Vadias, homicidas, ladras, embriagadas, prostitutas, adúlteras, defloradas, desordeiras, obscenas, alienadas: mulheres na Casa de Detenção da Corte imperial (1860-1889)
2018 Atualizado em 30/08/2025 23:23:38
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4 CASA DE DETENÇÃO DA CORTE
No dia oito de junho de 1886, o segundo promotor público da Corte, em conformidade com as atribuições que lhe foram empregadas por lei, foi perante o juiz substituto do quarto Distrito Criminal da cidade do Rio de Janeiro e apresentou denúncia contra Cristina Martins, italiana, viúva, 38 anos, analfabeta, costureira, moradora da Rua do Jogo da Bola, nº 21, morro da Conceição, região central da cidade do Rio de Janeiro (BRASIL, 1886, caixa, 1212,registro 11764).
Às oito horas da noite do dia sete de junho de 1886, os moradores da Rua do Jogo daBola, nº 21, foram despertados por gritos de socorro e brados angustiosos, que imploravampelo auxílio de alguém e pela presença da força policial. Ao chegarem ao local, algunsvizinhos empurraram a porta e se depararam com um verdadeiro banho de sangue. Em umapequena sala de jantar, perto da entrada da casa, banhado em sangue, jazia o corpo do italianoRosário Rossi, 42 anos, casado, alfaiate e que residia na casa com a sua mulher Cristina e ostrês filhos menores de idade. Em uma sala da frente, na cama conjugal do casal, se achavaferido gravemente na região abdominal o também italiano Antonio Lucas, 28 anos, alfaiate,raça branca, forte, barba e cabelos escuros, primo de Rossi, que “vivia na casa dessadesestruturada família” (BRASIL, 1886, caixa, 1212, registro 11764, p.23). A dona da casa,Cristina Martins, banhada em prantos, rodeava o corpo de Lucas enquanto que, a algunspassos, o cadáver quase mutilado do seu marido se encontrava exposto à curiosidade sôfrega eindiscreta da multidão. Ainda na casa, a bela viúva foi interrogada pelo subdelegado do 7ºdistrito policial. Com vestes manchadas de sangue, ferida em uma das mãos, perturbada pelaocorrência, ela disse que Rossi atacara Lucas e posteriormente se matara. Portanto, fora umsuicídio.Rossi morreu no local e Lucas doze horas depois, mesmo tendo sido levado para aSanta Casa de Misericórdia. Entretanto, ainda na casa, consciente, antes de ser levado para aSanta Casa, disse ao subdelegado, que chegou ao local momentos depois da viúva ter corridopelas ruas. Disse ainda que o seu patrício e primo o atacara e depois cometeu suicídio. Ao seulado, em prantos, desconsolada, a esposa confirmou essa versão (BRASIL, 1886, caixa, 1212,registro 11764).Ainda segundo Cristina, ela estava no Brasil há sete anos, mas o marido há dez, poisveio primeiro. Que nessa noite, mais ou menos as sete horas, o marido chegou em casaembrigado. Disse que queria contar algo para ela, mas não sabia como dizer. [p. 154]
Isso não fazia muito diferença, pois, segunda ela, o marido não estava bem para poder explicar qualquerassunto. Diante disso, perguntou a ele se gostaria de jantar. Sua resposta foi a de que, secomesse a “minha comida poria fora ou vomitaria” (BRASIL, 1886, caixa, 1212, registro11764, p.25), o que a induziu a não serví-lo. Em seguida, como o marido reclamou de sede,ela pegou a moringa e foi encher na bica próxima da casa. Ao regressar, viu Lucas chegando àcasa com um lampião na mão, vindo da sua oficina de alfaiataria. Ela entrou e foi para a salade jantar, servir a água para Rossi. Viu quando esse apanhou uma faca na gaveta da mesa dasala, se dirigiu à sala de visitas, onde estava Lucas. Com a mão direita o cumprimentou e coma esquerda desferiu um golpe no ventre, fazendo “sair os intestinos” (BRASIL, 1886, caixa,1212, registro 11764, p.26). Ao chegar perto de Lucas, que tentava se levantar, o ouviu dizerque Rossi o matara, mas disse que ia matar Rossi também. Segundo a viúva, Rossi confirmouque ia matar Lucas e, em seguida, se matou com cinco estocadas. Nesse momento, aindasegundo a viúva, aos gritos, saiu correndo para a rua a fim de encontrar algum policialrondante. Quando voltou com um policial, o seu marido já estava morto, e o seu filho maisvelho, Inocêncio, parado no meio da sala, segurando a faca. Quando puxou da sua mão, elaacabou ferindo o dedo mínimo da mão esquerda.Disse ainda que a faca tinha sido trazida pelo marido, dias antes, para que pudessecortar calças do tipo ladrilhada. Acrescentou ainda que Rossi era dado ao vício da embriagueze, quando estava nesse estado, provocava desordem, o que fez com que fosse preso algumasvezes. Além disso, tinha muito ciúmes dela com Lucas. O marido andava nervoso porque nãohavia recebido os vencimentos de serviços prestados ao Arsenal de Guerra. Perguntada seachava que o marido tinha inimigos, respondeu que não.O filho do casal, Inocêncio, corroborou com a história da mãe. Segundo ele, 13 anos,alfaiate, natural da Itália, às oito horas, mais ou menos, estava trabalhando na loja de AntonioLucas, que ficava na mesma rua, quando ouviu gritos vindo da sua casa. Quando chegou, viuo seu pai morto na sala de jantar e Lucas sentado em uma cadeira na sala de jantar, ferido nabarriga e sangrando muito. Perto dele estava a faca. Disse que a pegou, limpou e colocou emcima da mesa. Confirmou que os dois adultos eram primos, amigos e que trabalhavam juntoshá muito tempo e, por isso, não entendia o motivo da desavença. O seu pai havia convidadoLucas para morar na sua casa. Confirmou ainda que o pai era usuário de bebidas alcoólicas(BRASIL, 1886, caixa, 1212, registro 11764).No entanto, ao interrogar os vizinhos presentes na casa, as coisas não pareceramsimples assim: foram unânimes em afirmar o envolvimento ilícito entre Lucas e Cristina.Feliz Ferreira, 42 anos, italiano, disse que Rossi havia lhe confidenciado que Cristina andava [p. 155]
amasiada de Lucas. Antonio Policente contou que, certa vez, encontrou os dois pelas ruas daCorte; que Lucas vivia naquela casa há quatro meses sem ajudar nas despesas, mesmo tendosido ajudado por Rossi; em uma caixa, guardava tudo o que ganhava com o serviço dealfaiate.Maria de Lourdes disse que Rossi vivia constrangido pelo envolvimento escandalosoda sua mulher com Lucas; ele não era dado a bebidas; era pai zeloso, trabalhador e traziadoces e alegrias para a casa, além de sustentar dignamente a família com o fruto do seulabutar constante. No entanto, sofria muito por perceber as carícias amorosas da sua esposainfiel com o seu também infiel amigo e patrício; que só encobria os sentimentos revoltosospor causa dos filhos. Disse ainda que, no seu entendimento, Rossi pegou os dois na cama docasal e, assim, se deu um ataque de ciúmes. Isso pode explicar, ainda segundo ela, o fato deLucas de sido encontrado na cama e Rossi no chão.José Guizo contou que Cristina, momentos antes, lhe confidenciara que Lucasassassinara o seu marido.Olívio Bento disse que chegou a falar com Lucas. Este, fraco, disse que o amigo oatacara primeiro, mas não disse como esse foi morto. Serafim disse ter visto os corpos deambos pela casa. Confirmou a respeito da relação entre Cristina e Lucas. Inclusive, por contadisso, Rossi desejou se mudar, mas a esposa não quis, preferindo ficar perto de Lucas. Por umtempo curto, então, Rossi se afastou de casa, mas voltou porque Lucas estava dizendo queCristina era a sua mulher. Na sua opinião houve briga do casal e Cristina saiu à loja de Lucasa fim de chamá-lo para defendê-la. Portanto, acreditava que o seu amigo foi assassinato pelosdois amásios. Fato que ficou evidente, assistido por todos que chegaram à casa, quando elapassou por cima do cadáver para acudir Lucas. (BRASIL, 1886, caixa, 1212, registro 11764).O exame de corpo de delito de ambos foi realizado na Santa Casa de Misericórdia. Deacordo com os legistas, na hora do crime, Rossi se encontrava calçado, vestido com uma calçade linho e uma camisa de meia. Suas vestes estavam rasgadas, com oito ferimentos dispersospelo corpo. Por outro lado, Lucas estava descalço e vestia camisa de meia e ceroula dealgodão. Ele recebeu três facadas e morreu em decorrência de uma hemorragia interna. Paraos legistas não havia dúvidas de que houve luta corporal. Pelos ferimentos, teriam comoafirmar que Rossi lutou pela vida. Para os legistas não havia dúvidas de que não se tratava desuicídio, como dissera a viúva e Lucas, antes de morrer, mas sim de um caso de assassinato(BRASIL, 1886, caixa, 1212, registro 11764).Baseado nesses pareceres, mesmo que ainda deficiente de outras provas, o inquéritopolicial foi aberto e Cristina foi acusada formalmente de ter concorrido para o assassinato do marido. Fato agravado por ter mudado a versão em momentos diferentes. Ora, disse que secortou por causa da tranca de uma porta, ora por ter pego a faca, instrumento do crime, dasmãos do filho. Disse também desconhecer o fato de ter confessado crime a José Guizo porquesequer o conhecia.No dia vinte e um de outubro do mesmo ano, a denúncia foi acatada pelo MinistérioPúblico. Mas a Secretaria de Polícia da Corte informou que ela saiu do Rio de Janeiro e foiresidir na província de São Paulo. Descobriram, ainda, que ela estava se preparando parapartir para Buenos Aires, onde ia morar na casa de uma tia italiana.
Mais de dois anos depois, no dia 15 de dezembro de 1888, Cristina, que havia mudado o nome para Carolina Filomena, se encontrava empregada na fazenda do capitão Martinho Dias Batista Pires, em Sorocaba, São Paulo, onde foi presa e trazida para a Corte, onde ficou presa na Casa de Detenção a espera do julgamento. Ficou por lá por quase um ano.
Finalmente, em dezesseis de outubro de 1889, após alguns dias de julgamento, foi absolvida da acusação de assassinato. Suas últimas palavras no tribunal foram: “[...] sou viúva há quase três anos e o meu marido Rossi se suicidou na Rua do Jogo da Bola, nº 28, com uma faca, momentos depois de assassinar o seu patrício italiano de nome Antonio Lucas” (BRASIL, 1886, caixa, 1212, registro 11764, p.103). Portanto, até o fim, sustentou a tese de suicídio.
Caso interessante. Mesmo tendo sido considerada adúltera, Cristina foi isentada dessecrime, mas indiciada pelo de tentativa de homicídio. Mudou de cidade e nome. Ao que tudoindica, tentou recomeçar a sua vida após o ocorrido. Nos processos a respeito de homicío outentativa, em todos os dezoito casos encontrados, as mulheres foram absolvidas em todos eles.Cristina, portanto, não foi exceção.Mas não é isso que nos aproximou da ré, mas sim por ter permanecido na Casa poralgum tempo. Como as demais que por lá estiveram, Cristina também não nos legou qualquervestígio da sua passagem pelo estabelecimento, sequer os seus registros aparecem nos Livrosde Matrículas da Instituição. Mas isso não nos impede de interrogar o que era essa instituição.Se os reformadores imperiais definiram a prisão como lugar de produção da criminalidade,então por qual motivo ela foi criada? Que práticas carcerárias foram evidenciadas? O que aregulamentação ordenava e como foram as resistências? De que forma essas experiênciasforam de cunho (re)educativo? Questões que tentaremos responder a seguir. [p. 156, 157]
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