Poucos personagens históricos têm tanta importância para a formação do Brasil profundo quanto João Ramalho e Bartira. A história deles não é apenas uma história de união entre um náufrago português e uma mulher indígena. É o começo de uma civilização mestiça. Entre o litoral, a serra do mar, e os campos de piratininga. Eles são os fundadores simbólicos daquilo que chamamos hoje de “Brasil caipira”, “paulistânia” ou “bandeirantes”. São, literalmente, os pais do Brasil Meridional.
João Ramalho: o português que se tornou indígena
João Ramalho nasceu por volta de 1493, em Vouzela, norte de Portugal. Chegou ao Brasil antes de 1510, provavelmente naufragado, e se estabeleceu entre o litoral e os tupiniquins no planalto de Piratininga (atual São Paulo). Ali, longe do Reino e das regras da metrópole, ele se adaptou completamente ao modo de vida indígena. Tornou-se um chefe político respeitado, comandando aldeias e alianças tribais. Usava o tupi como língua principal e trajava-se à maneira dos nativos.
Ele foi recebido como filho por Tibiriçá, o poderoso cacique da região, e casou-se com sua filha Bartira. O casamento selou uma das alianças mais importantes da história do Brasil colonial, unindo europeus e indígenas em torno de um projeto comum de sobrevivência.
Bartira: a mãe dos mamelucos(caboclos)
Bartira, também conhecida também como "M´bicy" era filha do cacique Tibiriçá. Ela representava a união entre o mundo ancestral indígena e o mundo europeu recém-chegado. Não há muitos registros escritos sobre sua vida, mas sabe-se que ela teve vários filhos com João Ramalho, fundando uma linhagem que seria a base de toda a geração de bandeirantes mamelucos que partiriam de São Paulo rumo ao sertão profundo.
A fundação de Santo André da Borda do Campo e a mudança para São Paulo:
João Ramalho teve papel central na fundação de Santo André da Borda do Campo, em 1553, primeira vila do planalto paulista. Lá, foi nomeado vereador e depois alcaide (prefeito), tornando-se a maior autoridade local. Mas a cidade sofreu repetidos ataques dos tamoios e outras tribos inimigas. Por isso, com apoio dos padres jesuítas e dos indígenas aliados, a vila foi transferida para o Pátio do Colégio, onde nasceria a cidade de São Paulo em 1554.
A mudança não foi apenas geográfica, mas simbólica. A união entre padres, portugueses, indígenas e mamelucos começava a consolidar o que seria o centro irradiador das bandeiras e do povoamento do Brasil profundo.
A relação tensa com os padres
Apesar de sua importância, João Ramalho nem sempre foi bem-visto pelos missionários, especialmente pelos jesuítas. Sua vida anterior ao batismo era considerada “bárbara” e “libertina”. Ele vivia com costumes indígenas, com várias mulheres e filhos, e promovia alianças políticas que nem sempre seguiam os interesses da Igreja. Foi o Padre José de Anchieta quem o batizou e regularizou seu casamento com Bartira, tornando-o oficialmente cristão. A relação com os padres era complexa, ora de parceria, ora de tensão, mas João Ramalho foi peça-chave para garantir a segurança e mediação cultural entre o mundo indígena e os missionários.
O elo com Martim Afonso de Sousa e a fundação de São Vicente
Em 1532, João Ramalho teve papel essencial ao receber Martim Afonso de Sousa na costa brasileira. Foi ele quem levou o português até o planalto, pelos caminhos que só os indígenas conheciam. Assim, foi fundamental para a fundação de São Vicente, a primeira vila do Brasil, e da posterior ligação com o interior. Sua figura foi vista como um “embaixador” entre dois mundos.
João Ramalho e Tibiriçá: uma aliança para fundar um país
A amizade e aliança entre João Ramalho e Tibiriçá foram determinantes para resistir aos ataques das tribos inimigas, como os tamoios e carijós. Essas alianças não só garantiram a sobrevivência das vilas fundadas no planalto, mas também originaram os primeiros agrupamentos armados da dinastia dos mamelucos que iriam, mais tarde, formar as primeiras bandeiras paulistas. Num primeiro momento os inimigos eram só repelidos, depois muitos eram feitos prisioneiros, e as bandeiras logo se tornaram uma força ofensiva e expansiva, e não mais defensiva.João Ramalho em sua atuação contra os franceses no Rio de Janeiro:João Ramalho participou de ações contra os franceses no Rio de Janeiro, em apoio aos portugueses durante os conflitos da França Antártica.Entre 1555 e 1567, os franceses, liderados por Villegagnon, tentaram estabelecer uma colônia no litoral do que hoje é o Rio de Janeiro. Essa ocupação ficou conhecida como França Antártica.O governador-geral Mem de Sá, com apoio de padres jesuítas de São Paulo como José de Anchieta e Manoel da Nóbrega, organizou ofensivas militares para expulsar os franceses.Segundo relatos históricos, João Ramalho enviou e liderou tropas de indígenas aliados (tupiniquins) de São Paulo para ajudar os portugueses a rechaçar os franceses e seus aliados tamoios (indígenas hostis à presença portuguesa).Ele atuou como líder de guerra indígena, graças à sua influência entre os povos nativos, ajudando a garantir a existência do atual Rio de Janeiro.Legado: Patriarcas da Cultura Caipira João Ramalho morreu em 1580, já velho, respeitado como patriarca de uma nova civilização. Seu legado é imenso. Ele, Bartira e Tibiriçá são os fundadores do Brasil que não está no litoral: o Brasil do sertão, das trilhas, dos rios e das matas. O Brasil dos tropeiros, dos caipiras, dos bandeirantes. O Brasil que nasceria por meio deles e se espalharia por Minas, Goiás, Mato Grosso, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Tocantins, Rondônia e etc.Eles não são apenas personagens históricos. São as raízes vivas do povo brasileiro meridional.Os filhos e a genealogia:Entre os filhos de João Ramalho e Bartira estão nomes como André Ramalho, Joana Ramalho, Margarida Ramalho, Vitório Ramalho, Marcos Ramalho, João Ramalho (ou Jordão), Antônio de Macedo, Antônia Quaresma Ramalho, Catarina Ramalho, Francisca Ramalho, Beatriz Ramalho, João Batista Ramalho da Silva.Esses filhos deram origem a famílias influentes em toda a Capitania de São Vicente, sendo antepassados de bandeirantes como Amador Bueno, Fernão de Camargo, Baltazar Fernandes, Fernão Dias Paes Leme e outros bandeirantes famosos. Milhões de brasileiros hoje têm sangue desse casal, e sua genealogia ainda ecoa e se entrelaça na genealogia de milhares de famílias pelo Brasil.Dentre elas:Ramalho, Ferreira, Camargo, Pires, Bicudo, Leme, Prado, Godoy, Oliveira, Monteiro, Dias, Siqueira, Cunha, Nogueira, Lara, Morato, Bueno, Almeida, Azevedo, Antunes, Horta, Alvarenga, Carneiro, Toledo, Aranha, Piza e muitos outros.
Descendentes Notáveis
A influência de João Ramalho e Bartira perdura até os dias atuais, com descendentes que se destacaram em diversas áreas:
Rainha Sílvia da Suécia
- Sílvia Renata Sommerlath, rainha consorte da Suécia, é filha de Alice Soares de Toledo, brasileira nascida em São Manuel, interior de São Paulo. Por meio de sua mãe, Sílvia possui ascendência brasileira, conectando-se às antigas famílias paulistas. Sua ancestralidade brasileira sugere uma clara conexão genealógica com João Ramalho e Bartira.
- Fernão Dias Paes Leme (São Paulo, 1608–1681)Conhecido como o "Caçador de Esmeraldas", foi um dos mais famosos bandeirantes paulistas, também descendente. Casou-se com Maria Garcia Betim, descendente de João Ramalho e Bartira.
- Bartolomeu Bueno da Silva (Anhanguera I e II)Pai e filho do mesmo nome, estiveram nas expedições que foram responsáveis pela fundação de arraiais que deram origem à cidade de Goiás e ao atual estado de Goiás. Também são descendentes diretos de João Ramalho e Bartira.
- Getúlio Vargas, presidente e ditador que marcou profundamente a história do Brasil, foi responsável por influenciar a política atual, figura controversa é também odiado. Descendente de Amador Bueno, e possivelmente de João Ramalho, Bartira e do cacique Tibiriçá,
- Amador Bueno da Ribeira (1584–1649)Conhecido como "O Aclamado", foi aclamado rei de São Paulo durante uma revolta em prol dos castelhanos, mas recusou o título, reafirmando sua lealdade a Portugal. É descendente de João Ramalho e Bartira.
- Marquesa Ferreira ( 1525 – 1590-1591)Neta de João Ramalho e Bartira, foi uma aristocrata colonial brasileira de origem indígena. Doou terras à Companhia de Jesus, que deram origem à Fazenda de Santa Cruz, no Rio de Janeiro.Ela também foi casada com um dos fundadores do Rio de Janeiro, Cristóvão Monteiro.
- Barão de Ayuruoca (Minas Gerais, século XIX)Descendente de João Ramalho e Bartira, teve papel importante na política e sociedade do Brasil Imperial. Sua ascendência é detalhada em registros genealógicos da época.
- Lygia Fagundes Telles, A renomada escritora brasileira Lygia Fagundes Telles também é apontada como descendente de João Ramalho, evidenciando a presença dessa linhagem na cultura literária do país.
Como são milhões os seus descendentes, e milhares os notáveis e famosos, não dá para listar todos.Esses sobrenomes aparecem com frequência nas linhagens bandeirantes, sendo herdados ou incorporados por casamentos entre os descendentes de João Ramalho e Bartira ao longo dos séculos XVI ao XVIII.