e galantaria que davamcontentamento aos olhos, deviam aparentar-se, por sua vez, às esmeraldas e outras pedras finas pressentidas por Filipe Guillén e noticiadaspor Gandavo.

Por essas mostras julgara-se Knivet a pouca distância de Potosi.

Tomando o rumo de sudoeste foi dar, porém, com os companheiros, a uma grande serra áspera e selvagem; depois, passada ela, a um lugar de terras pardacentas, todo cheio de colinas, penedias e ribeiros. Aqui acharam de nôvo muito ouro, que se apresentava em fragmentos do tamanho de avelãs ou desfeito em pó. Dêste pó havia grandíssima quantidade, que cobria como se fôra areia, as beiradas de muitos riachos.

A crença de que o Potosi não ficaria longe, sugere-a o inglês ainda em outra ocasião, ao descrever a entrada de Martim de Sá. Nessa jornada, os expedicionários, depois de transposta a Mantiqueira e alcançada certa "montanha de pedras verdes", chegaram a um rio de nome Jaguari (Jawary), o qual tinha suas cabeceiras no próprio [Visão do Paraíso, 1969. Sérgio Buarque de Holanda. Páginas 37 e 38]

Filipe Guillén, de sua parte, continuava a confiar no feliz sucessodas explorações auríferas ou argentíferas, e nesse sentido dirigiu-se ael-rei em carta de 12 de março de 1561, insistindo em que as fizesseprosseguir. Não deixava de lembrar, a êsse propósito, o muito quelucrara a Coroa de Castela com proteger a Colombo, que lhe deratamanha riqueza com tão pouca despesa. Parecia-lhe contudo da maiorimportância que fôssem as expedições suficientemente numerosas para poderem vencer o embaraço dos índios contrários27. Outro tantodissera em 1560 Vasco Rodrigues de Caldas, quando obteve de Memde Sá autorização para rematar a jornada do espanhol.No mesmo ano e no anterior tinham-se realizado as expedições deBrás Cubas e Luís Martins, saídas do litoral vicentino. De uma delashá boas razões para presumir que teria alcançado a àrea do São Francisco, onde recolheu amostras de minerais preciosos. Marcava-se,assim, um trajeto que seria freqüentemente utilizado, no século seguinte,pelas bandeiras paulistas. É de crer, no entanto, que o govêmo, interessado, porventura, em centralizar os trabalhos de pesquisa mineral,tanto quanto possível, junto à sua sede no Brasil, não estimulasse aspenetrações a partir de lugares que, dada a distância, escapavam maisfàcilmente à sua fiscalização. [p. 44 e 45]

lhe contudo da maior importância que fossem as expedições sufi- cientemente numerosas para poderem vencer o embaraço dos índios contrários 27 . Outro tanto dissera em 1560 Vasco Rodrigues de Caldas, quando obteve de Mem de Sá autorização para rematar a jornada do espanhol. No mesmo ano e no anterior tinham-se realizado as expe- dições de Brás Cubas e Luís Martins, saídas do litoral vicentino. De uma delas há boas razões para presumir que teria alcançado a área do São Francisco, onde recolheu amostras de minerais preciosos. Marcava-se, assim, um trajeto que seria íreqüente- mente utilizado, no século seguinte, pelas bandeiras paulistas. É de crer, no entanto, que o governo, interessado, porventura, em centralizar os trabalhos de pesquisa mineral, tanto quanto possí- vel, junto à sua sede no Brasil, não estimulasse as penetrações a partir de lugares que, dada a distância, escapavam mais facil- mente à sua fiscalização. Seja como for, as expedições realizadas a esse tempo e depois na capitania sulina independeram largamente das iniciati- vas oficiais e visaram menos â busca de ouro, prata e pedras coradas do que à captura do gentio para as lavouras naquela e em outras regiões. É provável que a mesma vontade de colocar a Bahia e suas vizinhanças ao centro das explorações de minas tivesse presidido a formação da leva sob o comando de Vasco Roiz de Caldas. Se o alvo dos expedicionários era retomar e rema- tar os trabalhos de Spinoza, tudo faz supor que pretendiam atingir o São Francisco. Em vez de saírem, contudo, de Porto Seguro, tomaram ao que parece o rumo ditado pelo curso do Paraguaçu, a menor distância da cidade de Salvador. Mal valeram a Caldas as precauções sugeridas por ele e Mem de Sá e provavelmente seguidas em sua jornada se, surpreen- dido, como parece, pelo gentio Tupinaém, a sessenta ou setenta léguas do ponto de partida, teve de desandar o caminho, largando no sertão fazenda e munições. Os escassos pormenores que se conhecem dessa entrada resultam porém das referências de uma carta do Padre Leonardo do Vale 2 *, e não se acha fora de toda dúvida que lhe correspondam as descrições do jesuíta. Em todo caso, na própria exigüidade de informações a respeito não estaria um indício de pouco ou nenhum fruto de seu trabalho? Ao malogro, por essa época, de uma tentativa de penetra- ção em lugar relativamente próximo da sede do governo, talvez das partes ao norte do recôncavo, e é o caso do Paraguaçu, pode prender-se o fato das expedições feitas durante os anos seguintes [p. 54]

espírito-santenses. Estas, longe de constituírem ciclo à parte, entrosam-se claramente na série iniciada em Porto Seguro e representam, a bem dizer, seu prolongamento natural, desde que as tiranias do Aimoré trancaram aquela passagem. Nem se pode afirmar com inteira segurança que só então se deslocaram mais para o sul os movimentos de penetração inaugurados aparente- mente com a bandeira de Spinoza, por isso que um deles, pelo menos o de Sebastião Fernandes Tourinho, já se tinha feito pelas águas do Rio Doce, na capitania do Espírito Santo.

É esse mesmo o caminho que, a partir de 1596, hão de seguir sucessivamente rumo às celebradas montanhas resplande- centes Diogo Martins Cão, o Matante Negro, e Marcos de Azeredo. Se o primeiro efetuou sua jornada com o estímulo mais decidido do Governador Dom Francisco de Sousa, que determinara expres- samente sua partida, foi o segundo quem, em mais de uma via- gem, acertou com a Serra das Esmeraldas, guardando, porém, o itinerário seguido, que transmitiu aos parentes, de sorte que se tornaria, depois, uma espécie de segredo de família. Das pedras que colheu, foram amostras ao Reino, onde as tiveram por boas os lapidadores, sempre com a ressalva de que eram de superfície e tostadas: se cavassem mais fundo as achariam, porém, claras e finíssimas 36 . Os sucessos de Marcos de Azeredo pareciam indicar que o antigo “vilão farto” de Vasco Fernandes Coutinho, menos premido do que Porto Seguro pelas ameaças dos índios contrários, se acharia em condições de converter-se num grande ninho de sertanistas, exploradores de minas preciosas. Nascera essa possi- bilidade, aliás, com a própria capitania, de onde o primeiro dona- tário, pouco depois de chegado a ela, se tornara ao Reino a “aviar- se pera ir pelo sertão a conquistar minas de ouro e prata de que tinha novas” 37 . Quando, passados os primeiros contratempos sucedidos já na administração de Vasco Fernandes, se fizeram mais quentes as novas de minas do sertão, deu-se, talvez por isso mesmo, um maior fluxo de povoadores para aquelas partes e um começo de prosperidade. De sorte que, pouco a pouco, pareciam elas restabe- lecer-se do desbarato a que se viram de início condenadas. O assalto de que foi alvo a capitania por parte de Thomas Gavendish, fiado na notícia que lhe deram de ser aquela uma região sem-par no Brasil para quem pretendesse obter vitualhas ou outras comodidades´ 3 * e, posteriormente, o ataque de Piet Heyn, tendem a confirmar essa recuperação. [p. 59]

finara na vila de São Paulo. Dos seus irmãos, se um, Pedro, continuará a tomar parte nas expedições paulistas, vindo a morrer por volta de 1654 numa delas, o outro, Manuel, regressa a sua terra, logo após a grande bandeira de 1628, em que se achou, à frente de uma leva de 47 índios do gentio da terra, entre fêmeas, machos velhos e crianças, provenientes em grande parte, se não em sua totalidade, das peças descidas por Antônio Raposo Tavares. Dessa leva destacou Manuel de Melo dois curumins, que levou depois à Bahia, onde os ofereceu ao capitão-general do Estado do Brasil, Diogo Luís de Oliveira, pela mesma época em que lá tinham ido os padres Simão Maceta e Justo Mansilla, da Companhia de Jesus, a queixar-se ao mesmo governador das atividades dos paulistas 4,3 . A simples aceitação do presente parece mostrar o pouco empenho de Diogo Luís em atender seriamente às reclamações dos padres. O fato desses espírito-santenses irem buscar aventuras em São Paulo não é indício, no entanto, de que já não encontra- vam na sua terra ambiente para elas ou colheita que fartasse o seu apetite? Além disso, as colheitas que os chamavam às terras paulistas assemelhavam-se nisto às do mameluco Antônio Adorno, que eram de peças, não de pedras. Ainda que estivesse fadado a reabilitar-se momentaneamente com Salvador Correia de Sá, o velho sonho afagado por Dom Francisco de Sousa dos tesouros do Paraupava e Sabarabuçu parecia quase desterrado da capitania que foi de Vasco Fernandes Coutinho. Nas terras vicentinas, por outro lado, mais do que em qualquer outro lugar do Brasil, era viva e bem arraigada a tradição da caça ao gentio, que oferecia vantagens menos incertas do que as das minas lendárias, e é explicável que para elas se encaminhassem facil- mente os que buscavam tais vantagens. Por outro lado, essa maior familiaridade dos paulistas, mormente dos mamelucos paulistas, com o sertão e o índio, deve ter sido uma das causas - e não era, com certeza, a única - de se ter transferido para a capitania sulina o núcleo principal das pesquisas minerais. Das entradas que lá se efetuavam, menos por obrigação imposta aos moradores do que por uma necessidade comezinha, pois delas esperavam remédio para a sua pobreza, teria nascido a idéia de que pouco faltava para se encontrarem, por aquela via, os cobiçados tesouros. E a idéia de ver canalizados esses empreendimentos individuais e espontâneos em beneficio da Coroa e da Fazenda Real, pela ampliação das pesquisas de minas preciosas, deve ter-se apresentado a Dom Francisco de Sousa antes mesmo de ir estabelecer-se naquelas terras.

Quando faltassem recursos de fora para o financiamento das grandes jornadas exploradoras, não estava à mão o próprio ouro do planalto? E se aqui, onde ele era minguado, havia quem o tirasse em quantidades compensadoras, que dizer dos lugares onde era sobejo? A possibilidade de se acharem pelo caminho de São Paulo as mesmas riquezas que tinham sido procuradas a partir de Porto Seguro, do Espírito Santo e da Bahia ficara demonstrada, aliás, desde que Brás Cubas, conforme já foi notado, trouxera ou fizera trazer do sertão mostras de ouro, além de recolher pedras verdes de suas mesmas propriedades, que corriam, como se sabe, até o limite ocidental da demarcação lusitana, ou seja, até as raias do Peru 44 . E em 1574, segundo um documento divulgado por Jaime Cortesão, certo Domingos Garru- cho (ou Garocho?), morador na capitania de São Vicente, e possivelmente em Santos, onde devera ter conhecido Brás Cubas, recebeu patente de “mestre de campo do descobrimento da lagoa do Ouro” 45 .

Seja como for, nomeado capitão-general de São Vicente, Espírito Santo e Rio de Janeiro, ou melhor, quando ainda governa- dor-geral do Brasil, preferira Dom Francisco eleger a primeira daquelas capitanias para centro das atividades de pesquisa. São Paulo estaria em condições de suceder, nesse sentido, ao Espírito Santo, assim como o Espírito Santo substituirá por algum tempo a capitania de Porto Seguro. E assim sendo, é lícito mesmo admitir, como já houve quem o admitisse 46 , que à ação disciplina- dora do Senhor de Beringel se deve largamente o tipo de organiza- ção tomado mais tarde pelas bandeiras paulistas. É mister não esquecer, porém, a parte certamente considerável em que as bandeiras independem dessa sua ação. Pode dizer-se mesmo que, em certo sentido, e durante longo tempo, tal expansão se alheia ao essencial das diretrizes que lhe teriam sido impressas pelo Senhor de Beringel. Por estas, procura-se dar às entradas empreendidas a partir de São Paulo, velho movimento condicionado sobretudo por situações e imperativos locais, um cunho, em realidade, que às expedições saídas a princípio de Porto Seguro e depois deslocadas para o Espírito Santo pudera dar a sedutora mitologia geográfica desen- volvida naquelas capitanias. Não é provavelmente por mero acaso se algumas das grandes bandeiras formadas em São Paulo em obediência a [p. 61, 62]

lhes aprouvesse. Em maio de 1610, enquanto seu filho se prepara- va para ir à Espanha levando a incumbência, entre outras, de fazer vir bacelos de vinha e sementes de trigo a fim de se introdu- zirem dessas granjearias, assentou-se em câmara que, na procura- ção dada a Dom Antonio em nome do povo para ir tratar de coisas relacionadas com o bem comum fosse excluída qualquer solicitação para a vinda daquelas plantas, de modo a que ninguém ficasse depois com a obrigação de as cultivar 4 *. Semelhante exemplo esclarece bem os receios que deve- ria causar entre a mesma gente o descobrimento ou conquista das minas, tão apetecidas de Dom Francisco. Tal há de ser sua constância nesses temores que, para fins do século, um governa- dor do Rio de Janeiro assinala o escasso interesse que demonstra- vam os paulistas por aquelas minas. Julgavam, e abertamente o diziam, observa ele, que, descobertos os tesouros, lhes haveriam de enviar governador e vice-rei, meter presídios na capitania para sua maior segurança, multiplicar ali os tributos, com o que ficariam expostos ao descrédito, perderiam o governo quase livre que tinham de sua república, seriam mandados onde antes man- davam, e nem lhes deixariam ir ao sertão, ou, se lá fossem, lhes tirariam as peças apresadas para as empregar no serviço das minas. Bem se infere de tudo isso, declara ainda Pais de Sande, que, “para se conservarem no estado presente e evitarem aquele dano futuro, hão de dispor todas as indústrias de se não descobrir a preciosidade daquelas minas” 49 . A esse propósito, o mesmo Pais de Sande que, com o governo do Rio de Janeiro, tinha ainda a administração das minas de São Paulo, refere como os homens que acompanharam à Serra do Sabarabuçu o mineiro mandado por Dom Francisco de Sousa, a fim de encontrarem a parte onde haveria a pedra de prata, não duvidaram, no caminho de volta, em dar cabo do dito mineiro, tendo ponderado a escravidão em que de certo cairiam quando se soubesse da preciosidade encontrada. Não satisfeitos com esse crime, teriam escondido de novo as muitas cargas de pedras tira- das da serra e, chegando a São Paulo, disseram que o mineiro morrera na viagem e se tinha enganado em todas as informações mandadas ao governador acerca das riquezas do Sabarabuçu. O resultado, acrescenta Sande, foi morrer o dito Dom Francisco de Sousa em breves dias e “se perpetuar na suspensão daquelas minas a tradição de as haver muito ricas, e ainda há poucos anos, algumas pessoas que existiam na vila de São Paulo davam notícia da prata que se fundiu das cargas de pedra que se descobriram, das quais tinha huma Fernão de Camargo e eram suíssos os filhos do mineiro que fez a fundição”. È essa, aliás, a única notícia conhecida acerca do assassínio do mineiro de Dom Francisco, e não parece improvável que seja do mesmo jaez da outra, a da prata do Sabarabuçu, a qual prata jamais se manifestou, por maior empenho que pusessem tantos em ir buscá-la. Outros testemunhos, porém, do pouco estímulo que exerciam sobre os paulistas da época os rumores de fabulosas minas do sertão, abonam de um modo geral o juízo que, a esse respeito formará deles o futuro governador do Rio de Janeiro. Se em vida do Senhor de Beringel tiveram, não obstante, algum alento as pesquisas de minerais preciosos, não só nas proximi- dades da vila de São Paulo, mas também em sítios apartados, como aqueles - porventura na própria região do São Francisco - de onde Brás Cubas e Luís Martins tinham tirado ouro já nos anos de 1560 e 61, por sua morte vieram elas a fenecer ou, por longo espaço, a afrouxar-se.

Num informe dirigido em 1636 a el-rei, diz-se mesmo que nos tempos passados ainda tiravam algum ouro os naturais da capitania; já agora, porém, não havia remédio que os encaminhasse ao querer ir às minas, e nas poucas vezes em que iam e alguma coisa tiravam, era quase escusado pretender o pagamento dos quintos a que se achavam obrigados. “Senor”, continua o relato, “todo ha cessado desde q tratan de ir cautivar índios, porque trayendoles de la forma que dije, con los que aqui llegan (...) los venden a vários o de esta tierra, o de la isla de San Sebastian, o para otras partes dei Brasil, y dei precio no pagan quintos como lo haviam de hazer dei oro, y tienen mas esclavos hombres desventurados en esta villa q vassalos algunos Senores de Espana”.

Se algum efeito possa ter tido sobre esses moradores de São Paulo, tão hostilizados pelo autor do relato a Sua Majestade, a portia de Dom Francisco de Sousa no prosseguir o sonho dos novos Potosi em terras da sua administração, tudo se desvanecerá desde que, em 1628, retomou vulto o apresamento dos Carijó. Nem a existência de minas de ouro verdadeiras, ainda que de pouco haver, nem as suspeitas ou esperanças de prata e esme- raldas pareciam prometer tão bom sucesso quanto o que alcança- vam as correrias dos predadores de índios. Passados mais alguns decênios, tão pouca era a lembrança das celebradas jazidas do Sabarabuçu que o Conselho Ultramarino tomava a seu cargo avivar a memória delas à Câmara de São Paulo. [p. 64, 65]

Efetivamente, aos oito dias do mês de agosto de 1672 foi apresentada ali aos camaristas uma carta do secretário do dito Conselho onde se encomendava àquele Senado, em nome de Sua Alteza, fossem dadas notícias sobre o haver nos sertões do distrito desta terra minas de prata c ouro de fundição e esmeral- das. Como a certeza dessa existência não fora manifesta além dos “ditos de alguas pessoas que ouviram a homens antigos ave- rem minas de prata em Sabarabuçu, o que se não tem averiguado nem averiguou athe o prezente”, e para que as pesquisas tivessem efeito, chamou-se ao Capitão Fernão Dias Pais a fim de declarar a ordem recebida do governo-geral sobre o descobrimento das ditas minas e informar se tinha por certa a sua existência ou se se tratava de “aventura de experiência”. A resposta de Fernão Dias não confirma nem nega a suspeita das minas. Diz apenas que vai aventurar “pellas infor- maçõens dos antigos” e reporta-se à carta que escrevera ao governador-geral com uma relação sobre as minas a ser remetida a Sua Alteza, enquanto ele próprio se ia aviando para a viagem 5 ´ . Ignora-se o exato teor da carta e da relação, a que também alude o governador em sua resposta 52 , mas é claro que ainda não podia ter ciência segura das ditas minas, ou sequer da exis- tência delas quem se ia “aventurar”, segundo informes natu- ralmente imprecisos. Maior segurança a esse respeito transparece das cartas do governador, Visconde de Barbacena, onde positivamente alude ao Sabarabuçu e à Serra das Esmeraldas, pretendendo situá-los à altura da capitania do Espírito Santo e próximos um de outra 52 , ou onde determina ao paulista que trate de averiguar, chegando ao primeiro daqueles lugares, “a prata e a qualidade dela (e o mesmo fará quando for às esmeraldas) com toda a cautela e silêncio possível”. Tão perto de se acharem estariam aquelas riquezas no juízo de Barbacena, que frisava particularmente este último ponto, insistindo mesmo em que, ao escrever do sertão para a capitania de São Vicente, desmentisse o “haver descoberto prata”, pois em entabulamento de tamanha importância toda dissimulação seria pouca. E tão informado se julgava da provável situação das minas que, entre as recomendações dadas a Fernão Dias, incluía a de, efetuado o descobrimento, descer até a Bahia de Todos os Santos, se possível pela via do Espírito Santo ou ainda de Porto Seguro, de preferência à de São Paulo, pois não só se achavam as referidas minas mais propínquas às referidas capitanias, como estas, por sua vez, ficavam mais chegadas à sede do governo. A velha tendência, seguida pelas primeiras administrações, segundo a qual as jornadas de descobrimento saíam, de preferência, da Bahia ou de suas vizinhanças, assumia aqui feição nova. As entradas poderiam ser organizadas em São Paulo, onde se recru- tariam mais facilmente os práticos do sertão, mas o minério encontrado se escoaria pela Bahia, onde a fiscalização das autori- dades centrais impediria melhor os descaminhos. Mais tarde sugerirá o visconde outro caminho de volta que excluirá também a passagem por São Paulo. Constara-lhe, com efeito, na Bahia, que ao pé do Serro do Sabarabuçu passava um rio, o qual se ia meter no de São Francisco. Assim sendo, a prata recolhida poderia muito bem ser transportada água abaixo até algum local mais próximo da cidade de Salvador 5 -´, de sorte que se tornaria relativamente suave a jornada e isenta de maiores riscos. Todas essas aparentes precisões e clarezas lançadas sobre coisa tão turva provinham de uma convicção originada até certo ponto em dados reais ou possíveis. Por outro lado não deixavam elas de comportar elementos fantásticos, que um lento processo de sedimentação lhe agregara no fio dos anos.

Mesmo em São Paulo, sem embargo do esquecimento em que pareceu jazer ao tempo de Fernão Dias Pais, a geografia fantástica, suscitada desde cedo nas capitanias do centro pelas vagas notícias de tesouros opulentos que andariam encobertos no fundo do sertão, tivera seus fiéis em outras épocas. Nas épocas, sobretudo, em que se achara a capitania sujeita ao governo de Dom Francisco de Sousa. Era natural, aliás, que a tentativa de mudança para aquelas partes do sul de iniciativas oficiais de descobrimento de minas preciosas também acarretasse o desloca- mento no mesmo sentido de todo o arsenal de imagens miríficas que forneciam um décor apropriado ao fabuloso das riquezas esperadas ou pressentidas.

Já se assinalou atrás a impressionante similitude entre as descrições da serra resplandecente, levadas a Porto Seguro pelo ano de 1550, e as que Anthony Knivet, tendo partido da região de Parati, registou na narrativa das suas aventuras. Tam- bém a idéia de que, pelo caminho de São Paulo ou de outras capitanias do centro-sul, se alcançaria uma vasta e misteriosa lagoa, o Paraupava, a mesma, provavelmente, que procurara Ga- briel Soares de Sousa, também se arraigará firmemente no planal- to piratiningano. A primeira referência conhecia ao Paraupava é ali, segundo parece, a do inventário feito dos bens de Martim Rodrigues Tenório, e data de 1612, o ano seguinte ao da morte de Dom Francisco. Entre as peças indígenas constantes do dito inventário está, com efeito, uma “negra” da terra, da nação Guaiá, que se dizia escrava da entrada de Domingos Roiz no Paraupava 55 .

Se essa jornada é idêntica à da leva que, sob o mando de Roiz ou Rodrigues, se separara da expedição de João Pereira de Sousa, o Botafogo, em 1597 (sabe-se que Domingos Rodrigues ou outro de igual nome participará também da bandeira de Belchior Dias Carneiro em 1607, mas nesse caso não irá como cabo da entrada e nem a esta se associaria seu nome), então sua presença no referido sertão se teria dado entre aquele ano de 97 e fins de 1600.

O mesmo Paraupava, ou Paraupaba, é expressamente nomeado pelo Padre Domingos de Araújo numas notícias obtidas por esse jesuíta do sertanista Pero Domingues sobre o trajeto de uma bandeira de que participara, saída de São Paulo pelo ano de 1613. Diz-se nesse documento de certo espanhol que, foragido do Peru, onde se vira condenado à morte, embarcou “naquela famosa lagoa chamada Paraupaba (donde nascem vários e fermosos rios)” e, navegando depois “ao som da corrente”, foi dar no mar largo 56 . O rio onde, ao sabor das águas, viajou o refe- rido espanhol, era, segundo a citada relação, o Grão-Pará, que, do nome do fugitivo, teria tomado depois o de Maranhão. Ainda que destituída de fundamento histórico, a anedota ilustra, no entanto, a noção, então corrente, de que o Amazonas tirava suas águas de uma esplêndida e descomunal lagoa existente no íntimo do continente. E não só o Amazonas, mas outros “vários e fermosos rios” que deságuam no Atlântico. É preciso ter-se em conta que essa lagoa mágica, situada quase invariavelmente às cabeceiras de um ou mais rios caudalosos, se deslocava ireqüen- temente segundo a caprichosa fantasia dos cronistas, cartógrafos, viajantes ou conquistadores. Por essa infixidez não se distinguia ela de outros mitos da conquista, como o das amazonas, por exemplo, ou ainda o do Dourado, ao qual se filiava, aliás, direta- mente. Podia achar-se, assim, nas nascentes do São Francisco, onde o fora buscar Gabriel Soares, ou do Paraguai, ou de um e outro ao mesmo tempo, e também do Amazonas, pois os impre- cisos conhecimentos geográficos da época não eram de molde a desautorar quaisquer dessas versões. À vista disso, é claro que perdem sua razão de ser as dúvidas a que tem dado lugar o problema da exata localização da lagoa de Paraupava. Esta se acharia tão bem no sertão dos goiases, onde andou aparentemente Domingos Rodrigues, quanto no Xaraies ou no próprio sítio de Paraopeba, que até hoje con- serva esse nome, em Minas Gerais. É de notar-se que este último lugar deveria corresponder melhor ao da Lagoa Dourada do São Francisco, tão procurada pelos aventureiros que buscavam as origens do grande rio. Tão persistente se mostrou a noção da existência desse lago central - berço de todas as principais correntes fluviais que fenecem na costa atlântica do Brasil e túmulo dos que, nascendo nas alturas dos Andes, se precipitam pelas vertentes orientais - que, ainda em 1648, encontrava ela guarida no sábio e austero tratado do naturalista Jorge Marcgrave de Liebstad. Entre os muitos braços que, à maneira de aranha monstruosa, lançava esse lago em todas as direções, deveria incluir-se forçosamente o Rio da Prata. Esse era um ponto pacifico, “já ninguém o põe em dúvida”, são as palavras mesmas de João de Laet no seu adita- | mento ao livro de Marcgrave. E outro tanto, na sua opinião, ocor- í reria com o Maranhão e o São Francisco. A propósito deste último, teve Laet a idéia benemérita de reproduzir no texto as observações de seu compatriota Gui- lherme Glimmer acerca de uma viagem que pudera empreender em 1601, quando morador na capitania de São Vicente, e que até hoje representa o único documento conhecido sobre o percurso da bandeira confiada ao mando de André de Leão. As origens dessa expedição prendem-se, de acordo com o testemu- nho de Glimmer, ao fato de ter recebido Dom Francisco de Sousa de certo brasileiro, pela mesma época, amostras de uma pedra de cor tirante ao azul, de mistura com grãos dourados. Submetida ao exame dos entendidos, um quintal dessa pedra chegara a dar nada menos do que trinta marcos de prata pura 57 . Não é impossível que a pedra tivesse sido enviada a Dom Francisco pelo próprio Domingos Rodrigues durante sua viagem ao Paraupava. Se assim se deu, como há quem o presuma, o célebre roteiro de Glimmer explica não apenas a mudança para São Paulo do governador como a origem da identificação, logo depois geralmente aceka, entre as esperadas minas de prata do sertão e a fabulosa serra resplandecente, agora, e também pela primeira vez em documento conhecido, designada pelo nome indígena de Sabarabuçu. Completa-se assim, na capitania sulina, a mitologia geográfica surgida desde os tempos iniciais da colonização em torno da cobiça dos tesouros ocultos do sertão. Aquelas riquezas, [p. 66, 67, 68, 69]

IV. O “outro Peru” A GEOGRAFIA fantástica do Brasil, como do restante da América, tem como fundamento, em grande parte, as narra- tivas que os conquistadores ouviram ou quiseram ouvir dos indígenas, e achou-se além disso contaminada, desde cedo, por determinados motivos que, sem grande exagero, se podem consi- derar arquetípicos. E foi constantemente por intermédio de tais motivos que se interpretaram e, muitas vezes, se “traduziram” os discursos dos naturais da terra. Nem sempre essa “tradução” podia fazer-se, é certo, em termos familiares ao adventício. A própria idéia da “serra resplan- decente”, por maiores atrativos que oferecesse, estaria um pouco nesses casos. Não que a geografia mais ou menos fabulosa da Antiguidade ou da Idade Média ignorasse qualquer notícia de montanhas de metal ou cristal reluzente. As minas preciosas da índia, guardadas e exploradas por uma casta de formigas minera- doras, grandes como cães ou raposas e extremamente agressi- vas, que impediam a aproximação de qualquer ente humano, não eram menos famosas entre os autores medievais do que o tinham sido nos tempos de Heródoto e de Estrabão. Com Vicente de Beauvais e Mandeville esses mesmos tesouros irão mesmo converter-se em montanhas de ouro, e localizam-se em Ta- probana. As formigas gigantes adquirem proeminentes presas na carta do Preste João e fazem-se antropófagas´ . Na Ymago Mundi de Pierre DAilly irão transformar-se, por sua vez, em grifos ou dragões 2 . Além dessas áureas serras da índia, menciona ainda o Alíaco certa montanha de esmeralda, que coloca na Líbia, não muito longe, por sinal, do curso do Nilo 2 . E o florentino Frei [p. 83]

alcançará grande realce quando os castelhanos passarem a explorar, com assombrosos lucros, as jazidas da Nova Espanha e as do Peru, o que se dá principalmente logo depois de 1545. Entre as gemas coradas, as esmeraldas, pretensas ou reais, recebem decidida preferência. E não só entre as gemas coradas: o próprio diamante há de contentar-se quase sempre com um honroso segundo lugar depois das ambicionadas pedras verdes, coisa em verdade admirável em terra onde os primeiros eram uma realidade e estas continuaram a ser uma teimosa ilusão.
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Embora só por volta de 1727 a 29 tenham começado a surgir notícias seguras de jazidas de diamante no Brasil, já os cronistas da segunda metade do século XVI tinham dado como possível sua existência. E em 1702, um documento de cunho autorizado, pois que se trata da “aprovação do Paço” dada a um livro de Frei Antônio do Rosário, aponta entre os tesouros do Brasil o diamante, que seria então mandado “não em bisalhos, mas em caixas, que todo ano vem a este Reyno”, de sorte que se tinham convertido estas terras na verdadeira índia e Mina de Portugal, pois “a índia já não he índia” 7 . Apesar do tom perem- ptório e de sua origem oficial, é de escasso valor esse testemunho isolado que ignoraram, sem dúvida com bons motivos, os historiadores das minas do Brasil.
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E contudo, se tal depoimento não é de molde a alterar o que já sabíamos acerca dos inícios, entre nós, da exploração dos diamantes - o que só ocorrerá pelo menos vinte e cinco anos mais tarde -, pode marcar aproximadamente a época em que essa nova fonte de riqueza deixa de ser para alguns uma simples esperança, mais ou menos remota. Até então admitira- se apenas sua possibilidade - mas que impossíveis podia permitir o dogma da grandeza e opulência do Brasil? - e não se fizera grande coisa, em suma, para que a possibilidade se convertesse em realidade. Mesmo em 1723, quando lhe foi exibida uma pedra facetada a reluzir por entre os cascalhos da lavra de Morrinhos, Bernardo da Fonseca Lobo, o mesmo que depois aparecerá como descobridor dessas jazidas, não dará grande atenção ao achado, sabendo, embora, quç aquilo era diamante 6 . É sensível o quase descaso que suscita essa riqueza, em confronto com o fascínio que a esmeralda parece despertar não só ao início da colonização, mas pelo menos até a segunda metade do século XVII, no animo dos portugueses e seus descendentes. O fato só em parte seria explicável pela abundância, na América lusitana, de pedras verdes e verdoengas, ou pela atração particular [p. 85]

interpretara Santo Agostinho sua presença em muitas das descri- ções clássicas do Paraíso Terreal, onde figura sobretudo nas águas e areias do Fison, um dos quatro rios do Éden, identificado pelos antigos intérpretes com o Ganges. Ao lado do carbúnculo ela é por isso mesmo, segundo observa Howard R. Patch, uma das gemas tipicamente paradisíacas", tal a freqüência com que apa- rece na generalidade das “visões” medievais. Lembra ainda o mesmo autor que a esmeralda ( lapis prasinus ) e o carbúnculo correspondem, numa antiga versão do Gênesis (2.12), ao que, no texto da Vulgata, se traduz respec- tivamente por bdelio e onix. Não serviria até certo ponto, este fato, para explicar a sua presença em muitas descrições do Paraíso? Entretanto, a predileção dada à esmeralda sobre outras pedras é, em verdade, muito anterior ao advento do Cristianismo. Escreve Isidoro que para os antigos ela vinha, na estima geral, logo em seguida à pérola e muito acima do diamante, pedra que julgava expressamente de pouca beleza, ainda que se notabili- zasse do fato de não ceder ante nenhuma outra matéria, nem ao ferro, nem ao fogo (rompia-se, porém, se posta a macerar em sangue ainda quente de cabrito novo), de estorvar a ação da pedra magnética sobre o primeiro, de dar a conhecer os venenos, dissipar os vãos temores, resistir a quaisquer malefícios. Quali- dades, estas, de grande preço na vida de todos os dias, mas que andariam longe de equiparar-se às santas virtudes da esmeralda, além de não serem as mesmas pedras tão aprazíveis à vista: “Não se encontra entre as pedras preciosas e nem entre as plan- tas”, diz o santo de Sevilha, “a vivacidade do verde da esmeralda, que ultrapassa a das folhas e frondes, além de impregnar dessa cor toda a atmosfera. Nenhuma gema oferece mais grato descanso aos olhos dos que se ocupam da lapidação”´ 2 . Um pouco do mesmo aprazimento ofereciam essas pe- dras para o homem do século XVI, segundo se deduz do expresso testemunho de Garcia da Horta, além do prestígio misterioso que lhe conferia aquela sua correspondência com o sobrenatural, tão propalada nos velhos lapidários. Gomo quer que seja, uma espécie de auréola difusa, promessa de outras e maiores maravi- lhas, estaria associada à sua presença, o que explica o afã com que, no Brasil, como nas possessões castelhanas do Pacífico, não se cansavam os moradores de sair a buscá-las. Lá, como aqui, eram constantes os rumores de magníficas jazidas de pedras verdes, ainda encobertas ao conquistador. Ao lado das minas abundantes do Novo Reino de Granada ou do Peru, perto de Manra e Puerto Viejo, havia, nesta última conquis- ta, para as partes do Oriente, uma terra chamada das esmeraldas, pela notícia de sua existência ali em grandes quantidades, embora ninguém as tivesse visto ÍJ . Era uma réplica exata da famosa serra das esmeraldas, tão falada na costa do Brasil e não menos oculta do que a outra, tanto que se pode perguntar se não existiria uma interdependência das duas versões. O mais natural seria admitir que se achariam desses tesouros no vasto sertão inexplorado e inculto que corria entre as duas conquistas, a portuguesa e a castelhana.

Tal foi, com efeito, o pensamento que presidiu já às pri- meiras expedições de cunho oficial organizadas nas capitanias do centro do Brasil. E o mesmo se dará com outras, que serão organizadas depois em São Paulo, sob os auspícios de Dom Fran- cisco de Sousa. De fato, a possibilidade de se alcançar mais facilmente pelo caminho de São Paulo, do que de lugar diferente do litoral atlântico, as terras próximas ao Peru, onde abundariam a prata e as esmeraldas, não terá sido um dos menores motivos da resolução tomada por aquele governador de fixar-se, finalmen- te, na capitania sulina, onde seus projetos pareciam mais viáveis.

Já se mostrou aqui mesmo, através das narrativas de Anthony Knivet, entre outros, inspiradas muito provavelmente numa opinião corrente entre portugueses e luso-brasileiros, co- mo se julgou, durante algum tempo, que não haveria grande espaço a caminhar daquelas partes para o Serro de Potosi. Outro testemunho, também inglês, no mesmo sentido, é o de Thomas Griggs, tesoureiro do navio Minion o/London, mandado ao Brasil no ano de 1580 por uma companhia londrina de aventureiros, que se tinham deixado seduzir ante as perspectivas com que acenara seu compatriota John Whithall, então morador em San- tos. Entre as informações que recolhera o mesmo Griggs no curso da viagem, figura a de que certa parte do Peru estaria situada “por água ou terra a doze dias apenas” daquela vila de Santos´ 4 .

As próprias autoridades portuguesas, se durante longos anos tinham cuidado principalmente dos sertões de Porto Seguro como acesso às riquezas que se exploravam no Peru, cuja latitu- de, já o dissera Duarte de Lemos, correspondia à da capitania de Pero do Campo, sabiam contudo por tradição, e tradição originada dos tempos das primeiras explorações litorâneas, como se poderiam alcançar com relativa facilidade as cordilheiras andinas. Não era por ali e, mais precisamente, para o sul de Cananéia, que se estendia a costa chamada “do ouro e da prata” pelos navegantes antigos, devido à grande quantidade desses metais que diziam haver pela terra adentro? E como interpretar de outro modo as noticias levadas em 1514 de tais lugares sobre um misterioso povo serrano, que tinha muito ouro e levava “ouro batido a modo de arnês na fronte e no peito”?´´ 5 .

Em outro navio que pela mesma ocasião lá estivera, ia uma acha de prata, semelhante às de pedra usadas por outros índios. Corria naquelas terras a lenda de certo Rei Branco exis- tente nas partes ocidentais e ainda a da Serra da Prata, de que tanto se cevaria, com o correr do tempo, a imaginação dos mari- nheiros castelhanos e lusitanos.

Passados menos de dois anos, em 1516, João Diaz de Solis, comandante de uma frota organizada em Castela para a procura de comunicação com o Pacífico, achado pouco antes por Nunez de Balboa, era traiçoeiramente sacrificado pelos índios em frente à Ilha de Martim Garcia. Diante desse trágico sucesso, decidiram regressar à Espanha as caravelas ou galeões de sua armada. Um destes, porém, veio a naufragar nas proximidades da Ilha de Santa Catarina, ou seja, no chamado Porto dos Patos, salvando-se, entre outros, quatro dos seus tripulantes, que se tornariam os grandes divulgadores das notícias do povo serrano, do Rei Branco e de suas riquezas inumeráveis. Eram eles Mel- chior Ramirez, Henrique de Montes, Aleixo Garcia e um mulato de nome Pacheco, estes três últimos portugueses, como o seria, talvez, o próprio Solis´ 6 , embora a serviço da Coroa de Castela. À mesma armada ou à de Garcia Jofré de Loaisa, que em princípio de 1526 deixou naquele porto cinco tripulantes da nau San Gabriel, comandada por R. Rodrigo de Acuna, poderia pertencer ainda Francisco de Chaves, que Martim Afonso de Sousa encontrará depois em Cananéia". Ramirez e Montes permanecem em Santa Catarina até que os recolha e leve de volta, no mesmo ano de 26, a armada de Caboto. A Aleixo Garcia, finalmente, com sua memorável marcha até os contrafortes andinos, em que se fizera acompanhar de Pacheco e alguns outros, caberia certificar a notícia das terras lendárias do sertão longínquo. Trucidado, embora, pelos índios, ao chegar, no seu regresso, à margem do Paraguai, Garcia ainda tivera tempo de mandar emissários a Santa Catarina com avisos e amostras do metal achado. Em carta de um dos componentes da expedição de Caboto, conta-se como, ao encontrar Ramirez e Montes, disseram-lhe estes que guardavam consigo, além de um pouco de prata, umas contas de ouro que tinham reservado para a Se- nhora de Guadalupe. Foi tudo o que puderam exibir, tendo trata- do antes de mandar coisas de duas arrobas de ouro para a Espa- nha, que todavia se perderam"’’.

A jornada de Aleixo Garcia, que morreu, provavelmente, em fins de 1525, segundo o sugere um exame acurado dos ele- mentos de que dispomos a seu respeito 19 , foi durante longo tempo objeto de dúvidas e controvérsias. A primeira fonte conhecida acerca da extraordinária façanha é La Argentina de Ruy Diaz de Guzmán 20 , escrita antes de 1612. Ainda em 1911, ao publicar no tomo IX dos Anales de la Biblioteca de Buenos Aires sua edição crítica da famosa crônica, admitia-o o historiador Paulo Groussac com reserva cautelosa. E não o poderia fazer de outra forma, em face do simples texto de Ruy Diaz, onde a descrição da entrada de Garcia surge envolta em exageros e patentes enganos.

Retificada essa descrição, porém, à luz de outros do- cumentos, como a carta de Luís Ramirez, publicada inicialmente por Varnhagen; o Memorial de Diogo Garcia, onde se diz do autor da entrada que era um dos seus, un hombre de los mios?\ que- rendo isso significar talvez que seria um dos seus parentes ou ainda um dos seus companheiros na armada de Solis; as declara- ções contidas na Probança do próprio Caboto por ocasião do processo que lhe moveu Catarina Vasquez 22 ; os Comentários de Alvar Nunez Cabeza de Vaca 22 ; diversas cartas do governador do Paraguai, Domingos Martinez de Irala 24 , tornam inevitável admitir-se a existência da expedição, que saiu de Santa Catarina, e não de São Vicente, como o dissera Guzmán, para alcançar aparentemente a atual área de Charcas. Embora se tivesse recusado a acompanhar os solícitos informantes ao local onde estivera a gente de Garcia, por achar- se fora de seu roteiro, as notícias de tamanha riqueza não soariam mal a alguém, como Caboto, que saíra com o fito de descobrir, além das Molucas, as ilhas e terras bíblicas de Tarchich e Ofir, assim como o Catai e o Cipango de Marco Polo, para carregar os seus navios de ouro, prata e pedras preciosas 25 . E possível, e houve quem o pretendesse, que ele “evidentemente” não tomara muito a sério esses objetivos 26 . Nada faz crer, contudo, que o veneziano fosse inteiramente infenso àquela geografia visionária que tanto seduzira Colombo, e que não repugnava excessiva- mente à mentalidade da época. Note-se a esse propósito que em legenda aposta à carta de Caboto, relativa à sua exploração do [p. 87, 88, 89, 90]

Prata, há referências a cinocéfalos como os de que falara Colombo, estando nas Antilhas, e ainda a certos homens que tinham as pernas, dos joelhos para baixo, semelhantes às dos avestruzes, notáveis pela sua muita diligência: “dicen que en las dichas sierras ay hombres que tienen el Rostro como de perro y otros de la rodilha abajo como de Abestruz, y que estos son grandes trabajadores y q cogen mucho mays de que hacen pan y vino dei [...]” 27 . Bem se pode imaginar o efeito que produziram entre castelhanos as novas dessas serranias opulentas, as mesmas, aparentemente, que a Nunez de Balboa, quando o caminho do Darien anunciara um filho do cacique Conogre, mancebo de “muita cordura e discrição”. O qual, segundo Las Casas, ouvindo que em Espanha havia muito ferro, de que faziam as espadas, apontou para a direção do sul e deu a compreender que naquelas partes, segundo imagem familiar aos espanhóis, mais ouro havia “do que ferro em Biscaia” 2lS . O empreendimento de Garcia, comprovando a existência daquelas riquezas, teria reflexos, aliás, no próprio desenvolvi- mento étnico de vasta região sul-americana, segundo o demons- traram Erland NordenskjõkP e Alfred Métraux 30 . O último, em seus estudos sobre a civilização dos índios Chiriguano, adianta mais que “esse episódio da conquista, associado de modo tão estreito a um fenômeno étnico, surge hoje como fato de capital importância, e fato cujos efeitos foram consideráveis sobre a evolução étnica das províncias do Prata” 2 *.

Confirmadas, bem ou mal, as notícias obtidas pela expedição lusitana de 1514 e documentadas na Nova Gazeta acerca das terras do ouro e prata, não tardariam muito em manifestar-se os ciúmes e divergências nacionais em torno de sua posse. Entre as Coroas de Portugal e Castela, que eram as diretamente interessadas, conduziu-se a polêmica sem acrimônia visível, como convinha a casas reais tão intimamente aparentadas, e no entanto com obstinada firmeza. A esperança dos maravilhosos tesouros, alvo de todas as ambições, dissimulava-se naturalmente sob raciocínios mais confessáveis, de sorte que não vinham à tona senão argumentos como o da demarcação ou o da prioridade.

Não menos do que os castelhanos, presumiam-se os portugueses favorecidos, neste caso, pela linha de Tordesilhas, chegando mesmo a reivindicar todo o litoral que se estende até o estuário platino ou mais ao sul. E quem provaria a sem-razão dessas pretensões? Quanto ao problema das prioridades eram capazes de apresentar argumentos ainda mais impressionantes. [p. 91]

Se os outros talavam no Rio de Solis, poderiam alegar que antes de Solis lá tinha estado a gente de Dom Nuno. E antes de Caboto remontara seu curso Cristóvão Jaques, capitão del-rei de Portugal. Neste particular parece decisivo o testemunho contido na carta já citada de Luís Ramirez, onde se lê que o referido capitão já ali estivera, tendo prometido a Francisco dei Puerto, um dos náufra- gos da expedição de Solis, que voltaria ao mesmo lugar 12 . Durante algum tempo, em realidade até a época das con- quistas de Pizarro, podia parecer que o litoral sul do Brasil e principalmente o rio que dela tirou seu nome seriam passagem obrigatória para quem quisesse ir à misteriosa serra de prata, alcançada por Aleixo Garcia e depois procurada a mando de Sebastião Caboto, pela gente de Francisco César, que por sua vez daria origem a um dos mais persistentes mitos da conquista: o da “cidade dos Césares”. Que a fama de tais tesouros logo tivesse ultrapassado, na Europa, as fronteiras ibéricas, é mais do que provável. Os “se- gredos” das novas terras descobertas não eram grandes segredos para muitos estrangeiros, armadores de navios, alguns deles, estabelecidos nos portos castelhanos ou lusitanos. Basta lembrar que a um alemão morador na Madeira e talvez agente comercial se deve o único documento até hoje conhecido acerca dos resultados da expedição de Dom Nuno Manuel, em 1514. Em 1526, o inglês Robert Thorne, também mercador e residente em Sevilha, contribuiu, ajudado de um sócio, com a quota de mil e quatrocentos cruzados para as despesas de certa armada de três naves e uma caravela, que devia dirigir-se às índias em abril daquele ano: foi graças a tal expediente que dois amigos e compa- triotas seus, entendidos em cosmografia, puderam embarcar nessa frota, levando a incumbência de fazer um minucioso relatório das terras percorridas 11 . Na comunicação que a respeito enviou Thorne ao embai- xador de Henrique VIII junto à corte do imperador, nada se acres- centa acerca da armada, mas os poucos dados que ele próprio fornece nos autorizam a identificá-la sem dificuldade com a de Sebastião Caboto, que constava precisamente de três naves, além de uma pequena caravela, e saíra de Sanlúcar para as índias, isto é, rumo ao Brasil e ao Prata, no dia 3 de abril de 1526. Man- dando essa comunicação, o intento do autor, declarado reservada- mente ao representante de Henrique VIII, era mostrar as vanta- gens que tirariam seus compatriotas do comércio das índias, seguindo o exemplo das monarquias ibéricas, e salientar seus direitos à participação naquele tráfico. Todavia as pretensões inglesas sobre territórios ultrama- rinos ainda se concentravam, quando muito, sobre as pers- pectivas que um outro Caboto, pai de Sebastião, lhes abrira na América setentrional. Os mais afoitos, e entre estes se encontrava Thorne, sonhariam com uma possível passagem que, pelo noroeste do continente americano, conduzisse com maior comodidade e presteza às ilhas das especiarias do que através do Estreito de Magalhães. Da França, porém, surgiam ameaças mais concretas ao odiado monopólio ibérico. Em fins de 1527, uma carta do embai- xador João da Silveira a Dom João III era portadora de notícias alarmantes nesse sentido. A substancia delas estava em que João Verrazano se preparava para ir com cinco naus a um grande rio da costa do Brasil, “o qual diz que achou um castelhano”. Aqui intervém o embaixador com uma ponta de escrúpulo patriótico: “O rio”, diz “creo que he o que achou Cristovão Jaques. Parece- me que farão aly pee e depois hyr por deante”. E comenta: “Não estão caa nada bem como se querer defender o Brasil; e re- preendendo não sem paixão, me dise o almirante que caravelas portuguesas quiserão laa meter no fundo hua naao francesa, a qual tomara tres ou quatro dos portugueses e que estavão... presas e em dereyto”*V A expedição que, segundo João da Silveira, deveria partir em fevereiro ou março, saiu de fato na primavera de 1528 e, em lugar das cinco naus prometidas, compunha-se de apenas dois galeões e uma nau. Pretende-se que tinha por objetivo procurar, através da América Central, alguma passagem para o Catai de Marco Polo, semelhante à que Fernão de Magalhães achara no extremo sul e outros buscavam no extremo norte, mas não é inverossímil a versão dada ao embaixador de que o Rio de Solis ou de Cristóvão Jaques, onde menores seriam os riscos do que entre as possessões castelhanas das Antilhas, entrariam nas cogitações iniciais dos armadores 15 . De qualquer modo, se existiu realmente, esse intento viu- se frustrado pelo fim´ trágico do navegador florentino, morto e devorado pelos canibais. Que a América Lusitana entrava nos planos de navegação dos Verrazani, sugere-o documentação ulti- mamente encontrada nos arquivos notariais de Ruão, onde apare- ce Jerônimo, o “cosmógrafo” irmão do navegador morto, fretando um navio para ir à “terra e ilha do Brasil” 16 .[p. 92, 93]

A finalidade estritamente comercial dessa empresa parece excluir, no entanto, de seu itinerário, os portos sulinos, onde não se dá o pau-de-tinta que Jerônimo Verrazano pretendia levar de volta. Se o súbito interesse geralmente suscitado por aquelas terras explicasse pelo atrativo que proporcionara o descobrimento, na parte austral do continente, de um novo caminho para as Molucas, é de crer que entre os portugueses especialmente, já afeitos à sua carreira das índias, se prendesse em maior grau à fama das grandes riquezas que de lá chegava ao Reino com os seus navegantes. Quase nada se conhece da viagem de Cristóvão Jaques a tais paragens, mas de uma carta do embaixador Juan de Çuííiga a Carlos V com a data de julho de 1524, consta como certo homem que vinha a descobrir terras na costa do Brasil e andava em demandas com Dom João III, para que lhe pagasse Sua Alteza o prometido pelo seu trabalho; falava em grandes tesouros minerais existentes nas terras que achou. Ao embaixador castelhano logo pareceu que aquilo seriam terras do imperador. E ainda mais se certiíicou da suspeita quando tal homem, atendendo a solicitações que lhe fizera, foi dissimuladamente e com muito medo à sua pousada, e declarou-lhe que encontrara em certo lugar das terras percor- ridas nove homens que foram da armada de João de Solis e, mais adiante, deparara com um maravilhoso rio de água doce, largo de quatorze léguas na embocadura. Entrando por ele soubera dos naturais como águas acima havia outros índios, inimigos desses, entre os quais existiam daquelas coisas que lhes mostrava o navegante, que eram ouro, prata e cobre. Seduzido pelas novas, subira ele o rio, até encontrar certos velhos, com os quais fez resgates, e deram-lhe, os velhos, peda- ços de prata e cobre e umas pedras com veias de ouro. Além disso, falaram-lhe numa serra distante trezentas léguas do lugar, riquíssima naquelas coisas. Disseram ainda que se afeiçoavam menos à prata do que ao cobre, havendo ali muito cobre, porque este luzia mais. Quanto ao ouro, seria necessário ir mais longe para encontrá-lo. Prontificava-se o homem a continuar seus descobrimen- tos na dita terra, por conta de Sua Majestade, contanto que lhe fosse de algum modo assegurado o que em Portugal poderia perder, e seriam cinqüenta mil maravedis por ano. Não excluía a possibilidade de pertencerem aquelas regiões à demarcação de Castela, e o que de certo modo reforçava tal possibilidade era o pouco fruto dos esforços do mesmo navegante junto à Coroa [p. 94]

posse das Molucas, e que não deixará, nos anos imediatos, de servir ao Imperador, tanto em Castela como nas terras do Prata, e nas do Estreito de Magalhães 39 . Fosse ou não Cristóvão Jaques o homem que se entendeu em 1524 com o embaixador Çuniga, o inegável é que as notícias a ele confiadas servem para atestar ainda uma vez como as nave- gações portuguesas rumo aos Patos e ao Prata, incentivadas talvez pelos resultados da expedição de Dom Nuno Manuel, antecedem de alguns anos à própria entrada de Aleixo Garcia. Que a Coroa portuguesa se preocupava, além disso, com as atividades dos vizinhos castelhanos na mesma área, mostram-no suas inquieta- ções ante os rumores da projetada viagem de Solis. E após o regresso de sua armada a Sevilha, ainda ignorante da morte do comandante, não deixará Dom Manuel de reclamar da Coroa de Castela contra uma incursão da dita armada em terra do Brasil, “la qual tierra dei Brasil diz que es dei Serenissimo Rey de Portugal, y que en ella no entram otras personas ningunas, sino las de sus reinos y que a ella envia sus armadas Assim se lê numa real cédula de Dona Joana e seu marido aos oficiais reais em Sevilha, com data de 22 de fevereiro de 1517, impressa por José Toribio Medina. E por ser isso “coisa nova, jamais usada desde que el-rei tem a terra”, pede ainda Dom Manuel seja castigado o dito João Diaz de Solis, bem como as mais pessoas que o acompanharam e, além disso, que se entregue todo o pau-brasil e outras coisas que houvessem carregado 40 . A reclamação aludia expressamente ao pau-brasil, desco- nhecido no Rio da Prata e nas regiões circunvizinhas e existente em terras que caíam, fora de qualquer dúvida, na demarcação portuguesa, como era o caso do Cabo de Santo Agostinho, onde, efetivamente, os tripulantes das duas caravelas remanescentes da frota de Solis tinham baixado à terra para cortar toros de pau-de- tinta, levando cerca de quinhentos quintais do mesmo. Há motivo para crer, no entanto, que o pedido de satisfação dissimulava algum zelo particular por outros pretensos descobri- mentos dos expedicionários. Tanto isso parece exato que, pouco antes, fora preso em Sevilha um português de nome Afonso Álvares, que tentara aliciar o piloto Juan Barbero, também chamado Juan Rodriguez de Mafra ou ainda Alonso Rodrigues, para Portugal, visto como queriam armar ali certas naus no intento de se dirigirem “à la tierra que descubrió Juan Diaz de Solis”. De início chegara o dito piloto a aceitar a proposta e mesmo a receber o adiantamento de vinte ducados. [p. 96]

De posse, porém, do sinal, Juan Barbero verificou que o negócio desservia ao seu rei e que, sem desonra, não podia cumprir o prometido como seu súdito e vassalo que era, de sorte que logo tratou de se esconder e não mais pensou em passar-se para Portugal.

Visto isso, cuidou Afonso Álvares de atrair, com dádivas e promessas, muitos outros marinheiros castelhanos da navega- ção das índias, e chegou mesmo a afirmar que não ousaria voltar a Portugal sem um piloto prático na referida navegação. Sabedo- res dessa tentativa, as autoridades fizeram chamar o português à Casa de Contratação em Sevilha, onde o puseram sob guarda com muitos bons tratos, segundo a qualidade de sua pessoa. Tüdo consta de instruções dadas a Alonso de La Puente, que foi mandado a Lisboa com credencial datada de Madri a 18 de dezembro de 1516, para tratar do assunto junto ao Sereníssimo Rei Dom Manuel 41 .

O fato de se ter interessado a Coroa portuguesa, já antes da notável proeza de Aleixo Garcia, pelas terras que alcançara a armada de Solis e talvez pelas riquezas que sua posse parecia pro- meter não serve para diminuir o papel que a obra desse português a serviço de Castela iria exercer nos primeiros passos da coloni- zação lusitana da costa sul do Brasil. É de notar como Henrique Montes, um dos náufragos da armada de Solis, por conseguinte antigo companheiro de Garcia, tendo ido à Espanha com Caboto, logo depois tornará a estas terras na expedição de Martim Afonso de Sousa, circunstância que não escapará ao conhecimento da Coroa de Castela 43 , como não lhe escaparia também a notícia das tentativas infrutíferas do governo de Dom João III para seduzir, com o mesmo fito, a Gonçalo da Costa, genro do famoso bacharel de Cananéia e antigo morador de São Vicente.

Montes deveria ir animado, sem dúvida, daquele entu- siasmo com que, dirigindo-se à gente de Sebastião Caboto, segundo depoimento de uma das testemunhas no processo que moveram em Sevilha ao veneziano, dissera que “nunca homens foram tão afortunados como os da dita armada”, pois “havia tanta prata e ouro no Rio de Solis, que todos seriam ricos, e tão rico seria o pajem como o marinheiro, e da alegria que tinha o dito Henrique Montes, quando aquilo dizia, mostrando as contas de ouro, chorava” 4,1 . Dos serviços que veio a prestar ou dele se espe- ravam, como guia e língua da expedição de Martim Afonso, dão prova o ter sido feito cavaleiro da casa real e agraciado com o oíício de provedor dos mantimentos da armada, “asy na viagem do mar como laa em terra em qualquer lugar honde asentarem”, segundo carta régia de 16 de novembro de 1530, que assinou em Lisboa Dona Catarina, por se achar então ausente el-rei 44 . Poste- riormente, seria ainda beneficiado, na capitania de São Vicente, com a posse das terras que, por sua morte, iriam constituir a dilatada sesmaria de Brás Cubas.

Francisco de Chaves, morador antigo de Cananéia e possi- velmente um dos que ficaram em terra da nau San Gabriel de Dom Rodrigo de Acuna, se não mesmo um dos náufragos da armada de Solis, e neste caso, antigo companheiro de Henrique Montes e Aleixo Garcia, aparece no Diário da Navegação de Pero Lopes, a propósito da jornada que mandou Martim Afonso de Cananéia terra adentro em busca do metal precioso. Para tanto seguira Pero Lobo a 1 de setembro de 1531 com quarenta besteiros e quarenta espingardeiros, guiados pelo mesmo Chaves, que “se obrigava que em dez meses tornara ao dito porto com quatrocentos escravos carregados de prata e ouro” 4 *\ Pode dizer- se que cronologicamente é essa a primeira grande entrada paulista de que existe documentação.

O que se sabe acerca de sua partida, de seus propósitos e da esperança que nela depositara Martim Afonso vem brevemente narrado no Diário de Pero Lopes. O resto da história pode deduzir-se de certa passagem das atas da Câmara da vila de São Paulo correspondentes a abril de 1585, onde se narram as numerosas tropelias a que de longa data se avezaram os índios Carijó contra os portugueses, “pella qual matança que asi fizerão e fazem cada dia está mandado tempo a pollo sor Martim Afonso de Sousa que som da gloria azo lhe fizesse guerra, quando se desta terra foi por lhe matarem oitenta homens que mandou pella terra a dentro a descobrir e pera dita guerra deixou a Ruy Pinto e a Pero de Goes fidalgos e se então não se fez por a gente desta capitania hire a guerra aos de yguabe e por la matare mta. gente se desfez a dita guerra e até agora não ouve oportunidade para se poder fazer como agora [...]

Verifica-se por aí como à entrada de 1531 se hão de articular, com intervalo de mais de meio século, as guerras de Jerônimo Leitão. Dela há pormenores nas crônicas de Herrera e de Oviedo, assim como nos Comentários de Álvaro Nunez Cabeza de Vaca. Destes é a passagem por onde se vê que entre os rios Iguaçu e Paraná “mataron los índios a los portugueses que Martim Afonso envio a descubir aquella tierra; aí tiempo que pasaban el rio en canoas, dieron los indios y los mataron” 47 . [p. 97, 98]

Pode-se dizer-se, pois, que graças a esses dados esparsos dispomos de um resumo amplo do que terá sido a mal-aventurada expedição que ordenou Martim Afonso. Antes dela, a jornada de Aleixo Garcia servira para indicar como da costa sul do Brasil, especialmente da parte que vai do litoral de Santa Catarina a Cananéia, seria possível chegar-se ao Peru por terra. Suspeita que encontrará bem cedo outros testemunhos que a corroboram. Entre eles o dos curiosos “Apontamentos” que certo Diogo Nunes ofereceu a Dom João III sobre a viagem que realizara às terras da América, tendo andado no Peru e participado, em 1538, da expedição de Mercadillo à província de Maxiíaro, perto das cabe- ceiras do Amazonas, e ao país dos Omágua. Nesse documento, redigido por volta de 1554, que Varn- hagen encontrou na Torre do Tombo e publicou pela primeira vez na Revista Trimestral , diz-se que, da referida província, se poderia ir até a costa do Brasil pelo Amazonas. E acrescenta-se que, embora houvesse muito mais que andar, seria possível “ir por São Vicente, atravessando pelas cabeceiras do Brasil, tudo por terra firme [ . . . ] ” 4<) . Varnhagen tentou identificar o signatário dos aponta- mentos com certo Diogo Nuhez de Quesada, que em 1544 andava por Lisboa de volta da América, onde juntara grosso cabedal* 10 . Gapistrano de Abreu, em nota à História Geral do Brasil , mostra, contudo, o infundado dessa tentativa. A seu ver, o Diogo Nunes dos “Apontamentos” seria o mameluco levado do Brasil por Tomé de Sousa, segundo carta do embaixador Luís Sarmiento de Mendoza, já mencionada nestas páginas 5 ´. Esse mameluco, filho de um português, também teria vindo do Peru ao Brasil trazendo notícias de muito ouro e prata. Gomo argumento único em favor de sua identidade com Diogo Nunes, observa Capistrano de Abreu que “é mais fácil existir no mesmo tempo, no mesmo lugar, com os mesmos planos, um só homem do que dois”. E ainda aventura outra hipótese: “Se Diogo Nunes descendia de pai português e mãe índia, é provável que fosse natural da capitania de São Vicente”* 12 . Algumas dessas razões dariam, talvez, que pensar, se outro papel, conservado no Arquivo de índias de Sevilha, não autorizasse uma aproximação mais verossímil. Trata-se da “relação” que Martin de Orue escreveu antes de setembro de 1554 sobre o que cm Portugal lhe fora dado ver a propósito dos desígnios que ali se alimentavam sobre terras que presumia da demarcação castelhana nas índias, c que endereçava ao Conselho de Sua Majestade o Imperador. Nela pode ler-se o seguinte trecho:

Del peru vyno por el ano pasado un pasajero natural português que se dize domyngo nunes natural de Moron ques Junto ala Raya de Castilla el qual trujo de veynte a treynta myll ducados este andado persuadiendo al Rey por uma conquysta por el Brasil para por ally entrar a las espaldas de cuzcol []"

O assunto fica aparentemente liquidado com essa infor- mação. O principal obstáculo à identidade entre o Nunes natural de Mourão, junto à raia de Castela e o dos “Apontamentos”, ou seja, a diferença nos prenomes torna-se de pouca monta quando se pense que “Domingo” e “Diogo” são palavras que se podem eventualmente confundir, e abreviadas, segundo uso generalizado na época, não oferecem diferença alguma. Aliás, a transcrição esmerada de nomes portugueses não parece uma das preocu- pações de Martin de Orue, que nesse mesmo papel alude a um torjão de ocampo”, filho do capitão de Porto Seguro, querendo referir-se evidentemente a Fcrnão do Campo, filho de Pero do Campo Tourinho e seu sucessor na donataria.

A “relação” citada, que em outros passos apresenta importantes subsídios no tocante ao estudo das primitivas comu- nicações por terra firme entre São Vicente e o Paraguai, é de grande valia para o conhecimento das coisas da América, espe- cialmente do Paraguai, onde andara por mais de uma vez durante anos consecutivos. Dele afirma Lafuente Machaín que foi dos “conquistadores de maior influência da incipiente colônia” 54 . Apesar da minúcia desse historiador no resenhar as atividades de tal personagem, não se encontra no seu trabalho sobre os conquistadores do Rio da Prata qualquer palavra acerca da missão secreta em Portugal, tão intimamente ligada a fatos daquela conquista. A respeito existem, no entanto, em Sevilha, duas cédulas reais perfeitamente claras. A primeira, datada de 21 de abril de 1554, discrimina o que deveria fazer Orue “con la mejor dilligencia que pudiere” durante a viagem a Lisboa. Outra, de 9 de agosto do mesmo ano, é uma carta de recomendação ao embaixador Luís Sarmiento de Mendoza. Esta deveria ser entregue ao destinatário caso o espião o julgasse necessário, sem prejuízo de sua incumbência.

O que pôde este apurar refere-se, por um lado, à armada de Luís de Melo, que depois se perdeu na costa do Brasil, assim como das pretensões dos portugueses sobre a região do Rio Piqueri e sobre a própria Assunção, estimuladas agora por amos- tras de metal precioso ido daquelas partes, e que as análises feitas indicavam ser muito boa prata. São Vicente tornara-se, já então, depois do porto dos Patos, do Viaçá e da Gananéia, um dos possí- veis pontos de penetração do continente pelo litoral atlântico. [p. 100, 101]

em grande parte arrefecido. Tanto que, compreendida em um dos quinhões que a Pero Lopes coubera na distribuição de capi- tanias hereditárias, o qual quinhão devia estender-se de Gana- néia até, aproximadamente, o porto dos Patos, não se preocupam em colonizá-la os portugueses. Quando muito continuam a im- pedir que nela se estabeleçam os seus rivais. Em vez do metal precioso que dali parecera reluzir aos antigos navegantes, o que iam a buscar na mesma costa eram os Carijó para a lavoura ou o serviço doméstico.

Assim, numa das relações que escreveu o piloto Juan San- chez de Biscaia, em 1550, diz-se da Ilha de Santa Catarina que se achava despovoada, “por causa que los portugueses y sus amigos ysieron muchos asaltos en los yndios naturales de la dicha isla i an destruydo todos los yndios da la costa dei mar, que eran amigos de los vasallos de Su Majestad”™. No ano anterior, a chegada a Sevilha de certo Brás Arias, português de São Vicente, dera causa a uma denúncia por onde os oficiais da Casa de Contratação pude- ram ter conhecimento dos processos usados em tais assaltos.

A denúncia partira do mesmo Martin de Orue que apare- cerá mais tarde em Lisboa a colher informações para o Conselho de Sua Majestade sobre as propostas de Diogo ou Domingos Nunes a el-rei Dom João III e sobre as pretensões territoriais lusitanas com respeito a terras da demarcação de Castela. Quatro ou cinco dias apenas depois da chegada de Arias, era este chamado a com- parecer perante o visitador de Sua Majestade na Casa, a fim de prestar depoimento acerca dos latrocínios e malícias atribuídos por Orue aos de São Vicente e outras partes do Brasil em prejuízo de vassalos e súditos do imperador.

Tomado seu juramento na devida forma de como diria a verdade do que sabia, confirmou Arias, acrescentando-lhes novos pormenores, as acusações do espião castelhano. Referiu como, cerca de um ano antes, dois navios, um de São Vicente, outro da capitania de Ilhéus, se tinham reunido em Cananéia, seguindo em conserva até a laguna do Viaça, junto à Ilha de Santa Catarina, onde estavam vários espanhóis, além de muitos índios e índias, que vinham sendo doutrinados por Frei Alonso Lebron, da Ordem de São Francisco. Achando-se a testemunha num dos navios, em que saíra a fazer os seus tratos, viu como Pasqual Fernandes, genovês, vizinho de São Vicente, e Martim Vaz, de Ilhéus, senhores e mestres dos navios, atraíram a bordo com enganos e fingida amizade aos espanhóis, entre estes Frei Alonso, além de parte dos catecúmenos que apresaram, e seriam cento e tantas peças, entre homens e mulheres. Feito isso partiram ambos os navios, com todos aqueles prisioneiros, seguindo um deles, o que era de Pascoal Fernandes, com destino a São Vicente, e neste iam o dito frade e os demais espanhóis, além de parte dos índios aprisionados, en- quanto o de Martim Vaz tomava o caminho de Ilhéus.

Vira mais a testemunha, e assim o disse, que chegado a São Vicente o navio de Pasqual Fernandes, o capitão daquele porto, que se chamava Brás Cubas, lhe tomou os espanhóis e índios cristãos, pondo aqueles em liberdade e entregando estes a Frei Alonso, que lhe mostrara os privilégios e faculdades recebidos da sua Ordem e de Sua Majestade. Em seguida, deixou o frade em poder de certos vizinhos e moradores portugueses de São Vicente os índios e índias convertidos, para que os guardassem provisoria- mente, enquanto ele próprio ia a Portugal e Castela a queixar-se do sucedido. E com efeito, partiu para esses reinos onde, todavia, não chegou, constando-lhe que fora aprisionado por algum corsário francês. Quanto aos índios ainda não convertidos, sabia ainda o depoente que Brás Cubas os deixou em poder de Pasqual Fernandes e dos companheiros deste que participavam do negócio com a condição de os devolverem se e quando fossem reclamados por quem de direito os pudesse haver 59 .

Para os moradores de São Vicente, faltos de escravaria de Guiné, o grande atrativo que podiam oferecer agora aquelas regiões, tão cobiçadas de início como portas de fabulosos tesouros, concentrava-se nos lucros proporcionados eventual- mente por um tão largo viveiro de índios submissos e prestativos. A inclinação para as jornadas de caça ao gentio desponta assim no ânimo dos habitantes da capitania, que aos poucos não quererão saber de outros cabedais senão do que representavam aquelas peças da terra. Tanto que um seu desafeto dirá deles, mais de um século depois, que são suas “melhores minas matar e capturar tapuyas” 60 .

É claro que a Coroa portuguesa não renuncia às suas tradicionais aspirações sobre a costa meridional até o Prata, e com efeito a reivindica tanto mais, quanto e esse um modo de recuperar no Novo Continente aquilo que desde a viagem de Magalhães começara a perder no Oriente para seus vizinhos. O exemplo do que sucedera com as Molucas era um incentivo à vigilância maior sobre os seus senhorios americanos. Esse empenho tinha quase necessariamente seu contra- passo no zelo com que os castelhanos, por sua vez, tratavam de acautelar-se contra os avanços c as ambições dos portugueses. [p. 103, 104]

Em 1550, ou pouco depois, o piloto Juan Sanchez, incumbido por Dom Filipe de informar-se sobre a costa do Brasil, sugeria que se pusesse remédio, e quanto antes melhor, sobre a ameaça que representavam as pretensões lusitanas, de maneira a que não continuassem a ser povoadas e impedidas por outros as terras de Sua Majestade nas vizinhanças de São Vicente. E o bom remédio contra esses desaforos estaria, a seu ver, no estabelecimento de uma povoação à altura de Cananéia, fixando-se as raias entre as possessões lusitanas e castelhanas pelo Ribeira de Iguape. Em primeiro lugar, porém, deveria ser povoado, mais ao sul, o porto de São Francisco, por ser este “la mejor entrada por ir á la tierra adentro á la conquista dei Rio de la Plata” 6í . Ainda em 1609, quando os dois reinos ibéricos já se acha- vam vinculados sob o mesmo cetro, não se cuidara seriamente, de parte de Castela, na realização desse projeto, que em vão o governador Hernandarias de Saavedra, de Buenos Aires, procura reanimar. Em mais de uma ocasião salientará este a necessidade de se formar um povoado na costa de Santa Catarina, por onde se comunicassem mais facilmente com a metrópole os habitantes da região mediterrânea em torno de Assunção. Entre outras coisas propunha a Sua Majestade fizesse despejar o vilarejo que os portugueses tinham começado a fazer em Cananéia, porque, acentua, “demás de que aquello esta en la corona de Castilha y en la de Portugal y ellos pretenden yrse entrando se euitara el yr lleuando tanta gente desta prouincia dei Biaça al Brasil delia resgatada y delia a fuerça de armas y los tienen y aun benden por esclauos y tienen este nombre entre ellos” 62 . Apesar dos títulos e conveniências invocados de parte a parte em favor da colonização daquela faixa de terra, nada impe- diu que por longo tempo ainda ela continuasse só habitada, quan- do muito, de tribos mais ou menos erradias, e mesmo estas cada vez mais diminuídas pelos maus-tratos e saques que praticavam os vicentistas. Ao interesse que as duas Coroas professavam pela sua posse, não correspondia em verdade qualquer medida que a efetivasse. O mágico prestígio que ainda pareciam guardar as tais terras durante a´ expedição de Martim Afonso de Sousa rapidamente se esvaecera nos anos imediatos, deixando, se tanto, uma vaga sombra do que fora. Que razões podem ter determinado a nova atitude? Não eram fábulas, certamente, as notícias de ouro e prata que, a contar de 1514, tinham levado sucessivamente daquelas paragens [p. 105]

as armadas de exploração. Nem era ilusória a crença de que poderiam ser alcançadas as ricas cordilheiras ocidentais, tão celebradas entre os naturais da região, por alguém que se dis- pusesse a ir procurá-las, como o fizera Aleixo Garcia, saindo do litoral atlântico. Persistia, no entanto, a possibilidade de serem afinal atin- gidas, com menores riscos e sacrifícios, por algum outro caminho insuspeitado, e foi o que efetivamente se deu. Justamente naquele mês de janeiro de 1531, em que a frota de Martim Afonso dirigia-se, entre outros, no sentido de se apoderar da famosa “costa do ouro e da prata”, arribava à costa do Brasil, com os seus quatrocentos homens de bordo, um pobre aventureiro espanhol, sem grande passado ou outro título que o recomendasse vivamente, deixava o Panamá à testa de um bando de cento e cinqüenta homens e vinte e sete cavalos, para empreender a mais extraordinária faça- nha da história da conquista do Novo Continente pelos europeus. Já se sabe como, desde as primeiras jornadas de Balboa, se tinham mostrado sensíveis alguns soldados castelhanos à atmos- fera de magia que, para os naturais do istmo e das áreas vizinhas, aureolava aquelas opulentas terras do sul. Depois de efetuar longas indagações que lhes deram o tempo necessário para receber certos reforços que pouco acrescentavam ao seu primeiro contingente, Francisco Pizarro decide-se enfim a acometê-las. Atingidas as costas e galgada a cordilheira, o arrojo quase heróico daquele punhado de homens e de seu general dá um resultado que parece ultrapassar as melhores expectativas. Em alguns dias apenas irá desmoronar-se diante deles aquele império tão ambicionado, o mesmo cuja fama já tinha chegado confusamente à costa oriental do continente e até a Europa através de lendas tais como a do Rei Branco ou a da Serra de Prata. Será preciso ainda algum tempo para se conhecer que esse caminho do poente, seguido por Pizarro e seus companhei- ros, vai convergir, ao cabo, na direção daquelas terras que outros aventureiros, seduzidos pelas narrativas dos índios, procuraram localizar através do litoral atlântico e dos rios formadores do Prata. É possível, como já o disse um historiador brasileiro, que a noção da identidade entre a Serra de Prata e as cordilheiras peruanas só se impusesse bem mais tarde, por volta de 1549, em resultado da entrada grande de Domingo Martinez de Irala. Tendo sido informado, em certo lugar, da existência, a pouca distância, de minas particularmente ricas, Irala pôde saber, logo depois, que tinha alcançado o território de Charcas, já então incluído na jurisdição do Peru: e era o mesmo território, sem dúvida, que antes da jornada de Pizarro fora penetrado por Aleixo Garcia e sua gente.

Antes do governador paraguaio, o próprio Martim Afonso devera sentir-se desalentado ante o nenhum fruto do esforço que empreendeu, quase simultaneamente com o de Francisco Pizarro, para a captura das celebradas terras do metal precioso. O desbarato da expedição de Pero Lobo e assim das esperanças que pudera infundir a promessa de Francisco de Chaves, de tornar a Cananéia com quatrocentos escravos carregados de prata e ouro, contrastava rudemente com os maravilhosos êxitos do conquistador do Peru.

É verdade, de qualquer modo, que a conquista do Império dos Incas viria a afetar de súbito a marcha da colonização do Prata e seus afluentes. “Desfeito o erro geográfico”, observa o historiador citado, aludindo ao malogro das tentativas de chegar- se à cordilheira ocidental através do Paraguai, “a vida platense se recolhe sobre si mesma. O Prata é esquecido pelo conquistador e desprezado pelos seus sequazes”, conservando apenas os antigos povoadores, acrescidos de uns poucos mais que vieram com o tempo. O mesmo, naturalmente, se verificará no Paraguai, onde a colonização se detém no território que forma hoje a repú- blica desse nome, reduzida parcela das regiões antes penetradas pelos castelhanos àquelas áreas centrais.

Ao mesmo tempo, como conseqüência, o caminho ter- restre do Paraguai ao litoral atlântico pelo alto Paraná e Iguaçu, o caminho de Gabeza de Vaca, perde todo seu valor. A colonização do Paraguai, desprovida de impulsos, dada a posição excêntrica em que fica, não comporta senão um caminho árduo e longo, que somente uma vida muito ativa lhe permite manter, e por isso a nascente ocupação da costa brasileira pelos castelhanos fenece.” Quando se procurar, mais tarde, uma estrada aprovei- tável entre o litoral atlântico e o Peru, todas essas áreas permane- cerão à margem: o traçado irá fazer-se através de Górdoba e Tucumã, com o que se evitam a dificultosa navegação dos afluentes ocidentais do Rio Paraguai e a travessia de zonas parti- cularmente inóspitas e agrestes, como o são as do Chaco, desa- bitado até os nossos dias a? .

Psicologicamente, a obra de Pizarro e os proveitos imen- suráveis que dela viriam a resultar para Castela tiveram um efeito sem dúvida estimulante sobre a atitude da Coroa lusitana com relação ao seu senhorio no novo continente. Há muito provável- [p. 106, 107]

extensão. Assim é que num mapa de fins do século XVI, o de Arnoldus Florentinus 66 , a fulva terra “Peruviana”, que assim era colorida, chega a abarcar quase toda a América do Sul. Apenas três pequeninas manchas, de matizes mais tímidos, parecem representar os vizinhos pobres: Chile, Castilla dei Oro, Brasília, esta última um pouco destacada do conjunto pelos dois grandes rios que manam da Lagoa dei Dorado para se confundirem nos desaguadouros do Amazonas e do Prata (“aò incolis Parana vocatur”). No Livro que Dá Razão do Estado do Brasil , de 1612, pode ler-se, e já à primeira linha, que o dito Estado, província de Santa Cruz, é tão-somente a “parte oriental do Peru, povoada na costa do mar Etiópico” 67 . Aliás, na carta de mestre Pedro de Medina, de 1545 - o ano do descobrimento das riquezas do Potosi -, já o Peru quase se confunde com toda a América do Sul 65 . E na de Alonso Peres - que a compôs em 1640 — , certamente português de nascimento, embora não o citem Sousa Viterbo nem Armando Cortesão, o Brasil mal apare- ce ao lado do seu vizinho do Pacífico 69 .

Essa exagerada inflação do território do Peru, se não em prejuízo das demais conquistas castelhanas, certamente do Brasil lusitano, é defendida, com fervor e ponderáveis razões, por eminentes cosmógrafos, como João Batista Gésio, matemático natural da Itália, mas a serviço de Sua Majestade Católica. Em carta de 1579, a propósito de um tratado ou descrição particu- larizada da costa do Brasil, que bem pode ser o de Gandavo, apresenta ele a América Portuguesa como “terra continuata con el Peru” pelo Rio da Prata, o Dourado e outros lugares intermédios. Contestando, além disso, o parecer mais generali- zado dos autores lusitanos, que em suas cartas de marear faziam passar a linha de demarcação pelo Rio da Prata e a boca do Orellana, pretende que, dessa maneira, foram retiradas muitíssi- mas terras à demarcação de Castela e adjudicadas a Portugal. Sustenta mais, interpretando juízos autorizados, inclusive de portugueses, como o historiador João de Barros que, neste caso, seja dito de passagem, por pouco não se veria privado de sua própria donataria, o verdadeiro meridiano da demarcação passava pela Bahia de Todos os Santos ou pelo Cabo Frio, ficando todo o resto do continente para Castela e quase se pode dizer que para o absorvente vice-reinado do Peru 70.

Fosse qual fosse o verdadeiro quinhão de Portugal no Novo Mundo, um fato se impunha aqui, fora de toda dúvida, e era a perfeita continuidade, de todos reconhecida, entre o Brasil lusitano e as partes de melhor proveito nas índias de Castela, que com ele confinavam pelo poente. Esta última consideração não era de pouca monta, sempre que se tratasse de decidir sobre a primazia em matéria de riquezas de toda sorte, e não apenas minerais, pois que uma opinião acreditada na época só poderia contribuir neste caso para dar-se a palma ao Brasil. Propínquo ao opulento Peru e sob as mesmas latitudes, porém a leste, nele seriam encontrados, por força, os mesmos produtos que se davam naquela província castelhana, e do mesmo e melhor toque. Com efeito, nem os progressos da ciência, nem a expe- riência dos navegantes, tinham logrado desterrar para o domínio das abusões e velharias o dogma de que o Oriente, participando melhor da natureza do Sol, é mais nobre do que o Ocidente. Até mesmo um humanista do porte de João Pico Delia Mirandola, que em tão pobre conta tivera as teorias da astrologia divinatória ou da magia, não duvidara em aboná-lo com toda a autoridade de seu saber. Julgando arrimar-se não em aéreos conceitos ou místicas alucinações, mas em raciocínios sólidos, observara ele que, com o Sol a mover-se de leste para oeste e entre o Câncer e o Capricórnio, “as gemas, os aromas, tudo quanto requer o calor celeste”, hão de produzir-se de preferência nas partes do Levante e nas do Meio-Dia 7i . Foi essa mesma, porventura, a idéia que, logo de início, precisou a direção mais freqíientemente adotada, entre nós, pelas pesquisas de minerais preciosos. Ante os rumores da existência de grandes jazidas, que entre 1549 e 1552 surgiram dos mais diversos pontos, e sabendo-se como esta terra do Brasil e a do Peru são uma só, nas próprias palavras de Tomé de Sousa 72 , ocorreu ir buscá-las primeiramente nas latitudes correspondentes às daquela conquista castelhana, onde ouro e prata já represen- tavam bem mais do que uma ditosa promessa. Tudo parecia apontar, assim, para os sertões da capitania de Porto Seguro, onde, dava-o já como coisa certa Duarte de Lemos, estava a maior parte das riquezas chamadas do Peru. E este, por sua vez, o Peru, ficava justamente na “altura de desasete graus, que he aonde esta capitania está”. Passado meio século e mais, os mofinos resultados de uma série de explorações no rumo indicado não parecerão contudo de molde a animar ali novas buscas. Havia, assim, motivos sobejos para o ceticismo daqueles que, à maneira do Alviano dos Diálogos das Grandezas do Brasil , cuidavam que o “ouro, prata e pedras preciosas são somente para os castelhanos e que para eles os reservou Deus”. Porque, acrescentava um interlocutor dos mesmos diálogos, “habitando nós, os portugue- ses, a mesma terra que eles habitam, com ficarmos mais orientais (para onde, conforme a razão, devia de haver mais minas), não podemos descobrir nenhuma, em tanto tempo há que nosso Brasil é povoado, descobrindo eles cada dia muitas” 7,1 . Na própria réplica de Brandônio a essas razões do amigo, novo na terra e ignorante das suas grandezas verdadeiras, não se deixa notar um denodado admirador dos seus tesouros enco- bertos. Se o outro, duvidoso deles, dá como efeito de sua inexis- tência, e de serem ruins conquistadores os portugueses, o conten- tarem-se, nesta América, com os seus açúcares, em contraste com os castelhanos, a ele, Brandônio, parece-lhe que não fez Deus pouca mercê ao Brasil com aquele desengano das minas nunca achadas, pois mostrou aos moradores o muito que podiam tirar da lavra das canas, dispensando-os de se alargarem para o sertão. Dessa mesma ocupação de fazer açúcares, que Alviano tinha por tão pequena, ele, ao contrário, a reputava por gran- díssima, e muito maior, em realidade, do que a de cavoucar a terra atrás de pedras. Não estava sozinho o eloqüente advogado das grandezas do Brasil com o favorecer antes a lavoura do que as minas. É bem sabido o que a Sua Majestade mandara dizer, poucos anos antes, em 1609, ao Governador-Geral Dom Diogo de Meneses, agravado com a divisão que se fizera no Estado do Brasil, por onde Dom Francisco de Sousa veio por governador das capita- nias do sul e superintendente das minas descobertas ou por descobrir. “Creia-me Vossa Majestade”, são suas palavras, “que as verdadeiras minas do Brasil são açúcar e pau-brasil, de que V. Mag du tem tanto proveito sem lhe custar de sua fazenda hum só vintém”. Se na separação daquelas capitanias via Dom Diogo um agravo à própria honra, na conquista e administração das minas, igualmente confiadas a Dom Francisco, denunciava, além disso, o princípio de grandes desconcertos e prejuízos para a Coroa. E não porque acreditasse na realidade dos tesouros tão gabados, mas porque já imaginava o rival a querer fazer minas a cada canto das ruas de Pernambuco e da Bahia, quanto mais no sertão, intrometendo-se com esses pretextos em negócios de seu governo “e as minas tornar-se-hão com o vento e este he o seu intento” 74 . Essas suspeitas do governador-geral do Brasil quanto às reais intenções de Dom Francisco bem podiam ir por conta de uma suscetibilidade fortemente picada pelo desfavor de que se julgara vítima. Contudo, não quadra mal com o que sabemos do Senhor de Beringel aquele retrato de um visionário e até megaló- mano que parecem traçar os prognósticos de sua atividade como superintendente das minas. [p. 109, 110, 111]



O fato é que, motivadas ou não pela capitis diminutio de que se ressente Dom Diogo, suas objeções à divisão das capitanias e, ainda mais, à superintendência isenta das minas procuram amparar-se no prudente realismo de quem, a promes- sas fulgurantes, mas aéreas, prefere um cabedal seguro, o mesmo de que a terra se tinha sempre sustentado com largueza e honra. Ao menos agora, porque nem sempre fora tão descrente e desdenhoso das riquezas minerais, fazia-se o governador, contra as novas invenções, um paladino de nossa economia tradicional, amparada na lavoura da cana e na colheita do pau-de-tinta.

Era inevitável um conflito entre essa mentalidade tradicionalista e a de quem, como Dom Francisco de Sousa, se teria habituado, durante sua longa residência na corte dos Filipes, a encarar a atividade colonial não segundo o que até então se fizera no Brasil, mas de acordo com a deslumbrante imagem que lhe propunham a Nova Espanha, o Novo Reino de Granada ou o Peru. Nos apontamentos que em 1607 ofereceu a Sua Majestade, e de que resultaria sua nomeação para capitão-general e governador das capitanias do Espírito Santo, São Vicente e Rio de Janeiro, além de superintendente das minas, a descrição das riquezas sertanejas do Brasil é feita em termos capazes de alvoroçar as imaginações mais timoratas. Nada menos do que trezentas léguas de terra, coalhada de ouro, só em parte já descoberto, e ainda de prata, terra, esmeralda, pérolas (!), cobre, ferro, salitre, assim como outras preciosidades, se achariam ali à espera de benefício, e ele estava pronto a prestar esse serviço à Coroa. Filipe III não hesitou, e nem mandou que se fizessem averiguações. Ouvidos rapidamente o vice-rei e o Conselho das índias de Portugal, cuidou logo de aprovar as propostas e pretensões do vassalo.

Tratando-se de minas tão caudalosas, segundo o quadro que delas pintara Dom Francisco, apressou-se Sua Majestade em promover de antemão todas as medidas necessárias ao seu melhor aproveitamento. Assim é que, para as de ouro, se mandariam mineiros do Chile; para as de prata, iriam práticos de Potosi, para as pérolas, da Margarita; das índias Ocidentais para o diamante, assim como oficiais de Biscaia para o ferro. Além disso, na Alemanha seriam encomendados mineiros para o ouro de beta e mais para o salitre ou o enxofre. E não seria esquecida a remessa de ensaiadores e refinadores, de onde os houvesse, para todos os metais 75 .

Nunca, ao menos até a união das duas Coroas ibéricas, se mostrara uma administração tão solícita e providente no que tocasse ao aproveitamento das tão esperadas minas do Brasil. E depois que Portugal e Castela passaram a ser regidos pelo mesmo soberano, quando muito Gabriel Soares de Sousa, que viera também sob Filipe II, com jurisdição isenta do governador-geral e ainda com a faculdade de dar doze hábitos de Cristo aos primeiros povoadores e descobridores qualificados e foros de cava- leiro-fídalgo a trinta pessoas, além de outros podêres e honrarias, pudera alcançar, à custa de muitos trabalhos e contratempos, alguns dos mesmos privilégios que obtinha, agora D.Francisco sem maiores dificuldades76, graças às suas manhas proverbiais, ao prestígio de que desfrutava no Paço e sobretudo à fôrça contagiosa de suas magníficas esperanças e promessas.

Neste ponto conviria, mais uma vez, fixar a questão da preferência dada agora às capitanias do sul como centro das explorações oficiais das minas, que até então, e mesmo no caso de Gabriel Soares, cuja influência parece primordial na elaboração dos projetos do Senhor de Berinjel, se dirigiam, em geral, para as do centro: Pôrto Seguro, sobretudo, e Bahia.

Antes de tudo o argumento dado em 1550 por Duarte de Lemos para se fazerem as entradas através da primeira dessas capitanias, ao recordar que estava na altura das minas do Peru, também era válido, e com melhores motivos, para aquelas regiões mais ao sul. Por um lado já se sabia como o Rio Doce, que atravessa o Espírito Santo, se acha na latitude do Sêrro de Potosi.

Por outro, São Paulo, onde eram costume endêmico as correrias no sertão (e de onde, aliás, iam cada dia novas de rescobrimento de ouro), parecia o caminho adequado para a provável região das minas e mesmo para as raias do Peru, dado que a silhueta do continente se adelgaça na direção daquelas partes. Seriam necessárias outras razões, após o malôgro das buscas feitas inicialmente, para favorecer, desta vez, a área que se estendia para o sul de Pôrto Seguro, até abranger a antiga donataria de Martim Afonso?

Entre os motivos que tinham aconselhado a escolha de terras mais próximas do Centro e sede do govêrno-geral para as entradas de descobrimento, uma das principais fôra, sem dúvida, a da maior comodidade que nelas se oferecia para a observação das [p. 112, 113]

ditas minas e assimtambém para a cobrança e arrecadação dos quintos pertencentes àReal Fazenda. Essa mesma causa iria desaparecer, porém, coma simples providência da separação das capitanias do Sul, que deviamsujeitar-se agora a um govêrno próprio.Com todo o desvairado otimismo de seus planos grandiosos, nãoé impossível que, no íntimo, D. Francisco se deixasse impressionar poraquela idéia, partilhada com outros portuguêses da época, de que, emmatéria de ouro e prata, Deus se mostrara mais liberal aos castelhanos, dando-lhes a fabulosa riqueza de suas minas. Assim se explicaa miragem do Potosi, o sonho, que já tinha sido o de Tomé de Sousa,de fazer do Brasil um "outro Peru" e que está presente em todos osatos de sua administração.

Essa idéia obsessiva há de levá-lo, em dado momento, ao ponto dequerer até introduzir lhamas andinas em São Paulo. Com êsse fito chegaria a obter prov1sao real, lavrada em 1609, determinando que se metessem aqui duzentas lhamas ou, em sua linguagem, "duzentos carneiros de carga, daqueles que costumam trazer e carregar a pratade Potosi, para acarrear o ouro e a prata" das minas encontradas nas terras de sua jurisdição. E recomenda-se no mesmo documento que das ditas lhamas se fizesse casta e nunca faltassem77. Já seria essa, à falta de outras, uma das maneiras de ver transfiguradas as montanhas de Paranapiacaba numa réplica oriental dos Andes.

E se a imagem serrana das vizinhanças de São Paulo ainda não falasse bastante à sua imaginação, outros motivos, em particular a suspeita de que estando ali se acharia mais perto do Peru, por conseguinte das sonhadas minas de prata e ouro, poderiam militar emfavor da escolha que fêz dessa vila para lugar de residência. Justamente pela época em que andaria na côrte da Espanha a pleitear junto ao Duque de Lerma e Filipe III sua nomeação para a conquista, benefício e administração das minas das três capitanias do Sul, deverater chegado às mãos do donatário de São Vicente, aparentado seu, uma carta dos camaristas de São Paulo com data de janeiro de 1600, que era de natureza a suportar tais ambições e ainda mais corroborar suas ilusões acêrca da distância entre aquela vila e o Peru.

A carta é, antes de tudo, um cerrado libelo contra os capitães, ouvidores e até governadores-gerais que segundo diz, não entendiam e nem estudavam senão como haviam de "esfolar, destruir e afrontar" o povo de São Paulo. Para dar remédio a tais malefícios, pede-se ao donatário que, por sua pessoa, ou "coisa muito sua", trate de acudircom brevidade à terra que o Senhor Martim Afonso de Sousa ganhou e Sua Majestade lhe deu com tão avantajadas mercês e favores. E para mostrar a bondade da mesma terra, referem-se os oficiais da Câmara entre outras coisas, às minas, exploradas ou não, que nela seacham, a de Caatiba, de onde se tirou o primeiro ouro, e ainda a serra que vai dali para o norte - "haverá sessenta léguas de cordilheira de terra alta, que tôda leva ouro" -, além do ferro de Santo Amaro, já em exploração, e o de Biraçoiaba, que é região mais larga e abastada, e também do muito algodão, da muita madeira, de outros muitos achegos, tudo, enfim, quanto é preciso para nela fazer-se "um grande reino a Sua Majestade". Ao lado disso, fala-se também no grande meneio e trato com o Peru e na presença de "mais de 300 homens portuguêses, fora seus índios escravos, que serão mais de 1500, gente usada ao trabalho do sertão, que com bom caudilho passam ao Peru por terra, e isto não é fábula" [M. E. de AZEVEDO MARQUES, Apontamentos Históricos, Geográficos, Biográficos, Estatísticos e Noticiosos da Província de São Paulo, 11, págs. 224 e segs. Cf. também ACSP, li, págs. 497 e segs., onde vem reproduzida a carta dos camaristas de São Paulo, de acôrdo com o texto anteriormente impresso por Azevedo Marques.].

Sobre a distância entre o litoral atlântico e os Andes são muitas vezes imprecisas e discordes as notícias da época, e já se sabe como a idéia de que os famosos tesouros peruanos eram vulneráveis do lado do Brasil, chegara a preocupar a própria Coroa de Castela nos dias em que, tendo os portugueses seus soberanos próprios, maiores seriam as causas de emulação e dissídio entre os dois reinos. Mais tarde irão renovar-se as mesmas inquietações, mas dessa vez os agressores prováveis passam a ser os holandeses instalados em Pernambuco. Num dos “suenos” de Quevedo, escrito por volta de 1636, aparecem aqueles “rebel- des a Deus na fé e ao seu rei na vassalagem” senhores das partes do Brasil que formam como a garganta das duas índias, já prestes a devorarem as de Castela. Quando se enfadassem de tanto nave- gar, quem diria que não desejassem para si o Rio da Prata e Bue- nos Aires, onde poderiam chegar passo a passo e sem molhar os pés, apenas mordendo as costas como caranguejos? E não só punham em risco Buenos Aires, como já davam que pensar a Lima e a Potosi, “por assim afirmar a geografia”. Se a geografiq está longe de ser tão explícita neste parti- cular, e se hoje nos pode parecer mais razoável o que disse outro personagem do mesmo escrito de Quevedo, isto é, que “con el Brasil antes se desangra Holanda que cresce” 79 , não se podem considerar descabidas as previsões do primeiro. Foi, com efeito, dos estabelecimentos holandeses do nordeste do Brasil que, em 1642, o Conde João Maurício projetou a conquista de Buenos [p. 114, 115]

Aires, com o fito expresso de abrir caminho, pelo Prata, às minas de Potosi. E se, tendo iniciado os preparativos nesse sentido, não levou adiante o plano, deve-se isso ao ter sido forçado a auxiliar, no ano imediato, outra expedição, destinada às provín- cias castelhanas do Pacífico, de modo que, por pouco, não firmará pé no sul do Chile.

Não foi essa, aliás, a única ocasião em que se cogitou de fazer do Brasil um ponto de partida para a captura dos estabelecimentos espanhóis do Pacífico. Quando Filipe II, coroado rei de Portugal, pôde assim reunir, sob o mesmo cetro, às índias Ocidentais as Orientais, transformando-se em um “perigo para todos os príncipes da Europa”, o engenhoso plano que o mais jovem dos dois Richard Hakluyts organizou, no intento de ver abatido o “soberbo espanhol”, para a captura não só dos preciosos metais peruanos como do Estreito de Magalhaes, chave do "mar del sur" e das opulentas minas de Castela, era condicionado ao estabelecimento na costa do Brasil de uma base de operações e abastecimento daquelas conquistas. Esse trampolim brasileiro não ficaria em Recife, como o de Nassau, ficaria em São Vicente.

A escolha é justificada em documento hoje impresso entre os papéis do mesmo Hakluyt e de seu primo homônimo, dois grandes campeões quinhentistas da expansão colonial britânica, pela facilidade com que se poderia tomar e ocupar a ilha indefesa de São Vicente, pela abastança em víveres de toda espécie que ali se achavam e, finalmente, pela sua posição estratégica em relação às projetadas conquistas. Das vitualhas existentes na mesma ilha e adjacências chega a escrever que dariam para o sustento de infindas multidões: “infinite multitudes of people”. E reporta-se aqui ao testemunho de marinheiros ingleses que se tinham abastecido naquele porto de enorme quantidade de bois, porcos, galinhas, cidras, limões, laranjas 80 ...

Ignora-se qual fosse a reação oficial da Coroa inglesa aos planos e sugestões de Richard Hakluyt, que algum tempo depois ainda se propõe entrar em contato com o pretendente português Dom Antônio para tratar desse ou de assunto correlato. É de qualquer modo significativo, e o fato não deixa de ser apontado pelo organizador da edição de seus escritos, o interesse súbito que Santos e São Vicente passam a despertar então entre mercadores, navegantes e piratas ingleses, alguns deles pessoalmente relacionados com Hakluyt*´. Para este, porém, o plano de ocupação de terras portuguesas e castelhanas na América do Sul irá perder rapidamente seus atrativos. E entre as causas da mudança entra, segundo parece, uma longa conversa que teve em 1582 com o então embaixador de Portugal em Londres, Antônio de Castilho.

É esse diplomata, dotado de “singular circunspecção, autoridade e experiência”, nas próprias palavras de Hakluyt, quem trata de desviar sua atenção da Ilha de São Vicente para a costa ao norte da Flórida, até então inexplicavelmente desocupada. Entre outras coisas dissera-lhe o “douto e excelente homem” que, se fosse moço como ele (Hakluyt ainda estava para completar trinta anos de idade), não hesitaria em vender os próprios bens - e era de grandes posses - para mandar equipar alguns navios e ir iniciar não só a colonização daquelas terras tão esquecidas, como a conversão dos seus gentios 82 . Tão forte é a impressão produzida por essa palestra que mais tarde, ao defender seu novo plano de colonização da América do Norte, e mesmo no Discourse of Western Planting , redigido em 1584 a instâncias de Walter Ralleigh, o jovem Hakluyt há de evocar algumas vezes o nome de Castilho e suas palavras estimulantes.

A propósito do plano que a princípio defendera, cabe notar que a Ilha de São Vicente, com os seus contornos, parecera figurar apenas como escala de abastecimento das frotas que se dirigissem ao estreito e ao Peru. Entretanto, a idéia de que também se poderia entrar terra adentro por aquele porto até as cobiçadas cordilheiras ocidentais não seria de todo estranha à proposta de ocupação de sítio tão estrategicamente colocado.

Sabe-se, com efeito, que um dos informantes de Hakluyt sobre as vantagens que podia oferecer a Ilha de São Vicente é o mesmo Thomas Griggs, que, tendo viajado anteriormente no Minion, aludira, segundo aqui mesmo já foi notado, à pouca distância, “doze dias apenas”, por terra ou água 81 , entre a vila de Santos e certas partes do Peru. Que não deveria parecer muito extraordinária essa idéia indicam-no os receios surgidos na mesma época, isto é, em 1582, no Rio de Janeiro, de que se desgarrassem e fugissem para o Peru os oitenta soldados deixados em São Vicente parada defesa do porto pelo contador Andrés de Equino, da armada de Diego Florez Valdez 8.

Mesmo a quem não partilhasse de ilusões semelhantes sobre a pretensa facilidade de acesso ao Peru entrando pelo caminho de São Vicente, pareceria claro, ainda nos primeiros anos do século seguinte, e mais tarde, que, de todas as do Brasil, era aquela a capitania de melhor passagem para as míticas serras, de onde, [p. 116, 117]

segundo numerosos testemunhos, continuamente se despejavam riquezas fabulosas no lago que ia alimentar o São Francisco e outros rios. E se o mau sucesso de tantas buscas sucessivas parecia sugerir que, ao menos na América Portuguesa, se não verificava a antiga crença de que os tesouros naturais sempre se avolumam à medida que se vai de oeste para leste, impunha-se a suspeita de que essas minas estariam, ao contrário, nas vizinhanças dos lugares onde fora largamente comprovada sua existência: em outras palavras, para as bandas do poente e junto às raias do Peru. Idéia simplista, sem dúvida; por isso mais apta a logo fazer prosélitos. A prova de que não se apartaria muito da realidade está em que, passado mais de um século, se descobrirão, justamente naquele rumo, as grandes aluviões auríferas de Cuiabá e Mato Grosso, das mais avultadas que registra a história das minas do Brasil. Contudo, ao tempo de Dom Francisco de Sousa, tamanho era o prestígio de Potosi que em pouco à velha atração do ouro parece suceder facilmente a da prata. Reino mágico, de todos os esplendores, era o Peru; verdadeiramente, aquela tem ct CLVgetitect, que os primeiros mapas quinhentistas situavam mais para o sul, estendendo-o, por vezes, quase até o litoral atlântico. Tão intenso e teimoso há de ser entre portugueses do Brasil e do Reino esse prestígio da prata, que há de sobreviver longamente, com o das esmeraldas, outro feitiço peruano, ao próprio malogro e ao fim melancólico do Senhor de Beringel. A grande paixão de Dom Francisco será, com efeito, nos decênios seguintes, a de todos os ânimos aventurosos entre nós, e esta à origem de pesquisas que se farão a partir dos mais variados lugares, de São Paulo como do Espírito Santo, ou ainda de Sergipe del-Rei e do Ceará. Nem sequer os resultados desalentadores que darão, de imediato, as explorações de Fernão Dias Pais com sua famosa entrada, têm força bastante para extingui-la. E o certo é que, não só no Brasil ou entre portugueses, a constante imagem das índias de Castela e de seus invejáveis tesouros subjugará as fantasias mais cobiçosas. Até na América Inglesa, onde a proximidade da Nova Espanha tende a suscitar ambições em tudo semelhantes, haverá pelas mesmas épocas quem se deixe empolgar pelo fascínio das grandes minas de prata e das montanhas refulgentes. Assim é que, em 1613, se chega a anunciar entre os povoadores da Virgínia o descobrimento, no interior da colônia, não só de uma rocha de cristal, que utilizavam os índios para fazer pontas de flechas, mas também, arredada desta quase três dias de viagem, de uma verdadeira colina ou montanha de prata de boa mina, perfeita e muito rica. E não ficavam nisso as riquezas supostas ou genuínas do lugar. Quem se afundasse mais sete dias além da dita montanha acharia, à beira de uma lagoa ou mar, de que falavam os índios, certas terras vermelhas com uns lampejos, sinal “mais do que provável” de riquezas de toda sorte. E posto que as autoridades inglesas tivessem conhecimento delas, não lhes parecera conveniente e nem ao menos possível explorá-las logo, devido à falta de pessoal e à necessidade de mantimentos, que de outro modo iriam faltar, já que todos desdenhariam pela das minas a sua lavra. Da montanha de prata, no entanto, que estava muito mais à mão, tiraram-se amostras, e não sem grande trabalho, visto como as duas únicas picaretas de ferro de que dispunha a gente e que alguns utilizaram não resistiram a dureza da rocha, e assim não puderam cavoucar tanto como o desejavam. De qualquer forma, o exame feito na pouca pedra retirada pareceu compensar tão grande esforço com bons resultados e melhores esperanças para os colonos tV5 . Tal como no Brasil, também na América do Norte - e por quanto tempo? - as conclusões dos ensaiadores não seriam menos otimistas do que a fácil credulidade dos descobridores. A busca da prata, suscitada pelo feliz êxito dos castelha- nos, representou, pois, um fenômeno continental, não tanto uma especialidade luso-brasileira. Pode mesmo dizer-se que, entre nós, a miragem do Sabarabuçu argentífero e a da Serra das Esme- raldas, mitos mais ou menos xiíópagos, em que aos poucos se tinham transfigurado, segundo o modelo provindo das cordilhei- ras do oeste, as antigas montanhas resplandecentes do gentio, sustentaram-se e em alguns casos recrudesceram, mesmo após as primeiras e generosas colheitas de ouro nas Gerais. Tão fundas raízes tinha deitado em todas as almas o hábi- to de se estimarem os tesouros que a terra dá de si segundo a forma e substância assumidas por eles nas índias de Castela que dificilmente se veria nos do Brasil outra coisa mais do que um prolongamento e dependência desses. O que saíam a buscar em nossos sertões tantas expedições custosamente organizadas não era tanto o ouro como a prata. E nem eram diamantes, senão esmeraldas. Em outras palavras: o que no Brasil se queria encon- trar era o Peru, não era o Brasil. [p. 117, 118, 119]

A velha crença de que mais dadivosa se mostrara a provi- dência de Deus aos castelhanos do que aos lusitanos, a estes negando o que aos outros, nas suas índias, proporcionara de sobejo, muitos, entre os portugueses, deviam admiti-la em segre- do, mesmo que a não proclamassem de bom grado. E como era possível negar intimamente o que entrava pelos olhos de todos? Já ao primeiro contato das novas terras descobertas tiveram os navegantes de Castela a clara revelação de um mundo de milagres e portentos, em que não menos se saciava uma desmesurada cobiça do que uma piedade intransigente e zelosa. Mas o que naquele primeiro momento podia parecer desvario ou fábula, o tempo, a seu modo, se incumbira de transformar em realidade tangível: magnífica realidade, e quase sobrenatural, pois que assim deveriam parecer aqueles infindáveis tesouros que abarro- tavam tantos e tantos galeões e nunca se esgotavam. E que, segundo já o profetizara Colombo, servia assim à ambição dos conquistadores como à devoção dos príncipes, armando a estes últimos para a luta contra o infiel e o herege. Ao lado daqueles reinos de magia, o Brasil português, tão parco, aparentemente, em minas e especiarias preciosas, oferece um contraste humilhante. O escasso préstimo das suas terras, antes sugerido por Vespúcio e quase pelo escrivão Cami- nha, já transparece, por exemplo, das inscrições do mapa-múndi de Diogo Ribeiro, composto em 1529. Enquanto ali se diz da Nova Espanha, que tem “muito ouro de nascimento”; de Castela de Ouro, que tirou seu nome do abundantíssimo metal precioso que nela se cria; do Peru, ainda antes da conquista, que tem prata e ouro do Rio de Solis, que, segundo se crê, “ay oro y plata en la tierra adentro”, equipara-se o Brasil, se tanto, àquela “terra dos bacalhaus”, onde “hasta aora no se an aliado cosa de provecho, mas de la pescaria de bacallaos q son de poca estima”. Ou ainda à “tierra de los patagones”, que estéril e de nenhum proveito, traz em si, talvez, alguma promessa de milagre, na aparência insólita de seus moradores: homens de grandes corpos, quase de gigantes. Da legenda correspondente à “tierra de Gary” consta que “no se espera aliar oro como en la nueva espana por estar ya muy desuiada dei tropico”. Mas quanto à “tiera dei brasil”, apesar de situada no trópico, onde, por necessidade, se devera achar ouro, segundo antigas noções ainda generalizadas, a negativa é peremptória: “Aqui no se alia otra cosa de prouecho mas dei brasil, que no les costa mas que hacerlo cortar e traerlo a las naos haze los índios por poca cosa” lSr \ A situação permanecerá a mesma durante parte do século XVI e pouco mudará no seguinte. [p. 120]

mente comercial dessa empresa parece excluir, no entanto, de seu itinerário, os portos sulinos, onde não se dá o pau-de-tinta que Jerônimo Verrazano pretendia levar de volta.

Se o súbito interesse geralmente suscitado por aquelas terras explicasse pelo atrativo que proporcionara o descobrimento, na parte austral do continente, de um novo caminho para as Molucas, é de crer que entre os portugueses especialmente, já afeitos à sua carreira das índias, se prendesse em maior grau à fama das grandes riquezas que de lá chegava ao Reino com os seus navegantes. Quase nada se conhece da viagem de Cristóvão Jaques a tais paragens, mas de uma carta do embaixador Juan de Çúñiga a Carlos V com a data de julho de 1524, consta como certo homem que vinha a descobrir terras na costa do Brasil e andava em demandas com Dom João III, para que lhe pagasse Sua Alteza o prometido pelo seu trabalho; falava em grandes tesouros minerais existentes nas terras que achou.

Ao embaixador castelhano logo pareceu que aquilo seriam terras do imperador. E ainda mais se certiíicou da suspeita quando tal homem, atendendo a solicitações que lhe fizera, foi dissimuladamente e com muito medo à sua pousada, e declarou-lhe que encontrara em certo lugar das terras percor- ridas nove homens que foram da armada de João de Solis e, mais adiante, deparara com um maravilhoso rio de água doce, largo de quatorze léguas na embocadura. Entrando por ele soubera dos naturais como águas acima havia outros índios, inimigos desses, entre os quais existiam daquelas coisas que lhes mostrava o navegante, que eram ouro, prata e cobre. Seduzido pelas novas, subira ele o rio, até encontrar certos velhos, com os quais fez resgates, e deram-lhe, os velhos, peda- ços de prata e cobre e umas pedras com veias de ouro. Além disso, falaram-lhe numa serra distante trezentas léguas do lugar, riquíssima naquelas coisas. Disseram ainda que se afeiçoavam menos à prata do que ao cobre, havendo ali muito cobre, porque este luzia mais. Quanto ao ouro, seria necessário ir mais longe para encontrá-lo. Prontificava-se o homem a continuar seus descobrimen- tos na dita terra, por conta de Sua Majestade, contanto que lhe fosse de algum modo assegurado o que em Portugal poderia perder, e seriam cinqüenta mil maravedis por ano. Não excluía a possibilidade de pertencerem aquelas regiões à demarcação de Castela, e o que de certo modo reforçava tal possibilidade era o pouco fruto dos esforços do mesmo navegante junto à Coroa [Páginas 94 e 95]

de Sua Majestade o Imperador. Nela pode ler-se o seguinte trecho: Del peru vyno por el ano pasado un pasajero natural português que se dize domyngo nunes natural de Moron ques Junto ala Raya de Castilla el qual trujo de veynte a treynta myll ducados este andado persuadiendo al Rey por uma conquysta por el Brasil para por ally entrar a las espaldas de cuzcol O assunto fica aparentemente liquidado com essa infor- mação. O principal obstáculo à identidade entre o Nunes natural de Mourão, junto à raia de Castela e o dos “Apontamentos”, ou seja, a diferença nos prenomes torna-se de pouca monta quando se pense que “Domingo” e “Diogo” são palavras que se podem eventualmente confundir, e abreviadas, segundo uso generalizado na época, não oferecem diferença alguma. Aliás, a transcrição esmerada de nomes portugueses não parece uma das preocu- pações de Martin de Orue, que nesse mesmo papel alude a um torjão de ocampo”, filho do capitão de Porto Seguro, querendo referir-se evidentemente a Fcrnão do Campo, filho de Pero do Campo Tourinho e seu sucessor na donataria. A “relação” citada, que em outros passos apresenta importantes subsídios no tocante ao estudo das primitivas comu- nicações por terra firme entre São Vicente e o Paraguai, é de grande valia para o conhecimento das coisas da América, espe- cialmente do Paraguai, onde andara por mais de uma vez durante anos consecutivos. Dele afirma Lafuente Machaín que foi dos “conquistadores de maior influência da incipiente colônia” 54 . Apesar da minúcia desse historiador no resenhar as atividades de tal personagem, não se encontra no seu trabalho sobre os conquistadores do Rio da Prata qualquer palavra acerca da missão secreta em Portugal, tão intimamente ligada a fatos daquela conquista. A respeito existem, no entanto, em Sevilha, duas cédulas reais perfeitamente claras. A primeira, datada de 21 de abril de 1554, discrimina o que deveria fazer Orue “con la mejor dilligencia que pudiere” durante a viagem a Lisboa. Outra, de 9 de agosto do mesmo ano, é uma carta de recomendação ao embaixador Luís Sarmiento de Mendoza. Esta deveria ser entregue ao destinatário caso o espião o julgasse necessário, sem prejuízo de sua incumbência.

O que pôde este apurar refere-se, por um lado, à armada de Luís de Melo, que depois se perdeu na costa do Brasil, assim como das pretensões dos portugueses sobre a região do Rio Piqueri e sobre a própria Assunção, estimuladas agora por amostras de metal precioso ido daquelas partes, e que as análises feitas indicavam ser muito boa prata. São Vicente tornara-se, já então, depois do porto dos Patos, do Viaçá e da Cananéia, um dos possíveis pontos de penetração do continente pelo litoral atlântico.

Dos Patos saíra Aleixo Garcia, e saíra, mais tarde, Cabeza de Vaca. Ambos tinham subido o Rio Itapucu, rumando para terras do atual Estado do Paraná, e sabe-se que o adelantado, valendo-se de guias indígenas, seguiu o itinerário de seu antecessor. Esse itinerário está descrito nos “Comentários” de Pero Hernandez e sobre ele discorre, com sua habitual segurança, o Barão do Rio Branco, além de reproduzi-lo em mapa 55.

Tudo faz admitir que em algum ponto dessa via devesse desembocar o caminho que tinham percorrido, saindo de Cananéia, os expedicionários de Pero Lobo. De outro modo explica-se mal o fato de a gente de Gabeza de Vaca transitar em sua entrada pelo mesmo lugar onde dez anos antes se verificara o trucidamento daqueles expedicionários encontrando, além disso, à altura do Tibaji, um índio recentemente convertido chamado Miguel, de volta à costa do Brasil, de onde era natural, após longa assistência entre os castelhanos do Paraguai. Desse Miguel dirá mais tarde Irala, em documento publicado por Machaín, que tinha seguido pelo caminho que percorreu Aleixo Garcia: “por el camiiío que garcia vino”.

Também é provável que a via de São Vicente a Assunção, aberta aparentemente pelo ano de 1552 ou pouco antes, fosse um dos galhos da mesma estrada. Não há prova de que antes da vinda dos europeus fosse correntemente usada, em todo o seu curso, pelos Tupi vicentinos. Ao menos em certa informação que, depois de 1554, escreveu do Paraguai Dona Mencia Galderón, a viúva de Juan de Sanabria, diz-se que de São Vicente se podia ir até Assunção “por cierto camino imevo que se habia descubierto”.

Esse novo caminho, descrito no livro do célebre aventureiro alemão Ulrico Schmidl, que em 1553 o percorreu de regresso ao Velho Mundo, foi largamente trilhado naqueles tempos, em toda a sua extensão, pelos portugueses de São Vicente, em busca dos Carijó, e ainda mais pelos castelhanos do Paraguai, que vinham à costa do Brasil ou pretendiam ir por ela à Espanha, até que os mandou cegar Tomé de Sousa no mesmo ano de 1553. Com alguma possível variante, deve ser uma das trilhas que no século seguinte percorrerão numerosos bandeirantes de São Paulo para seus assaltos ao Guairá.

Por esse tempo, o vivo interesse com que a “costa do ouro e da prata” fora disputada pelas duas Coroas ibéricas parecia em grande parte arrefecido. Tanto que, compreendida em um dos quinhões que a Pero Lopes coubera na distribuição de capitanias hereditárias, o qual quinhão devia estender-se de Cananéia até, aproximadamente, o porto dos Patos, não se preocupam em colonizá-la os portugueses. Quando muito continuam a impedir que nela se estabeleçam os seus rivais. Em vez do metal precioso que dali parecera reluzir aos antigos navegantes, o que iam a buscar na mesma costa eram os Carijó para a lavoura ou o serviço doméstico.

Assim, numa das relações que escreveu o piloto Juan San- chez de Biscaia, em 1550, diz-se da Ilha de Santa Catarina que se achava despovoada, “por causa que los portugueses y sus amigos ysieron muchos asaltos en los yndios naturales de la dicha isla i an destruydo todos los yndios da la costa dei mar, que eran amigos de los vasallos de Su Majestad”™. No ano anterior, a chegada a Sevilha de certo Brás Arias, português de São Vicente, dera causa a uma denúncia por onde os oficiais da Casa de Contratação pude- ram ter conhecimento dos processos usados em tais assaltos.

A denúncia partira do mesmo Martin de Orue que apare- cerá mais tarde em Lisboa a colher informações para o Conselho de Sua Majestade sobre as propostas de Diogo ou Domingos Nunes a el-rei Dom João III e sobre as pretensões territoriais lusitanas com respeito a terras da demarcação de Castela. Quatro ou cinco dias apenas depois da chegada de Arias, era este chamado a com- parecer perante o visitador de Sua Majestade na Casa, a fim de prestar depoimento acerca dos latrocínios e malícias atribuídos por Orue aos de São Vicente e outras partes do Brasil em prejuízo de vassalos e súditos do imperador. Tomado seu juramento na devida forma de como diria a verdade do que sabia, confirmou Arias, acrescentando-lhes novos pormenores, as acusações do espião castelhano. Referiu como, cerca de um ano antes, dois navios, um de São Vicente, outro da capitania de Ilhéus, se tinham reunido em Cananéia, seguindo em conserva até a laguna do Viaça, junto à Ilha de Santa Catarina, onde estavam vários espanhóis, além de muitos índios e índias, que vinham sendo doutrinados por Frei Alonso Lebron, da Ordem de São Francisco. Achando-se a testemunha num dos navios, em que saíra a fazer os seus tratos, viu como Pasqual Fernandes, genovês, vizinho de São Vicente, e Martim Vaz, de Ilhéus, senhores e mestres dos navios, atraíram a bordo com enganos e fingida amizade aos espanhóis, entre estes Frei Alonso, além de parte dos catecúmenos que apresaram, e seriam cento e tantas peças, entre [Páginas 101, 102 e 103]

mandara interceder junto ao Pontífice, por intermédio do fundador da Companhia, para que fosse concedida indulgência plenária em seu dia e nas oitavas a todos os que então comungassem, c aos que não confessassem e comungassem não lhes fossem dadas. “Y a esto se mueve el senor Gubernador por amor que la gente se confiessc y comulguc.” 2 Pouco faltaria, em verdade, para que não apenas na índia, mas em todo o mundo colonial português, essa devoção tomasse um pouco o lugar que na metrópole e na Espanha em geral, como em todo o Ocidente europeu, durante a Idade Média e mais tarde, tivera o culto bélico de outro companheiro e discípulo de Jesus, cujo corpo se julgava sepultado em Compostela. Não foi certamente novidade, para os portugueses qui- nhentistas, a lenda da pregação de São Tomé Apóstolo na índia, já largamente divulgada e mesmo canonizada, ou a da existência ali de seu verdadeiro sepulcro, mencionado em numerosas relações medievais do Oriente, como as de Marco Polo e Monte- corvino, sem falar na famosa carta do Preste João. O que os poderia ter surpreendido ao desembarcarem naquela costa era a extensão do culto, que lhe devotavam inúmeras pessoas desde Bombaim até Madrasta, abrangendo o Ceilão, e ainda nas “colô- nias” de cristãos de São Tomé que iam até o Mar da China. A própria devoção a suas relíquias, em particular a certos pelourinhos de barro tomado ao seu pretenso túmulo, e que sem- pre levavam consigo os fiéis, assim como os mouros e gentios, era bastante generalizada quando lá chegaram eles. Nem são de sua invenção as notícias das pegadas deixadas pelo santo em várias partes do Oriente, e que depois acabariam por ser vistas também no Novo Mundo. 1 Da origem de tais notícias, uma das mais acreditadas versões é a que aparece no Livro cie Duarte Barbosa. Conta este escritor, fundado na tradição oral dos cristãos de Coulão, que São Tomé, quando de lá partiu perseguido dos gentios, fora j ter à cidade de Meliapor, então muito grande e formosa, de dez ou mais léguas de comprido e arredada do mar, que depois comeu a terra entrando por ela adentro. Principiando o apóstolo a anun- ciar a fé cristã, conseguiu converter alguns moradores, pelo que outros trataram de o perseguir, querendo matá-lo. Ante essas i ameaças, meteu-se Tomé algumas vezes nos montes, e certo dia, andando naqueles lugares um caçador com seu arco, viu estar grande soma de pavões reunidos, e no meio deles um, que aos mais se avantajara em tamanho e formosura, pousado numa laje. Não hesitou o caçador em alvejá-lo, e com uma flecha o atra- [Página 133]



Pode dar-se ideia de celeridade com que se difundiu a lenda do apostolado de São Tomé nas Índias, e não apenas nas Índias Orientais, lembrando, como, em 1516, quando Barbosa acabou de escrever seu livro já se falava em sua estada na costa do Brasil. A primeira versão conhecida dessa presença do discípulo de Jesus em terras americanas encontra-se, com efeito, na chamada Nova Gazetta Alemã, referente, segundo se sabe hoje, à viagem de um dos navios armados por D. Nuno Manuel, Cristóvão de Haro e outros, que a 12 de outubro de 1514 aportava, já de torna-viagem, á Ilha da Madeira.

Dos dados que o autor da Gazeta pôde recolher a bordo e mandar em seguida a um amigo de Antuérpia, constava a existência naquela costa de uma gente de muito boa e livre condição, gente sem lei, nem rei, a não ser que honram entre si aos velhos. Contudo, até àquelas paragens tinha chegado a pregação evangélica e dela se guardava memória entre os naturais.

"Eles tem recordação de São Tomé", diz o texto. E adianta: "Quiseram mostrar aos portugueses as pegadas de São Tomé no interior do país. Indicam também que tem cruzes pela terra adentro. E quando falam de São Tomé, chamam-lhe o Deus pequeno, mas que havia outro Deus maior". "No país chamam frequentemente seus filhos Tomé."

A presunção, originária das velhas concepções colombinas, e que a cartografia contemporânea nem sempre se mostrara solícita em desfazer, de uma ligação por terra entre o Novo Continente e a Ásia, facilitava grandemente essa idéia de que à América e ao Brasil, particularmente, se estendera a pregação de São Tomé Apóstolo.

Na própria Gazeta acha-se refletida essa idéia, onde se lê que o piloto da nau portadora das notícias, presumivelmente o célebre João de Lisboa, já afeito à carreira da índia, não acreditava achar-se o cabo e terra do Brasil a mais de seiscentas milhas de Malaca, e pensava até que em pouco tempo, e com grande vantagem para el-rei de Portugal, se poderia navegar do Reino até aquelas partes.

Achou também que a terra do Brasil continua, dobrando, até Malaca.”. E presume o autor que esse fato favorece a crença na vinda do apóstolo a estas partes. “É bem crível”, diz, “que tenham lembrança de São Tomé, pois é sabido que está corporalmente por trás de Malaca: jaz na Costa de Siramath, no Golfo de Ceilão.[Páginas 135 e 136]

Na atividade que, já a partir de 1538, e até 1546, ano em que morreu, desenvolvera na Ilha de Santa Catarina, no continente vizinho, no Guairá e até em Assunção, o Frade Bernardo de Armenta, comissário da Ordem de São Francisco, estariam, muito possivelmente, os acontecimentos históricos que podem ter servido para avivar a lenda.

A alta reputação ganha por ele entre os indígenas teria sido partilhada e talvez herdada, até certo ponto, por outro franciscano que o acompanhou e lhe sobreviveu, Frei Alonso Lebron, o mesmo que Pascoal Fernandes iria aprisionar em 1548, levando para São Vicente. A este podia corresponder, na história, o papel atribuído no mito indígena ao “companheiro” de Sumé.

Sabe-se que Frei Bernardo percorreu, pelo menos uma vez, em toda a sua extensão, o caminho chamado de São Tomé quando acompanhou, à frente de uma centena de índios, o Governador Gabeza de Vaca, e que o tinham em grande acatamento aqueles índios. Posto que o não estimasse o “adelantado ”, autor de sérias acusações ao seu comportamento, entre outras a de que, junto com Frei Alonso Lebron, guardaria encerradas em sua casa mais de trinta índias dos doze aos vinte anos de idade 40, a boa conta em que era geralmente havido entre catecúmenos e gentios Carijó espelha-se no nome que todos lhe atribuíam de Pay Zumé, como a identificá-lo com figura mítica.

Consta que, ao chegar a Santa Catarina, onde aceita a oferta do feitor real Pedro Dorantes, que se propõe ir descobrir o caminho “por donde garcia entró”, Cabeza de Vaca conseguiria realizar mais facilmente o intento de penetrar por terra até o Paraguai pelo fato de o julgarem os índios filho do comissário da Ordem de São Francisco, ou seja, de Bernardo de Armenta, “a quien ellos dizen Payçumé y tienen en mucha veneración”, segundo se expressaria em carta o próprio Dorantes 43 .

No que dirão mais tarde os guaiarenhos aos missionários jesuítas, não parece muito fácil separar o que pertenceria ao franciscano, predecessor daqueles na obra de catequese, dos atributos do personagem mitológico celebrado pelos seus avós e a eles comunicado de geração em geração. Mesmo no nome dado ao caminho que, da costa do Brasil, procurava as partes centrais do continente, não se prenderia, de alguma forma, a lendária tradição a uma verdade histórica ou, mais precisamente, ao fato de o ter trilhado Frei Bernardo, que na imaginação dos índios da terra deveria ser figura mais considerável do que o adelantado?

O certo, por este ou outro motivo, é que o mítico Sumé assume então no Paraguai, em particular no Guairá, que se achava para todos os efeitos dentro do Paraguai, proporções que desconhecera na América Lusitana, de precursor declarado e verdadeiro profeta da catequese jesuítica. Que dizer então do Pay Tumé peruano, em quem se acrisolam suas virtudes taumatúrgicas, dando ensejo à formação de toda uma brilhante hagiografia capaz de emparelhar-se com a do apóstolo cristão nas supostas andanças através do extremo oriente? [Páginas 152 e 153]

exerceram sobre consecutivas expedições que organizaram rumo à bacia amazônica, em particular a de Pedro de Orsúa, em 1560. Pero de Magalhães Gandavo, que registra aquela grande migração tupi, já dissera das constantes andanças dos índios que, falecendo-lhes as fazendas capazes de detê-los em suas pátrias, não tinham senão o intento de “buscar sempre terras novas, afim de lhes parecer que acharão nellas imortalidade e descanso perpetuo” 1 *. A imortalidade, a ausência de dor e fadiga, o eterno ócio, pois que ali as enxadas saem a cavar sozinhas e os panicuns vão à roça buscar mantimento, segundo presunção já recolhida por Manuel da Nóbrega e Fernão Cardim, a abastança extraordinária de bens terrenos, principalmente de opíparos e deliciosos manjares, tais são os característicos mais constantes da terra “sem mal”, ou seja, do Paraíso indígena. Impunha-se naturalmen- te o conforto com o Éden das Escrituras onde, num horto de delícias cheio de árvores aprazíveis e boas para comida, o homem se acharia não só isento da dor e da morte, mas desobrigado ainda de qualquer esforço físico para ganhar o pão. Essas coincidências, depois de terem sido, provavelmente, estímulo bastante para que dois portugueses acompanhassem os trezentos índios em sua peregrinação da costa do Brasil ao Peru e, mais tarde, certamente, causa da expedição de Pedro de Orsúa, que alongara o Paraíso do gentio no Dourado amazônico, ainda trariam inquietos, por muito tempo, os que não tivessem perdido esperança de recobrar o Éden em alguma parte deste planeta.

À fé comum dos índios Tupi poderia o cronista da Companhia juntar a de muitos descobridores e conquistadores brancos do Novo Mundo. O próprio Colombo não começara por ver no Pária, precisamente ao norte da Amazônia, em lugar que Schõner, no seu Globo de 1515, chega a identificar com o Brasil - Paria sive Brasília - a verdadeira porta do Éden? E não lhe parece tão bom como o do Fison o ouro que na mesma terra se criava? Mais tarde, sob a forma de Eldorado, se deslocaria esse paraíso colombino para a Guiana e para o rio de Orellana.

Nem faltariam argumentos ainda mais respeitáveis, apoiados estes em escritos de teólogos antigos e modernos, a favor da crença dos que situassem o sagrado horto no coração do Brasil, e de preferência na Amazônia. Observa Vasconcelos que muitos daqueles teólogos, entre eles o próprio São Tomás de Aquino, teriam colocado o Paraíso debaixo da linha equinocial, cuidando que era a parte do mundo mais temperada, mais de- [Página 173]

estabelecer sua celebridade, ainda arredonda a cifra para 150 anos - “Vivunt annis centumquinquaginta [...]” -, e diz mais que raramente padecem os mesmos índios de enfermidades que não possam tratar eficazmente 7 . Para isso recorrem a certas raízes existentes no país. Também não são contaminados pela peste ou quaisquer doenças oriundas do ar corrupto, benefício este que lhes vinha da virtude dos ventos austrais. A essas causas principalmente deveriam o poder viver longuíssimos anos, quando não sucumbissem de morte violenta. É muito provável que essas passagens tivessem impres- sionado fortemente os leitores quinhentistas, contribuindo de algum modo para popularizar a idéia da extrema longevidade dos índios do Brasil. Pouco mais de dez anos haviam decorrido desde a primeira publicação da Munclus Novus e já essa idéia era acolhida pelo autor da chamada Nova Gazeta Alemã - a New Zeytung ausz presillandt - no final de seu escrito, onde se lê, a propósito dos naturais do Brasil, que chegariam a alcançar até 140 de idade*. A coincidência entre essa notícia e o que se podia ler na Mundus Novus faz crer que a sugestão vespuciana tivesse ganho largo crédito, mercê, sobretudo, da imensa divulgação alcançada pelos relatos verdadeiros ou fictícios - e ainda neste último caso baseados, ao menos parcialmente, em escritos autênticos - do navegante florentino.

Importa pouco pretender verificar se tal notícia proviria dos marinheiros da nau portuguesa que visitaram a terra ou resultasse de colaboração do correspondente estabelecido na Madeira, onde colheu e registrou, para mandá-la a Antuérpia, as informações aparentemente levadas pelos mesmos marinheiros. A hipótese de terem partido do redator do texto alemão ganha alguma verossimilhança apenas em face da curiosidade excepcional que alcançara em terras germânicas a Mundus Novus.

Sabe-se, com efeito, segundo os dados compilados por Henry Vignaud, que as versões alemãs desse escrito antecederam mesmo, cronologicamente, as italianas, e que antes de 1515 tinham sido elas objeto, q)elo menos, de dez impressões sucessivas. Das próprias edições em língua latina que se haviam feito até aquela data, embora em sua maioria não trouxessem indicado o lugar de impressão, é provável que uma parte tivesse sua origem em prelos alemães, pois das quatro que contêm essa indicação, uma é de Augusta (Augsburg) e outra de Strasburgo, àquele tempo terra do imperador. [Página 303]

tirem possivelmente montes nevados na Etiópia durante os meses estivais, quando na Itália tendem a liqüefazer-se a neve e o gelo com a força do calor. É que na Europa, dizia, o dia, no verão, bem mais longo do que a noite, alcança quinze ou dezesseis horas, coisa que muito contribui para sustentar o calor e deter o frio. Ao passo que na Etiópia, onde o Nilo tem suas nascentes, nunca chega o dia a abranger mais de doze horas e meia aproximadamente 2 . As mesmas razões são largamente desenvolvidas em certas reflexões impressas por Hakluyt, onde o autor, baseando- se em dados de marinheiros ingleses, que em 1553 e 1554 tinham estado na costa da Guiné, procura demonstrar que todas as partes da Terra são habitáveis. Essas razões favorecem mesmo, com particular desvelo, as zonas cortadas pela equinocial, conside- radas das mais “frutíferas e deleitosas” entre todas. Aos antigos parecera isso improvável, pensa, somente porque a noção da mora Solis supra Horizontem totalmente lhes tinha escapado. Ora, observa, sabendo-se que na Inglaterra os raios so- lares vão bater obliquamente, não é estranhável que seja ali o calor relativamente moderado. Entretanto, demorando-se o Sol muito mais tempo durante o verão sobre aquelas latitudes do que sobre o Equador, há de resultar claramente um acréscimo correspondente nos seus feitos. Pois era notório que a presença dele no céu pode prolongar-se no primeiro caso por dezesseis e dezoito horas seguidas, quando na zona tórrida isso só se dá durante doze horas contínuas. Além do que, é mister considerar que no verão inglês cos- tumam as noites ser muito breves - seis a oito horas -, em con- traste com o que sucede nos lugares atravessados pela equinocial, onde sua duração nunca é inferior a doze horas: o resultado é serem lá mais exíguas, aqui mais dilatadas, as possibilidades de acumulação dos vapores frígidos que servem para temperar os excessos do calor, visto como essas possibilidades só se apresentam normalmente entre o ocaso e o nascer do Sol. Assim, ainda que os raios solares caiam enviesados sobre a Inglaterra e, por conse- guinte, deva ser mais atenuada, ali, a sua ação do que se caíssem verticalmente, como no Equador, nem por isso os habitantes da- quele país deixam de padecer seus efeitos com mais intensidade do que os da zona tórrida 1 . Com esses e outros argumentos julga o autor ter podido mostrar perfeitamente que as lições da experiência em nada destoam aqui da boa razão. Pouco importa saber, é certo, se esta seria realmente boa e procedente, mas é de notar o empenho constante- [p. 352]

viva c sincera, propunha-se essa visão ajudar a desfazer, não propriamente qualquer dúvida acaso existente sobre a formosura dos sítios, atravessados pela equinocial, mas aquele engano em que muitos se achavam acerca de seu clima. Desenvolver esse parecer favorável à salubridade, amenidade, gentileza c tem- perança de lugares tidos por outros como inóspitos e doentios é o objetivo essencial de um escrito que Richard Hakluyt, ainda em 1599, não parecia julgar irrelevante, tanto que o fez imprimir. Se, para alguns leitores, chegassem a parecer bem fundados os seus argumentos cosmográíicos, outros, no entanto, oporiam talvez importante contraprova a esse panegírico. É que, desde tempos imemoriais, passara como verdade quase axiomática a existência de uma conexão estreita entre a cor da pele, nos ho- mens, e o maior ou menor influxo exercido sobre ela pela ação dos raios solares. Dessa influência do Sol nas partes meridionais da Europa, já era inseparável o fato de ser a gente ali trigueira, e clara no norte, naturalmente menos exposto aos seus efeitos. À mesma causa, e sem dúvida com mais razão, re- lacionava-se a tez negra dos africanos que, no segundo livro das Metamorfoses, pudera ser associada à nefasta aventura do filho de Cibele. A própria Líbia, na concepção ovidiana, seria mais produtiva se a temeridade do mesmo Faetonte não tivesse re- sultado na esterilização das suas terras e no desaparecimento das suas águas, ressecadas pelos raios que desprendeu de si o flamejante carro do Sol desgovernado entre as mãos do mancebo imperito e ambicioso 7 . Tão evidente continuaria a parecer aquela conexão entre clima e a pigmentação da pele que aos autores quinhentistas forneceu um tópico indefectível nos debates sobre o temperamento e clima das terras do ultramar. Bem típica desse raciocínio é, para citar só um exemplo, a surpresa revelada em meados do século por Lopez de Gomara, ao ter ciência de que os patagões gigantescos eram mais escuros de tez do que o faria esperar a frialdade das paragens antárticas que habitavam´*. E no entanto haveria como opor a certas razões vindas do paganismo, outras, mais merecedoras de geral crédito, porque vindas da Escritura Santa, para mostrar como a pele escura e os cabelos lanosos e arrepiados dos africanos se pren- diam antes à maldição que lançou Noé sobre Gã e sua descen- dência do que à circunstância de terem sido abrasados pelo calor. E essa explicação, aparentemente inexpugnável, encontrou fa- cilmente adeptos, inclusive no investigador inglês das experiên- cias e razões da esfera. [p. 358]

litorânea. Tendência que, além de Frei Vicente, frisaria o Alviano dos Diálogos das Grandezas , ao lamentar que a gente portuguesa fizesse tão curta a conquista, podendo-a fazer larga à maneira do castelhano, e chegava a admitir que merecessem seus compatriotas a fama de ruins colonizadores, pois, “em tanto tempo que habitam neste Brasil”, diz, “não se alargaram para o sertão para haverem de povoar nele dez léguas conten- tando-se de, nas fraldas do mar, se ocuparem de fazer açú- cares” 4 *^. Ou ainda o autor do Livro qne dá Razão do Estado do Brasil , onde escreve, por volta de 1612, que “os brancos, nestas partes, vivem ao longo da costa, mais hóspedes que povoado- res” 46 . A própria expansão no extremo norte, que acabaria por integrar na América Portuguesa o Vale do Amazonas, não foge a essa regra constante, pois que as margens do rio-mar e de seus grandes afluentes oferecem condições em quase tudo comparáveis às do litoral atlântico. O tempo mudará tal situação, e no século XVII é um pouco a imagem do império espanhol, das índias de Castela, que irá empolgar por sua vez os portugueses. Se o alargamento da silhueta geográfica do Brasil se faz muitas vezes em contraste com a direção inicialmente impressa à atividade colonial lusitana, e sobretudo por obra de mamelucos e mazombos, não é menos certo que irá perder terreno paulatinamentc entre reinóis, no próprio Reino, aquela visão singela e tranqüila da América Portuguesa que se espelhava nos escritos dos seus primeiros cro- nistas. Dom Francisco de Sousa já fora quase um taumaturgo. E seu sucessor, Dom Diogo Botelho, reclama para si o título de vice-rei, como se o enfeitiçasse a esperança de governar outro Peru ou uma segunda índia. Teremos também os nossos eldorados. Os das minas, certamente, mas ainda o do açúcar, o do tabaco, de tantos outros gêneros agrícolas, que se tiram da terra fértil, enquanto fértil, como o ouro se extrai, até esgotar-se, do cascalho, sem retribuição de benefícios. A procissão dos milagres há de continuar assim através de todo o período colonial, e não a interromperá a Independência, sequer^ ou a República. [p. 403]

Brandenihjrger, Clemente, A Nova Gazeta da Terra do Brasil, Texto, tradução, glossário e comentário, São Paulo, 1922. Para essa edição e tradução da Newe Zeytung foi utilizado o texto encontrado por Ilaebler no arquivo da casa Fugger, em Augsburgo, que lhe fixa definitivamente a data de compo- sição: 1515. [Página 407]

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12/10/1514 - A primeira versão conhecida dessa presença do discípulo de Jesus em terras americanas encontra-se, com efeito, na chamada Nova Gazeta Alemã, referente, segundo se sabe hoje, à viagem de um dos navios armados por Dom Nuno Manuel

01/01/1515 - *Referências dos nativos a São Tomé aparecerem na “Nova Gazeta da Terra do Brasil”

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22/02/1517 - \\windows-pd-0001.fs.locaweb.com.br\WNFS-0002\brasilbook3\Dados\cristiano\registros\26567curiosidade.txt

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01/01/1525 - *Aleixo Garcia organizou uma expedição com centenas de índios

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16/11/1530 - \\windows-pd-0001.fs.locaweb.com.br\WNFS-0002\brasilbook3\Dados\cristiano\registros\26567curiosidade.txt

17/08/1531 - Diário de Pero Lopes

01/09/1531 - De onde partiu a expedição, com 80 soldados bem equipados, sendo 40 besteiros e 40 arcabuzeiros, que acabou aniquilada?

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01/09/1542 - \\windows-pd-0001.fs.locaweb.com.br\WNFS-0002\brasilbook3\Dados\cristiano\registros\26567curiosidade.txt

01/01/1545 - \\windows-pd-0001.fs.locaweb.com.br\WNFS-0002\brasilbook3\Dados\cristiano\registros\26567curiosidade.txt

01/01/1545 - *Descoberta das minas de Potosí

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01/01/1549 - *Entrada grande de Domingo Martinez de Irala

09/10/1549 - \\windows-pd-0001.fs.locaweb.com.br\WNFS-0002\brasilbook3\Dados\cristiano\registros\26567curiosidade.txt

01/01/1550 - *Primeira notícia da descoberta de metais preciosos foi o biscainho João Sanches: “e na parte donde nós outros povoamos, os portuguezes encontraram muitas minas de prata muito ricas, e isto digo porque na minha presença fizeram muitas fundições, as quais todas enviam ao rei de Portugal para que logo mande povoar toda a costa”

01/03/1550 - Notícia*

01/01/1552 - \\windows-pd-0001.fs.locaweb.com.br\WNFS-0002\brasilbook3\Dados\cristiano\registros\26567curiosidade.txt

26/12/1552 - Maniçoba / Ulrico Schrnidel partiu de Buenos Aires, que veio do Paraguai a São Vicente, passando por Santo André, a vila de João Ramalho

01/01/1553 - *Nova estrada

13/06/1553 - \\windows-pd-0001.fs.locaweb.com.br\WNFS-0002\brasilbook3\Dados\cristiano\registros\26567curiosidade.txt

30/06/1553 - \\windows-pd-0001.fs.locaweb.com.br\WNFS-0002\brasilbook3\Dados\cristiano\registros\26567curiosidade.txt

30/06/1553 - Mais um parente do capitão-mor Antônio de Oliveira, representante do "proprietário" das terras adquiriu em Assumpção trinta e dois índios guaranys, a troco de ferro, para vende-los nas capitanias do norte

01/01/1554 - \\windows-pd-0001.fs.locaweb.com.br\WNFS-0002\brasilbook3\Dados\cristiano\registros\26567curiosidade.txt

21/04/1554 - \\windows-pd-0001.fs.locaweb.com.br\WNFS-0002\brasilbook3\Dados\cristiano\registros\26567curiosidade.txt

01/09/1554 - Documento*

01/06/1560 - Partida da expedição de Bras Cubas e o mineiro da Rainha, Luiz Martins. Indo até o municipio de Apiahy ou Paranapanema*

01/01/1574 - *Domingos Garrucho (ou Garocho?) recebeu patente de “mestre de campo do descobrimento da lagoa do Ouro”

01/01/1580 - *Peru

03/11/1580 - \\windows-pd-0001.fs.locaweb.com.br\WNFS-0002\brasilbook3\Dados\cristiano\registros\26567curiosidade.txt

01/01/1582 - \\windows-pd-0001.fs.locaweb.com.br\WNFS-0002\brasilbook3\Dados\cristiano\registros\26567curiosidade.txt

24/03/1582 - \\windows-pd-0001.fs.locaweb.com.br\WNFS-0002\brasilbook3\Dados\cristiano\registros\26567curiosidade.txt

01/01/1584 - \\windows-pd-0001.fs.locaweb.com.br\WNFS-0002\brasilbook3\Dados\cristiano\registros\26567curiosidade.txt

10/04/1585 - Representação das Câmaras de Santos e São Vicente ao capitão-mor Jerônimo Leitão, lugar-tenente do donatário, sobre a necessidade de fazer-se guerra aos índios Tupiniquim e Carijó

01/04/1591 - Alvará de Felipe II concediendo privilegios a Gabriel Soares de Sousa

01/01/1596 - *Expedição de Martim Correia de Sá

14/10/1597 - D. Francisco enviou Martim de Sá no rastro de Gabriel Soares e Diogo Gonçalves Laço como administrador das minas

01/01/1599 - \\windows-pd-0001.fs.locaweb.com.br\WNFS-0002\brasilbook3\Dados\cristiano\registros\26567curiosidade.txt

05/05/1599 - D. Francisco chegou a São Paulo em maio de 1599 com grande comitiva

01/01/1600 - *relato do padre Andrea Lopez

13/01/1600 - Carta dos camaristas de São Paulo

01/07/1601 - D. Francisco partiu de São Paulo, com destino incerto*

13/01/1606 - Carta dos oficiais da Câmara da vila de São Paulo, dirigida ao donatário da capitania Lopo de Souza

09/03/1607 - Belchior Dias Carneiro comandou uma bandeira de cerca de 50 homens brancos e muitos nativos. Esta expedição partiu de Pirapitingui, no rio Tietê, rumo ao sertão dos nativos bilreiros e caiapós. O objetivo explícito era o descobrimento de ouro e prata e mais metais

19/02/1609 - Aporta a Pernambuco dom Francisco de Sousa, nomeado capitão-general e governador da Repartição do Sul (ver 11 de junho de 1611)

22/04/1609 - BN. Biblioteca Nacional do Brasil. 22/04/1609 Carta de Dom Diogo de Menezes, governador do Brasil, escrita da Bahia ao rei D. Felipe II em que se lhe queixou de prover Dom Francisco de Souza as Fortalezas do Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Vicente desobrigando-o da homenagem que delas tinha e lhe apontou alguns inconvenientes pertencentes ao governador daquela província e a sua fazenda como dela se podem ver]

12/05/1609 - \\windows-pd-0001.fs.locaweb.com.br\WNFS-0002\brasilbook3\Dados\cristiano\registros\26567curiosidade.txt

15/06/1609 - D. Francisco chegou em São Paulo

01/01/1610 - *D. Francisco enviou a Madri um de seus filhos, Antônio de Sousa, com dois regalos para d. Filipe II: uma espada e uma cruz forjadas com o pouco ouro das minas de São Paulo

10/06/1611 - O triste destino de D. Francisco de Souza, fundador do Itavuvu e 7° Governador-Geral do Brasil

18/06/1612 - Inventário de Martim Tenório, registrado em ebirapoeira, termo da Vila de São Paulo

01/11/1613 - Balthazar e seu irmão, André Fernandes, rumam ao sertão de Paraupava, em Goiás*

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01/01/1636 - \\windows-pd-0001.fs.locaweb.com.br\WNFS-0002\brasilbook3\Dados\cristiano\registros\26567curiosidade.txt

01/01/1636 - *Carta de Manuel Juan Morales ao rei Filipe IV (1605- 1665), “O Grande”

08/08/1672 - Carta do secretário do Conselho Ultramarino, solicitando informações sobre as minas de prata de Sabarabuçu e outras minas de esmeraldas e ouro de fundição de que se tinha notícia e que haviam motivado a preparação da jornada de Fernão Dias

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