A Trama das Tensões - O processo de mercantilização de São Paulo Colonial (1681-1721)
2002 Atualizado em 15/08/2025 03:42:34
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Ainda por meio das atas, notamos o vulto que tomou o comérciopecuarista, principalmente com o litoral. Em agosto de 1683 a Câmaramandou notificar Manoel F. de Brito para que não circulasse com seu gadopelo Caminho do Mar porque este “estava danado do gado e bramava opovo por ser estrada geral [...]”.23 Em abril de 1686, o contratador LuísPorrate Penedo pediu ajuda ao Concelho para ordenar que ninguém levasse gado pelo Caminho do Mar a Cubatão, por causa do dano que os bovinos causavam nos aterrados, pontes e na própria estrada. Os oficiais daCâmara concordaram, ressaltando que notificariam especialmente o mesmo Manoel F. de Brito para que não levasse mais gado pelo Caminho doMar.24 Pela já citada sessão de 19.1.1695, verificamos o grande desenvolvimento deste comércio de gado pois, como já foi ressaltado, o procuradordo Concelho requereu que se afixassem quartéis para que nenhum criadorvendesse seu gado fora da terra “pella m.ta falta q~ ha delle”, sob pena depagar uma condenação de 6$000.25 A articulação com o mercado mineirooferecia novas possibilidades para os criadores: em fins de 1698 o capitãoJoão de Crasto de Oliveira pediu à Câmara permissão para que ele levassegado para as minas do Rio das Velhas, oferecendo em troca dourar, comouro, o retábulo e a tribuna da Igreja Matriz. O Concelho lhe deu licençade levar, por duas vezes, durante o ano de 1699, o gado para as minas.26A venda crescente do gado paulista para outros núcleos e para olitoral causava, assim, problemas para o abastecimento interno de carne,requerendo a intervenção constante da Câmara. Anualmente o Concelho punha em praça o corte da carne, arrematando-o para aquele que seobrigasse a fornecê-la ao menor preço, e, a partir de 1688, por duasvezes semanais.27 De 1681 a 1692, o preço variou entre meia pataca(160 réis) e dois tostões (duzentos réis) a arroba,28 e vários foram osarrematadores: João Martins Batista,29 José de Faria,30 Domingos Leite de [Página 164]
Por intermédio destes exemplos, percebe-se a importância que aconservação das vias de comunicação passou a desempenhar nas últimasdécadas do século XVII. Eram pontes, caminhos e aterrados que facilitavam tanto o acesso quanto as saídas da vila, permitindo uma melhorarticulação com os bairros e demais núcleos de povoamento, elementovital para o desenvolvimento do comércio paulistano.60Fazem parte deste contexto, ainda, os cuidados na conservação doCaminho do Mar, passagem já utilizada pelos indígenas antes mesmo dacolonização portuguesa e elo vital para a própria sobrevivência de SãoPaulo de Piratininga.61O Caminho do Mar, na verdade, desempenha um papel fundamental, tanto para a própria colonização portuguesa, quanto para a ascensão hegemônica da vila na região. De um lado, por este caminho, SãoPaulo assegurou a sobrevivência do litoral, exportando para os núcleoscosteiros gêneros alimentícios e gado. Garantiu, assim, em última instância, a própria sobrevivência da colonização, uma vez que, no período,as articulações Metrópole-Colônia se realizavam, basicamente, com olitoral. Por outro lado, a manutenção das comunicações com Santos eCubatão viabilizavam a conquista e colonização interioranas, pois é peloCaminho do Mar que chegavam aos núcleos do planalto tanto os gêne [Página 171]
É patente, pois, o papel do Caminho do Mar para o desenvolvimento mercantil e político da vila. A preocupação com a conservaçãodesta estrada é outro tema recorrente nas atas da Câmara e, dada a dificuldade deste trabalho ser feito pelos próprios moradores das vilas elugarejos por onde este caminho passava, chegou-se a uma solução alternativa nos inícios da década de oitenta: vincular a sua manutenção aoscontratos monopolistas de venda dos vinhos, aguardentes, azeites e vinagres do reino.Este acordo ressalta o estreito imbricamento existente entre oCaminho do Mar e o comércio da região, pois, para os contratadores poderem vender, monopolisticamente, os produtos acima elencados, elesse comprometiam
a fazer o caminho do mar desta villa athe o Cobatão de cavalgaduras em carga sem em nehûa paragem serem descarregados [...] se obrigavão a fazer como ditto he dentro em hûn anno e com obrigação de o comesarem a fazer neste de oitenta e hû asim mais q~ tendo alguma danificação acudirião ao concerto dentro em quinze dias primeiros com pena de seis mil Réis [...] mais de pagarem mil cruzados se dentro do ditto tempo não fizerem o ditto caminho [...] quer se consertem com as villas serconvezinhas quer não. [Actas da Camara da villa de S. Paulo, 2.3.1681]
Ora, a simples existência desta articulação – contratos de vendavinculados à feitura do Caminho do Mar – revela que o mercado consumidor da vila e de seus arredores não era tão desprezível assim, justificando tanto os riscos da travessia da serra, quanto a constante manutenção da estrada por conta e risco dos contratadores.Passado quase um ano da assinatura do contrato, o procurador doConcelho requereu que os oficiais mandassem averiguar se o Caminhodo Mar estava feito e acabado de conformidade com a promessa doscontratadores; requereu, também, que se houvesse alguma falta ou“desconserto no dito caminho, fosem os ditos contratadores noteficadoscom as penas consinadas”. [Actas da Camara da villa de S. Paulo, 20.1.1682]
A manutenção do Caminho era, portanto, dificultosa e o Concelho constantemente advertia os contratadores sobre a necessidade de suaconservação. Em novembro de 1688, por exemplo, o vereador mais velho reclamou que a estrada estava muito danificada, exigindo que senotificasse o contratador Luis Porrate Penedo para que a refizesse, conforme a obrigação de seu contrato, já que o povo se queixava “por estaro Caminho emcapas de serventia”. [Actas da Camara da villa de S. Paulo, 1.11.1688. Veja-se também outras cobranças aos contratadores, no mesmo sentido, nas reuniões de 31.7.1683 e6.4.1692]
Assim, os múltiplos caminhos e os cuidados com sua preservação, bem como a preocupação com as entradas e saídas da vila, atestam odesenvolvimento mercantil paulistano bem como a sua própria expansão. Neste processo, tanto econômico quanto político, foi de fundamental importância a articulação dos diferentes bairros aos caminhos queconduziam à vila.Em 19.7.1681 o procurador do Concelho requereu que os vereadores mandassem notificar Luis do Amaral, Manoel Moreira e os demaismoradores do bairro de Santo Amaro para que mandassem consertar aspontes e aterrados que seus gados danificavam; igualmente ordenou queesta notificação fosse estendida a todos os bairros de todos os “recomcabos”da vila cujas pontes e aterrados encontravam-se arruinados pela caminhada do gado, sob pena de seis mil réis ou “fazerce a sua custa”.67No início do ano seguinte, Braz de Arzão, procurador do Concelho, requereu que se afixassem quartéis para que os capitães dos bairros [p. 173 e 174]
um mandado para tirar os porcos e o gado que tinha em sua fazenda naárea do Rio Grande; alguns dias depois foi condenada a pagar 6$000por não ter ainda retirado os porcos e por ter venda sem licença na mesma região.26 Ainda no mesmo ano, a Câmara fixou um edital para quenão se trouxesse mais porcos para a cidade e que se acurralassem as cabras à noite.27 Um ano depois, Serafina de Godoi Moreira, antiga moradora do bairro da Penha e que agora residia em Taubaté, pediu licençapara buscar suas cabeças de gado que ainda estavam no antigo bairro etransportá-las para Taubaté; seu ramo de atividade consistia em vendercharque para as minas.28 Em outras vilas paulistas também se criava ogado, como em Parnaíba, Jacareí, Pindamonhangaba, Itu e Sorocaba.29Mas a grande atividade mercantil a este respeito era a criação degado em Curitiba e sua venda para as áreas mineratórias: “As vilas deSão Paulo matam as reses que têm em suas fazendas, que não são muitograndes, e só nos campos de Curitiba vai crescendo e multiplicandocada vez mais o gado”.30 Assim, gradativamente, assistimos aos potentados paulistas requererem sesmarias na área de Curitiba e, unidos aoscomerciantes, venderem o gado para as minas.31
O clã dos Taques envolveu-se diretamente nos negócios do gadosulino. Ainda em 1704, Pedro Taques de Almeida, juntamente comseus filhos, genros e noras, alegou que elles supplicantes são casados com filhas das principaes familiasda dita villa, e nella nobres, e republicanos que a elles lhes sãonecessarias, as terras sitas no caminho que vae para a villa deCuriytiba, termo e districto da capitania, da Conceição.conseguiu três léguas de comprido e uma de largo.
“Registo de uma carta de sesmaria passada ao capitão-mor Pedro Taques de Almeida”, Registo geral da Camara Municipal de S. Paulo, v. 4, 19.3.1704, p.387-90; sintomático é o título da doação da sesmaria que revela a extensão doclã dos Taques: “Alvará de sesmaria ao capitão-mor Pedro Taques de Almeidae a seus filhos e genros, provedor da fazenda real Timotheo Correia de Góes(com tres filhas e um filho), José de Góes e Moraes, Ignacio de Almeida Lara,d. Teresa de Araujo, d. Catharina de Siqueira, d. Angela de Siqueira, d.Apollonia de Góes (casada com o capitão Martinho de Oliveira), d. Maria deAraujo (casada com o capitão d. Francisco Rendon) com quatro filhas e doisfilhos, d. Branca de Almeida (casada com Antonio Pinto Guedes, com umafilha) e d. Leonor de Siqueira (casada com Bartholomeu Paes de Abreu), dadopor d. Alvaro da Silveira de Albuquerque”, 19.3.1704, Documentos interessantespara a história e costumes de São Paulo, v. 51, p. 237-40.
Em 1713, José deGois e Morais, filho de Pedro Taques de Almeida, juntamente com seusprimos João Gonçalves Figueira e João Pedroso, conseguiram carta desesmaria para “fabricar de união commum curraes de gados e fazendasnos campos que estão devolutos no sertão da Curutyba”; [Registo geral da Camara Municipal de S. Paulo, v. 4, p. 436-8, 18.10.1713.Segundo Affonso de E. Taunay, José de Gois e Morais, enriquecido nas minas,“passou a fundamentar o patrimonio de sua casa em ferteis fazendas de gadosvaccuns e manadas de eguas nos campos geraes, chamados de Coritiba, para seutilisar dos seus grandes rendimentos na extração das boiadas. Com effeito,não lhe sahiu errada esta bem advertida resolução, por ter mostrado a experienciaque no Brasil são os curraes de gado e cavalgaduras o verdadeiro estabelecimento para a conservação das casas”, em “Historia da vila de São Paulo noséculo XVIII”, Annaes do Museu Paulista, t. 5, p. 5.]
quatro dias antes, Bartolomeu Pais de Abreu, genro de Pedro Taques, com seus sócios Martinho de Oliveira e Antonio Pinto Guedes, requereram e conseguiram sesmaria para “fabricar de mão commum alguns curraes e fazendas de gados e cavalgaduras nos campos que se acham devolutos no sertão da Curiytiba”. [“Registo da carta de sesmaria passada, ao capitão Bartholomeu Paes de Abreue ao capitão Martinho de Oliveira e ao capitão Antonio Pinto Guedes”,14.10.1713, idem, ibidem, p. 431-3.]
Em 1719, outro membro do clã, Lourenço Casta [p. 268, 269]
gêneros molhados foi franqueada a todos e a Câmara esperava arrecadarmais que os 300$000 de subsídios anuais, indicativo da mercantilizaçãoda cidade.72Outra fonte de recursos da Câmara, também sintomática da expansão da teia mercantil e do desenvolvimento da capital, é a arremataçãodos direitos de passagem do Rio Pinheiros, rota das canoas que faziam ocomércio com Santos e Cubatão e, também, caminho para Sorocaba.73Em outubro de 1704, o procurador do Concelho requereu que se arrematasse a dita passagem para quem mais oferecesse por ela.74 O mesmoLuis de Barros Souto Maior, que não conseguira o contrato das bebidasem 1705, arrematou a referida passagem por 10$000 anuais, por umano, enquanto a Coroa não determinasse o contrário, já que as passagensdos rios eram direito real; Luis de Barros comprometeu-se a cobrar $040por pessoa e carga que atravessassem o rio;75 no ano seguinte, arrematounovamente a dita passagem.76Já em 1708, João Ferreira de Carvalho foi o novo arrematador,pagando, por um ano, 50$600.77 No mesmo ano, Pedro Taques deAlmeida, então procurador da Coroa, alegou ser proibido o arrendamento das passagens fluviais porque elas pertenciam à Coroa; requereuque o dinheiro pago por João F. de Carvalho fosse depositado até que seprestassem contas à Sua Majestade; também solicitou que se prestassemas contas de todo o montante arrecadado dos direitos das passagens atéaquela data.78 Os camaristas aceitaram o requerimento de Pedro Taquese depositaram, nas mãos do arrematante, o dinheiro que tinha pago atéentão: 35$000.79Ciente dos crescentes rendimentos das passagens fluviais que levavam à vila, a Coroa fez valer seus direitos e ordenou ao governador [Página 280]
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