'Novas Cartas Jesuíticas (De Nóbrega a Vieira) - 01/01/1940 Wildcard SSL Certificates
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Novas Cartas Jesuíticas (De Nóbrega a Vieira)
    1940
    Atualizado em 03/09/2025 05:09:05

  
  
  


terra - dentro, muito poucas se comem uns aos outros,a não ser uns que andam sempre nos matos e não têmcasas, e são de todo selvagens. .Há grande disposi~ão para se hazer neles grandefruto. E não sei já quais são as cadeias que detêm osIrmãos. Se por esta gentilidade se pudesse andar semlevar resgates e ferramenta, já não esperáramos tanto,porque para passar despovoados que há é mister levarindios e guias, que ensinem o caminho, e que matemcaça e pesquem e tirem o mel das arvores, porque nãohá . outro sustento, e para levarem cargas do que seleva e para o mais sustento, porque sem o pagar nãoo farão.Eu, por achar esta casa com muita gente e por meparecer em nenhuma ou~ra ser mais necessario, m,edeixei ficar nela e enviarei o Padre Leonardo Nunesà Baía, com Pero Correia para repartir os Irmãos doReino .como Nosso Senhor lhes mostrar e Pero Correiavisitará a costa e as casas, por razão da muita autoridade e crédito que tem com a gentilidade de todas aspartes; e se ordenará de missa, se o Bispo já tiver poderpara dispensar com êle sobre homicídios voluntarios,que tem, dalguns indios desta terra. E se o Bispo nãotem tal poder, da Baía escreverão para que o alcancemdo Papa, para êle e para todos os mais destas partes.Eu me fico fazendo prestes até à sua vinda, paralogo entrarmos. O que temo muito é que a cobiça assim dos castelhanos, como dos portugueses meta a sizaniaentre a gentilidade de maneira que prejudique tudo,com grandes escandalos e com maus exemplos; porqueisto mesmo tem prejudicado a gentilidade da costa e.criado odio e rancor nos corações contra os cristãos.E no Paraguai, cidade dos castelhanos, 500 homenstêm sujeitos aos gentios carijós, que têm mais de 300leguas de terra. E não os sujeitam ao jugo de Cristo [p. 43]

criados, assentamos ir cem leguas daqui a fazer uma casa, e nela recolher os filhos dos gentios e fazer ajun-tar muitos indios em uma grande cidade, fazendo-os viver conforme a razão, o qual não fora muito dificil, pelo que da terra já havemos sabido e vemos por expe-riencia e o Ir. Correia obrigava a isso a vida, pelo que dos índios conhece. Não se pôde isto esconder a Satanaz, porque ha-vendo-me o Governador dito que lhe parecia bem entrar-mos, desde que soube que levávamos capela e cantores, . e que haviamos de fazer casa, o estorvou por todas as vias, dizendo que se acolheriam lá os malfeitores, e outros homens devedores fugiriam• para lá, e que quan-do os Indios fizessem alguma coisa mal feita, que não poderiam vingar-se dêles, pelo perigo em que nos pú-nhamos. As quais todas e outras muitas parecem ter alguma côr, mas não deviam bastar; e a principal causa de todas foi fechar-se o caminho, por razão dos caste-lhanos, que estão pouco mais de cem leguas desta Capi-tania, e dizem que na demarcação de El-rei de Portugal. E tem-se por certo haver muita prata na terra é tanta que dizem haver serras delas, e muita noticia de ouro, pelo qual fechou e atalhou o caminho, até Sua Alteza prover a isso. E que, pois o cortava aos outros, não · parecia bem irmos nós, nem bastou dizer que iríamos a parte de tudo desviada, onde não houvesse ouro nem prata, nem caminho para lá. O que muita tristeza causou a todos os Irmãos, por razão dos muitos fervores que tinham de empregar os seus trabalhos e vida no serviço de Nosso Senhor. Depois de partida de aqui a armada, daí a poucos dias chegaram uns homens, que tinham ido à terra firme dentro, a descobrir a noticia de ouro, onde anda [p. 41]

7. 6.A Santo Inácio de LoiolaDe S. Vicente, 25 de Março de 1565 (21).PROFISSJ.O SOLENE - LEONARDO NUNES - CA•RltNCIA DE PADRES - COLtGIOS - PARAGUAI ·-PAZ COM OS COLONOS - MESTIÇOS - DISPENSASMATRIMONIAIS FONTIFICIAS - DEGREDADOS - CA·RIJOS.A suma graça de Cristo Nosso ·Senhor seja sempreem nosso contínuo favor, amen.No ano passado de 1554, depois de partir o PadreLeonardo, vieram dois navios a êste S. Vicente, onde hádois anos que resido, pelos quais recebi uma de V. P.escrita por duas vias, com a qual exultavit spiritus meusin Deo salutari meo, porque a caridade paternal quenela conhecemos erat oleum ef fusum in cordibus nostris.Nela me dava faculdade, e me mandava fazer minha tãodesejada profissão, de mim tão mal merecida, e de quesempre me reputo indigno, sed Dominus fecit mihimagna, qui potens est de lapi,de isto suscitare umumfilium Abrahae, mas não a fiz até ao presente, por nãohaver pessoa, em cujas mãos a faça. Esperamos aquipelo Bispo, e se não vier, irei eu buscá-lo à Bafa ouonde estiver. ·E porque das coisas desta terra V. P. será informado pelo Padre Leonardo Nunes, que para êste efeito [p. 55]

de cá mandei o ano passado, (22) e pelas mais cartasque, assim desta Capitania de S. Vicente, como dasoutras, irão, não me resta a mim dizer outra coisa,senão avisar a V. P. que tem cá muita obra, esperandopela Companhia, de gerações sem conta, mui dispostaspara todo o bem, porque tanto guardam a lei natural,que creio que, a muitas, pouco mais falta que conhecera Cristo Nosso Senhor; mas eu até agora não ouso acometer tão grande emprêsa, quia hominem non habeo,nem tem a Companhia cá até ao presente soldados paratão grande· conquista, porque os Irmãos que cá há, nãosão para mais que para se conservar juntos num corpo,e ainda com trabalho, e se se dividirem como é necessário, para fazer bem nosso offoio, alguns se perderão,e Cristo Nosso Senhor perderá sua glória, e a Compa--nhia diminuirá seu crédito; e porque nêste S. Vicenteachei mais fraqueza e muitos Irmãos, me pareceu hadois anos residir aqui.

(22) Leonardo Nunes naufragou durante a viagem, no dia 30 de Junho de 1554. Como se vê, nove meses depoisainda se ignorava, em S. Vicente, a infausta notícia. Cf.i.nfra1 a carta de Luiz da Grã, de 24 de Ai:>ril (.ie 16~6,

E saiba V. P. que até agoranão tenho a quem encomende êstes Irmãos, para quepossa ir visitar as outras Capitanias, nem sequer metenho avistado com o Padre Luiz da Grã, meu colateral,havendo já cerca de dois anos, que êle veio a estaspartes, porque êle veio à Baía e não conveio eu ir atéao presente, nem poderá ser estar sempre juntos, comoV. P. pensara, porque nenhum outro sinto de quem sedeva confiar uma casa de muitos irmãos, as quais nestaspartes são duas até ao presente, esta de S. Vicente,onde há mais gente, e a da Baía, e nestas duas nosconvem estar divididos; e, portanto, é necessário queV. P. proveja de três ou quatro Padres, e tais que se-[p. 56]

prof erimus spiritum nostrum, simul cum sapiens reservetin posterum. Tal costume faça V. P. tirar, porque em nenhumas partes são tão necessárias a prudência, fortaleza,ciência, espirito e tôdas as outras virtudes, como aqui,para o negócio da conversão dos infieis, porque de contínuo sucedem coisas que requerem homem undequaqueper/ ectum, e todavia para estar em casas e colégios recolhidos, em companhia de outros, menos é necessário.Desta Capit ania de S. Vicente, a cento e cinqúentaléguas, pouco mais ou menos, está edificada uma cidadede castelhanos chamada Paraguai os quais teem subjugado cem léguas em redondo muito número de gentio,de diversas gerações. :fi;ste é o mais maduro fruto para .se colher, que há agora nestas partes & omnes hi tamcastellani quami genti"les petunt panem & non est quifrangat eis, porque os obreiros que lá tem não são senãode maldade. Eu sou importunado cada dia assim dosespanhois por cartas que me mandam, como dos mesmosíndios, que veem de muito longe com grandes perigos,buscar-nos. Até agora, por não ter pessoa suficientee por outros respeitos, não mandei. Espero pelo PadreLuiz da Grã e com seu conselho determinarei, e creioque se vão ordenando coisas, que será lá a minha idanecessária; e a certeza escreverei por outra via a V. P.,depois que de todo estiver determinado e resolvido.Quando a esta Capitania cheguei haverá dois anosachei nela . alguns escândalos nos próximos, que nasceram de algumas espécies de mal, ainda que na verdadenão havia coisa verdadeira, mas o zelo indiscreto o havia causado, por onde tivemos trabalhos, mas como secortou e tirou tudo e a verdade apareceu, gozamos jáde paz e tranqúilidade no Senhor, e todos os Padrese Irmãos estam agora bons em Cristo Jesus Nosso Senhor. O Padre Leonardo levou apontamentos para dardêles conta a V. P. e entre êl~ era um, se aceitaríamos [p. 58]

para os que se convertem· à fé de Christo, e para osmestiços, filhos dos cristãos, porque de outra maneiranão se poderá dar remédio a muitas almas. Isto, eo mais que o Padre Leonardo Nunes leva por apontamento, proveja V. P . com brevidade.

Torno a dizer a V. P . que se esta costa do Brasil não se povoar de melhor gente, do que até agoratêm vindo a ela, a qual faça viver os índios em razão ejustiça, não se pode fazer mais conta dela que de sustentar-se alguns Irmãos da. Companhia em Colégios,e ganhar-se alguns filhos dos índios, alguns dos quais,depois de grandes, não são seguros de voltar aos costumes de seus pais e por isto nos parecia bem mandá-los, mas não nô-lo deixam fazer os que mandam aterra, por não suceder coisa de que os índios se pos.sam enfadar, ainda que seus pais os deem de boa vontade, como aconteceu quando o Padre Leonardo Nunespartiu, o qual levava quatro ou cinco ao colégio deCoimbra, e não lho permitiram, ainda que era vontade de seus pais. A causa porque nestes índios, de tôda esta costa onde habitam os Portuguêses, se fará pouco fruto ao presente é porque estam indómitos e a estaterra não vieram até agora senão desterrados da maisvil e perversa gente do Reino, e se algumas aparênciasde bem, e alguma esperança nos têm dado nêstes seisanos, que aqui com êles tratamos, têm-no causado maiso interêsse e a esperança do que êles têm, do que o fervor da fé que em seus corações tenham.

E por issodisse acima que os infieis da costa não cstam tão maduros para colher-se dêles fruto, como os infieis queconfinam com o Paraguai, terra do Imperador, os quaisestam já sujeitos a seu jugo. Assim que me pareceque com êstes gentios da costa se fará pouco, e comaquêles onde não chegou a conversação dos cristãos, umpouco mais e com aquêles que estam já sujeitos e do-para os que se convertem· à fé de Christo, e para osmestiços, filhos dos cristãos, porque de outra maneiranão se poderá dar remédio a muitas almas. Isto, eo mais que o Padre Leonardo Nunes leva por apontamento, proveja V. P . com brevidade.Torno a dizer a V. P . que se esta costa do Brasil não se povoar de melhor gente, do que até agoratêm vindo a ela, a qual faça viver os índios em razão ejustiça, não se pode fazer mais conta dela que de sustentar-se alguns Irmãos da. Companhia em Colégios,e ganhar-se alguns filhos dos índios, alguns dos quais,depois de grandes, não são seguros de voltar aos costumes de seus pais e por isto nos parecia bem mandá-los, mas não nô-lo deixam fazer os que mandam aterra, por não suceder coisa de que os índios se pos.sam enfadar, ainda que seus pais os deem de boa vontade, como aconteceu quando o Padre Leonardo Nunespartiu, o qual levava quatro ou cinco ao colégio deCoimbra, e não lho permitiram, ainda que era vontade de seus pais.

A causa porque nestes índios, de tôda esta costa onde habitam os Portuguêses, se fará pouco fruto ao presente é porque estam indómitos e a esta terra não vieram até agora senão desterrados da mais vil e perversa gente do Reino, e se algumas aparências de bem, e alguma esperança nos têm dado nêstes seis anos, que aqui com êles tratamos, têm-no causado mais o interêsse e a esperança do que êles têm, do que o fervor da fé que em seus corações tenham.

E por isso disse acima que os infieis da costa não estam tão maduros para colher-se dêles fruto, como os infieis que confinam com o Paraguai, terra do Imperador (Carlos V), os quais estam já sujeitos a seu jugo. Assim que me parece que com êstes gentios da costa se fará pouco, e com aquêles onde não chegou a conversação dos cristãos, um pouco mais e com aquêles que estam já sujeitos e domésticos se fará muito fruto, e êstes são os que chamam Carijós, que é uma geração muito grande que chega até ao Perú, ainda que no meio delas se metem outras muitas, as quais não são menos boas, e até algumas cremos serão melhores como temos por informação certa.

Pelo Padre . Leonardo requeria ao padre Provincial de Portugal, a quem até agora tive obediência, metirasse êste cargo, para o qual me sinto ex omni parteinsuficiente, e sou-o na verdade, e creio que se NossoSenhor aí o levou, e V. P . fôr informado da verdadee das muitas faltas e erros, que faço cada dia, no queme é encomendado, me tirara a mim do perigo de minha perdição, e à Companhia, de quem é pai, de grande perigo de se diminuir e apoucar seu crédito, e porcerto tenho, que se V. P. conhecera de mim um poucodo muito qu~ Nosso Senhor conhece, nunca me daria otal encar go. Portanto peço-lhe pelas entranhas de Cristo Nosso Senhor, ut loces vineam tuam alii colono, quitibi in tempore uberiores fruc tus referat, & dimittasme, ut refrigerer paulum e mui confiado de ser assimo espero, & haec erit 1mica spes mea. Nada mais poresta, senão que eu e todos êstes seus filhos pedimos serencomendados em suas orações, e assim pedimos humildemente · sua benção in Christo I esu Domino N ostro.De S. Vicente, 25 de Março de 1555.De V. P. filho inútilN6brega [p. 61]

Ao P. Miguel de Torres, Provincial de . Portugal Da Baía, 2 de Setembro de 1557 (23). MEM DE SÁ - PROCURATURA EM LISBOA - D. DUARTE DA COSTA - TOMt DE SOUSA - FORTA-LEZAS DO BRASIL - SfTlO DO COLEGIO DA BAIA - IGREJA - ASSUNTOS EC´ONôMICOS - RENDAS DE EL-REI - NEGROS DA GUINt - CARIJôS -PROJECTO DE IDA AO PARAGUAI - CAPITANIA DE S, VICENTE - DOENÇAS DE NóBREGA - COUGIO DE PlRATININGA - MARTIM AFONSO DE SOUSA -SANTO ANDRt DA BORDA DO CAMPO - ESPIRITO SANTO - FRANCESES - INFORMAÇÕES DOS PADRES E IRM.i.OS - CARTAS A EL-REI. A graça e paz de Cristo Nosso Senhor seja sempre em nossas almas, Amen. Depois de ter escrito por esta mesma via, de Por-to Seguro, chegou uma caravela da armada, que vinha com Mem de Sá, a qual o perdeu dous gráus antes de chegar à linha, e chegou aqui com a nau da India, que vinha em sua companhia. Por est{l caravela recebemos cartas da segunda via, com tudo o que elas diziam que a caravela nos trazia, às quais responderei o melhor que puder, porque a brevidade do tempo não me dará lu-(23) Bras. 15, 41-44. Carta original, quási metade au-tógrafa. A primeira parte é da mão de António Blasques, que serviu de secretário a Nóbrega. [p 62]

gar a fazê-lo como era necessar10. Mas, no que nesta · faltar, suprirei pela mesma caravela, a qual diz o Go-vernador que mandará, quando de todo em todo não vier Mem de Sá, de cuja vinda estamos já desconfia-dos por êste ano, e presume-se que por falta de água arribaria ás Antilhas. Isto é o que comunmente cá se trata. Quanto ao que diz o Padre Francisco Anriques, que, por falta de miuda informação se não requerem lá nossas cousas, como convém, é assim, porque variam-se lá tantas vezes as pessoas que connosco cá têm con-ta, que quási cada ano se mudam. E cá não conside-ramos ser necessário de novo tornar a repetir o que por muitas vezes está escrito, porém daqui avante o farei o melhor que puder. Acêrca do apartamento dos moços pratiquei cá com os Padres e no que mais comunmente nos resolve-mos foram ns seguintes conclusões. A primeira é que, por mais propício que Dom Duarte nos seja, nem Tomé de Sousa, nem nenhum de cá ha-de mover El-Rei a que gaste de sua fazenda em nos fazer colégio, antes to-dos lhe hão de clizer que bem estamos, o que cá bem entendemos e bem se vê, pois não apareceu lá a traça e debuxo que cá o Governador mostrava mandar com tanto gosto. A razão disto é porque, posto que mos-trem ser nossos devotos, não entra em seu entendimen-to dever-nos El-Rei fazer o Colégio, estando n Sé por fazer e assim um engenho que El-Rei mandou que se fizesse, que todos julgam ser muito proveito da ter-ra, e muitos ordenados por pagar (muitos dêles escusa-dos) que o .fazer-se o colégio (24). E para tudo isto ~ (24) Frase de Blasques, mal construida. Entende-se que todas aquelas obras, segundo a mente dos . Governadores, deviam fazer-se antes do Colégio. [p. 63]

não há cá com que se fazer, nem de lá se manda o ter-ço, do que para tantos gastos é necessário, além de ou-tros gastos de outras Capitanias, e todos julgam ser mais importantes como são fazer fortalezas´ no Rio de Janeiro, na Birtioga de S. Vicente e socorrer ao Es-pírito Santo, que são todas coisas em que todos mais trazem os sentidos que em colégios nossos. A segunda conclusão é que as casas, que temos, não lhes vemos maneira para nós e moços estarmos nelas apartados, salvo se rompermos o muro da cidade e fi. zermos algumas casa da banda de fóra no sitio que pa-ra o colégio está deputado. E para isto não temos po~ibilidades para as fazer, nem sei se nos darão li-cença para romper o muro. As casas, que agora te-mos são estas, s. uma casa grande de setenta e nove palmos de comprido, e vinte e nove de largo. Fizemos nela as seguintes repartições, s. um estudo e um dor-mitório e um corredor e uma sacristia por rezão que outra casa que está no mesmo andar e da mesma gran-dura não serve de igreja, por nunca, depois que esta-mos nesta terra, sermos poderosos para a fazer o que foi causa de sempre dizermos missas em nossas casas. Neste dormitório dormimos todos, os Padres como Ir-mãos, assaz apertados. Fizemos uma cozinha e um re-feitório e uma dispensa que serve a nós e aos moços. Da outra parte está outro lanço de casas da mesma com-pridão. Em uma delas dormem os moços, em outra se lê gramática, em outra se ensina a ler e escrever. To-das estas casas, assim umas como outras, são térreas. Tudo isto está em quadra. O chão, que fica entre nós e os moços, não é bastante para que repartindo-se êles e nós fiquemos agasalhados, maiormente se nêle lhes houvessem de fazer refeitório, dispensa e cozinha, co-mo será necessário. Todas as mais casas necessárias a uma comunidade nos faltam a nós e a êles como são [p. 64]

umas necessárias, casa da água e de lenha, e outras des-ta maneira, que cá são muito necessárias. E no sítio não há maneira para se fazer. E sobretudo não lhe fi-ca serventia para a fonte e coisas necessárias, ultra de não terem igreja senão a nossa. A terceira é que nos parece que repartindo-nos não faltará quem diga a El-Rei que bem estamos e assim nunca nem nós nem êles estaremos agasalhados como convém, pelo qual nos parece que se devia de dizer a Sua Alteza como estamos apertados, e que não é possí-vel cabermos neste chão. Portanto que a êles ou a nós dê agasalho. Para nós, agora, abastam-nos es- · · tas casas, que nós, com muito trabalho nosso e com pou-parmos essa pobre esmola de El-Rei, fizemos, respeitan-do a pobresa da terra e aos muitos gastos que cá · tem Sua Alteza com pouco proveito, mas há-de ser com ti-rar daqui os moços para outra parte, ou não querer que os haja, nem casa deles que seria de todo perder a espe-rança· de se frutificar nesta terra alguma cousa; e, por isso, o melhor seria dar-lhes êste sítio, e a nós faze-rem-nos um pobre agasalhado da banda de fora do mu- · . ro, no lugar que para isso se escolheu, e vendo, entre-tanto, que não vem resposta trabalharemos quanto fôr possível por haver alguma maneira de apartamento. A · quarta é que nos parece bem, além da superintendên-cia espiritual dos moços, convir muito que o Provincial ou Reitor de nosso Colégio sómente, tenha também a su-perioridade em o mais, para pôr e tirar e ordenar as coisas dos moços, escolhendo quem dêles tenha cuidado e do seu, e êsse tirando e pondo, quando lhe parecer. Porque se de todo os alargarmos, em breve tempo será tudo tornado em nada, segundo o que por experiência al-cançamos. E não tem êles mais ser e vida, nem sua ~asa, que quando nós assopramos, maiormente sendo os mais ou todos moços do gentio de quem a gente desta [p. 65]

terra tem muito pouco gosto e devoção, pelo muito ódio que comunmente se tem a esta geração, e por isso de· duas uma devemos escolher : ou não fazer conta dêles que podem permanecer, ou ter-se com êles e suas coisas a superintendência que digo. O que os moços cá têm, para sua mantença, são qua-renta mil reis cada ano, bem mal pagos, e tudo o mais que nós lhe quisermos dar. Minha intenção, quando esta casa se principiou, foi parecer-me que nunca meninos do gentio se apartariam de nós, e de nossa administração, e o que se adquiriu foi para nós e para êles. Dos mo-ços orfãos de Portugal nunca foi minha intenção adqui-rir a êles nada, nem fazer casas para êles senão quanto fosse necessário para com êles ganhar os da terra e os ensinar e doutrinar e êsses haviam de ser sómente os que para êste efeito fossem mais necessários e de cá se pedissem. E todavia nos parece bem dar-lhes as ter-ras, porque se pediram para os meninos dos gentios por não haver escândalo e dizerem que com título de mo-ços adquirimos para nós; e para o nosso colégio se devia pedir a el Rei uma légua ou duas de terra, onde nos me-lhor parecer, em parte onde não fôr ainda dada, posto que já agora não pode ser senão longe, por ser tudo dado, e bastará escrever Sua Alteza ao Governador que, onde fôr mais conveniente, as dê. Uma igreja temos principiada há três ou quatro anos, e por esperar recado de el Rei e também por não sermos poderosos para acabar, nem nos pagarem cá nos-sa esmola, não se acabou, o que é causa de termos pou-co encerramento, pois é necessário fazermos igreja do que se fez para dormitório, e desta maneira estamos mui-to devassos e apertados, como já disse. Determinamos cubri-la como quer, porque esperamos ao diante não haver de servir de igreja por algumas razões: a uma é porque nossa possibilidade, como digo, não nos deixa [p. 66]

fazê-la como convém para igreja, a outra que esta casa está tão pegada com a Sé, que, por manso que falem, se ouve em uma igreja o que se faz em outra; e, portanto, nos parece bem que se faça da outra banda dêste sítio, · em que estamos, por estar mais afastada da Sé, o que esperamos que Sua Alteza mande fazer, se todavia êste sítio houver de ficar connosco. Quanto ao que diz o Padre Francisco Anriques que mande certa e larga informação do que se pode or-denar para dote e mantimentos das casas: quanto a esta Capitania, digo que El Rei tem nela, de renda dos dízimos, o seguinte. s. as miunças rendem cento e vin-te mil reis. Nisto andam arrendadas em cada um ano. O peixe, mandioca, e algodão que andam arrendados sôbre si rendem setenta ou oitenta mil reis em dinhei-ro. O acuçar de um engenho, que até agora não há outro na terra, anda em cento e cinquenta arrobas de açucar que vale a cruzado · a arroba. Todos êstes . di-zimos se espera que vão crescendo, segundo a terra se fôr povoando. De aqui podia El-Rei dar o que quisés-se, contanto que fôsse perpét uo. A nós mais nos ser-vem os dízimos das miunças, porque entram neles as criações. De S. Vicente escrevi, conformando-me com o Padre Luiz da Grã, que nos parecia não se haver de aceitar de El-Rei terras nem escravos para grangearia; agora, conformando-me com o que de lá escrevem, e com o parecer dos Padres daqui, digo que se aceite tudo até palhas; e digo que se Sua Alteza nos quisesse mandar dar uma boa dada de terras, onde ainda não for dada com alguns escravos de Guiné, que façam mantimen-tos para esta casa, e criem criações, e assim para an-darem num barco, pescando e buscando o necessário, seria muito acertado, e seria a mais certa maneira de mantimentos desta casa. Escravos da terra não nos pa-rece, bem tê-los por alguns inconvenientes. [p. 67]

Destes escravos de Guiné manda êle trazer muitos à terra. Podia-se haver provisão para que dos primeiros que vies- · sem nos desse os que Sua Alteza quisesse, porque uns três ou quatro que nos mandou dar, há certos anos, to-dos são já mortos, salvo uma negra que serve esta casa de lavar roupa, ainda que não o faz mui bem escusa-nos muitos trabalhos. A mantença desta casa foi até agora muito trabalhosa e quási miraculosamente se mantém ne-la tanta gente, sem ter escravo que pesque, nem que tra-ga água e lenha e coisas semelhantes; e fôra-o muito mais se não nos repartíramos pelas Aldeias dos lndios, que nos mantinham e daí muitas vezes se proviam os desta casa.

Desde que fui entendendo por experiência o pouco que se podia fazer nesta terra na conversão do gen-tio, por falta de não serem sujeitos, e ela ser uma ma-neira de gente de condição mais de feras bravas que de gente racional, e ser gente servil que se quer por mêdo e sujeição, e conjuntamente ver a pouca esperan-ça da terra se ensenhorear e ver a pouca ajuda e os muitos estorvos dos cristãos destas terras, cujo escân-dalo e mau exemplo abastara para se não converter, pos-to que fôra gente doutra qualidade, sempre me disse o coração que devia mandar aos Carijós, os quais estão senhoreados e sujeitos dos castelhanos do Paraguai, e mui dispostos para se nêles frutificar, e em outras ge-rações que também conquistam os castelhanos, e junta-mente com isto fazerem-me de lá instância grande por muitas vezes, s. o Capitão e os principais da terra, prometendo todo o favor e ajuda necessária, pàra bem empregar nossos trabalhos, assim antre os cristãos como entre os gentios.

Tive também cartas de pessoas que esperavam nossa ida com desejos de servirem a Nosso Senhor, nesta Com-panhia, de muito boas partes para isso, e com isto ver [p. 68]

que a Capitania de S. -Vicente se vai pouco a pouco des-povoando, pelo pouco cuidado e diligência que nisto El-Rei e Martim Afonso de Sousa têm, e se vão lá passan-do ao Paraguai pouco a pouco, e considerar eu os mui-tos irmãos que há em S. Vicente e o pouco que se faz aí, e parecer-me que seria bom ter lá a Companhia um ninho onde se recolhesse, quando de todo S. Vicente se despovoasse, ajuntava-se a isto parecer-me que estando lá os da Companhia se apagariam alguns escândalos que os Castelhanos têm dos Portuguêses e, a meu pare-cer, com muita razão, porque usaram muito mal com uns que vieram a S. Vicente, que se perderam de uma armada do Rio da Prata, vivendo eu com êste desejo o deixei de pôr por obra, por não ter quem mandar e al-gumas vezes estive determinado de eu mesmo lá ir a sa-ber o que se poderia fazer; nisto chegou o Padre Luiz da Grã o qual desejei muito que fosse, mas porque o achei de opinião contrária acquievi consílio eius.

E tive o men espfrito por suspeitoso. Depois, vindo eu agora há um ano a esta Baía, achei cartas do Provincial, o doutor Torres, em resposta do que sôbre isto lhe tinha escrito; depois de as ler aos Padres, que aqui estavamas, pedi a todos seu parecer, os quais mandei com as cartas ao Padre Luiz da Grã, tirando-me a mim afora, sem dar parecer de sim nem de não, dizendo-lhe que fizesse fazer oração e aconselhando-se com as cartas que lhe mandavam de Portugal, e, com o parecer dos Padres e . irmãos, se lá parecesse bem, entrasse in nomine Domini. Agora recebi carta sua em como, feito o que lhe escrevi, todos os Padres e Irmãos, tirando um só, eram em opi-nião que fosse àquela terra; e por isso estava determi-nado de ir, se o caminho ( que àquele tempo estava pe-rigoso) se assegurasse. Mas, tornando ao propósito, o que sempre nos deteve foi parecer-nos que S. A. pode~ ria disto ter algum desgosto, e esta foi a principal ra[p. 69]

zão que isto estorvou até agora. Se lá o sentirem po-dem-no escusar como lhes parecer melhor. E, além da tal ida ser muito de serviço de Nosso Senhor, convinha para se ordenarem lá cinco ou seis irmãos de S. Vicen-te com o Bispo que já lá é. E é muito mais conven ien-te ordenarem-se lá que virem à Baía, quan to mais que não há Bispo nem sabemos quando o haverá nes-ta costa. Escreve-me o Padre Luiz da Grã que agora não po-de levar mais que um Irmão por companheiro para se lú ordenar que é o Irmão Chaves, muito boa coisa, e pede-me que mande quem daqueles irmãos tenha cuida-do pelo qual será forçado ir lã um Padre de quatro que aqui estamos, que aqui ha de fazer muita falta. Portanto se deve lá trabalhar por nos mandarem socor-ro logo, ao menos de um Provincial e alguns Padres e Irmãos, que ajudem, porque a mim devem-me já ter por morto, porque ao presente fico deitando muito sangue pela hôca. O médico de cá ora diz que é veia quebrada, ora que é do peito, ora que pode ser da cabeça : seja don-de for, eu o que mais sinto é ver a febre ir-me gastando pouco a ponco ( 25).

A Capitania de S. Vicente, como digo, vai pioran-do e cada vez as rendas de el Rei valem menos; e por isto me parece que não há que fal ar nisso nada, só-mente se podia pedir a Martim Afonso de Sousa sete ou oito léguas de terra para o col égio de Piratininga; e as mais convenientes, que me pareciam, eram começan." do no porto que agora chamam Pirat.inim, junto de uma lagôa, pelo Rio Grande abaixo, à mão esquerda, sete ou oito léguas de comprido e outras tantas de largo, e não é grande data, porque é no sertão, onde não está dado a ninguem, e servirá isto para quando em algum tem-(25) Daqui em diante a carta é do punho de Nóbrega.[p. 70]

po aquilo se povoar, o que se espera, se a terra melho-rar, porque é a melhor cousa que há no Campo. E não tenha por muito Martim Afonso dar isso a um Colégio, pois há homens particulares em S. Vicente, a quem se dá muito mais terra; e creio que, se alguma coisa pode fa-zer que os moradores não despovoem aquela Capitania, será estar ali aquela casa.

Também me parece que se de-via dizer a Martim Afonso e a Sua Alteza que, se quer que aquela Capitania se não despovoe de todo, que deem liberdade aos homens para que os do Campo se ajuntem todos juntos, no rio de Piratininga, onde êles escolhe-rem, e os do mar se juntem também todos juntos, onde melhor for, por . estarem mais fortes, porque a causa dt> despovoarem, é fazerem-nos viver na vila de Santo An-dré à Borda do Campo; onde não têm mais que farinha e não se podem ajudar do peixe do rio, porque está três leguas daí, nem vivem em parte conveniente para suas criações; e, se os deixassem chegar ao rio, teriam tu-do e sossegariam. Os do mar vivem em mais trabalho, porque, posto que tenham peixe em abastança não têm terras para mantimentos, nem para criações e sobretu-do vivem em grande desassossêgo, porque são cada dia perseguidos dos contrários e o mantimento que comem vem do Campo, dez ou doze léguas de caminho o mais mau que se pode. imaginar.

Parece-me que se El-Rei não pro-vê de maneira que aqueles contrários percam tanta so-berba que deem lugar aos moradores se estenderem pela Britioga, que dizem que é boa terra, o que podia bem ser se o Rio de Janeiro se povoara, como sempre se desejou, e se se pretendesse nesta terra senhorear os índios, como melhor pudessem. Se nisto se não provê com brevidade a mim me parece que aquela Capitania se perderá, e, porque destas coisas devem ser melhor informados pela via de S. Vicente, cesso.[p. 71]

Do Espírito Santo tenho boas novas do fruto que se faz com o gentio, que chamam os do Gato, e com a es-cravaria, posto que por serem poucos moradores e não se ir melhorando nada, está em perigo dos mesmos con-trários, que a S. Vicente chegam, e dos outros da ter-ra, e dos francêses; e de tudo irá mais larga informa-ção nos Quadrirnestres que irão na primeira embarcação, que desta Baía for, porque até agora não foi nenhuma êste ano. Quanto ao que diz que mande dizer quem há cá para fazer votos de coadjutores espirituais e temporais, parece-me que todos os que de lá vieram, tirando al-gum, que cá se pode ver. Dos que cá se receberam, também haverá quatro ou cinco que o Provincial que vier poderá escolher, o qual em tôda maneira venha ês-te ano, antes que tudo se perca, e não lhes pareça que por humildade digo isto, senão por necessidade, e bas-tam estas palavras para entenderem o que cá pode ir, e digo que me parece que nem um bom Provincial bas-tará se não trouxer alguns que o ajudem. De tudo o que tenho dito se lhe parecer que se deve dar aviso ao Geral, se lhe dê, para que proveja com brevidade. E se querem mais clara informação dos que cá há, digo que o Padre Luiz da Grã, já professo, é servo de Nosso Senhor mui fiel. O Padre Ambrósio Pires é ain-da o mesmo que de lá veio, em sua condição, mas é muito aceito do povo e fizera mais fruto se tomara mais por vontade empregar seu talento. O Padre António Pires é bom filho e ajuda-me cá muito bem, merece bem coadjutor espiritual. O Padre João Gonçalves é minha alegria e consolação. António Blasques é virtuoso, pos-to que ainda mal mortificado em algumas coisas. No Espíritõ Santo, Braz Lourenço, posto que o conversei pouco tempo, parece mais confiado do necessário. Fran [p. 72]cisco Pires é bom filho. Em S. Vicente, o Padre Pai-va é virtuoso e zeloso e apraz muito àquela gente, mas tem pouco saber natural. Afonso Braz é todo bom, mas mui simples e escrupuloso. Vicente Rodrigues tem boa maneira e é edificativo e honesto juizo, mas mui idiota e ignorante. Diogo Jácome tem mansidão natu-ral, mas foi cá muitas vezes tentado de ir ganhar de co-mer a sua mãe e parece que não está bem fundado ain-da. O talento dêstes parece que deve ser de coadju-tores. espirituais, nesta terra, onde abasta qualquer con-fessor e qualquer sacerdote para a doutrina e confis-sões do gentio, o que em outras partes não bastar. Dês-tes todos, que tenho dito, se não é o Padre Luiz da Grã e o Padre Paiva um pouco, e o padre João Gonçalves, que têm muita caridade, todos os mais têm muito pou-co gosto do gentio. Dos que cá se receberam, Simão Gonçalves, que foi o primeiro soldado que cá se tomou, merece bem coadju-tor temporal. . Manuel de Chaves é bom filho e muito humilde e que tem servido muito a seus irmãos e a me-lhor língua que temos, trabalhei de o encaminhar a ser clérigo, pois sabia o latim da terra: se o for, será mui idiota, mas entre outros que mais saibam, se sofre. 1/Jste poderá ser coadjutor espiritual, depois de orde-nado. O irmão António Rodrigues é outrosim língua, que veio do Paraguai, bom filho, e para com o gentio mui zeloso, sabe honestamente para o clérigo . . Eu o trouxe comigo de S. Vicente para o ordenar e não acha-mos já o Bispo. Mateus Nogueira, ferreiro, deve ser coadjutor temporal. Dos outros mais novos e dos estu-dantes não há ainda para que falar, alguns procedem. bem outros não. Nosso Senhor nos tenha a todos de sua mão. Esta· é a gente que cá tem a Companhia e a mim [p. 73]o mais desaproveitado de todos e que iam morior ( 26). Por a carta que escrevo a António Pinheiro poderá ver o que mais faltar. A El-Rei não escrevo agora pela pressa; fá-lo-ei pela caravela, quando fôr, pois mo man-dam. Eu o comecei a fazer no princípio e mandava as cartas abertas, para lá se julgar se se deviam de dar, e escreveram-me que o não fizesse, a tempo que eu ti-nha recebido uma de El-Rei, em resposta de outra, que lhe eu tinha escrito; e porventura que estranharia não lhe tornar a responder. Agora não se oferece mais, o que faltar trabalharei por ir por outra via, que espera-mos será a caravela, quando Mem de Sá de todo não vier. Resta pedir a sua benção, para mim a para to-dos êstes seus filhos e irmãos, com desejos de sermos encomendados em suas orações e sacrifícios. Desta Baía, a dous dias de Setembro de 1557 anos. Filho de V. R. em Cristo Nóbrega (26) Todos estes Padres e Irmãos vieram a falecer na Companhia, excepto Ambrósio Pires, e todos eram Portugue-ses, excepto _António Blasques. Nóbrega não cita Anchieta, cng.lobando entre os mais novos, de quem "não ha ainda para que falar ". Esta página pertence a.o regime interno da Com-panhia de Jesus. Informações habituais que precedem a in-corporação definitiva dos que a ela se acolhem. São boa amostra da singela sinceridade de Nóbrega e do seu senti-mento de responsabilidade. Nomes quasi todos cheios de pres-tigio e que prestaram ao Brasil incalculaveis serviços, na se- gunda metade do século XVI. As suas vidas, os factos es-senciais dela, estão já nos dois primeiros tomai da História da Companhia de Jesus no Brasil. Supérfluo refazê-las aqui. [p. 74]

8.Apontamento de coisas do BrasilDa Baia, 8 de Maio de 1558 (27).TROPELIAS DOS INDIOS - ANTROPOFAGIA - PLANO COLONIZADOR DE NõBREGA - SUJEIÇÃO DOGENTIO - LEGISLAÇÃO PARA OS INDIOS - MENINOSDO GENTIO - MOÇOS õRFAOS DE PORTUGAL ·-MEM DE SÃ - D. DUARTE DA COSTA - ALDEIAS ··•PARAGUAI - CARIJõS - COLtGIO DA BAfA - SUAMANTENÇA - LEGADO DE DIOGO ALVARES " CARAMURiJ" - S. VICENTE - PROJECTO DE IDA AOPARAGUAI.Primeiramente o gentio se deve sujeitar e fazê-lo vi- ·ver como criaturas que são racionais, fazendo-lhe guardar a lei natural, como mais largamente jâ apontei a .Dom Leão o ano passado (28).Depois que o Brasil é descoberto e povoado, têm osgentios mortos e comidos grande número de cristãos etomadas muitas naus e navios e muita fazenda. E trabalhando os cristãos por dissimular estas coisas, tratando com êles e dando-lhes os resgates com que êles fol-(27) Arch. S. I. Lus. Em português.(28) D. Leão Henriques, reitor do Colegio de Evora e confessor de D. Henrique, Cardial Infante ( Cf. FranciscoRodrigues, Hist. \\windows-pd-0001.fs.locaweb.com.br\WNFS-0002\brasilbook3\Dados\resumos\d\d.txt C. de J. ~ Assistenc-ia de Portugal, I,2.0 , 334). Este titulo nobiliárquico de Dom usaram-no, nos começos da Companhia, os P´adres que a ele tinham direitopor privilegio de familia. Depois suprimiu-se tal costume. [p. 75]

cendo a seu criador e vassalagem a S. A. e obediência aos cristãos e todos viveram melhor e abastados e S. A. teria grossas rendas nestas terras. 1l´Jste gentio é de qualidade que não se quer por bem, senão por temor e sujeição, como se tem experimen-tado e por isso se S. A. os quer ver todos convertidos mande-os sujeitar e deve fazer estender os cristãos pola .• terra adentro e repartir-lhes o serviço dos índios àque-les que os ajudarem a conquistar e senhorear, como se faz em outras partes de terras novas, e não sei como se sofre, a geração portuguesa que antre todas as nações é a mais temida e obedecida, estar por toda esta costa sofrendo e quasi sujeitando-se ao mais vil e triste gen-tio do mundo (29). (29) Na carta a Tomé de Sousa, de 5 de Julho de 1559, · dirá Nobrega, a propósito do caso de Ilhéus, em que os colo-nos, só porque os Indios queimaram uma casa, largaram en- genhos, casas e tudo: "nem parecem da casta dos Portugue- ses que lemos nas crónicas e sabemos que sempre tiveram o primado". O conselho de Nóbrega é ou que se largue tudo ou se senhoreie tudo. Nisso só haverá vantagem para os mesmos Indios, para a terra, para o Reino e para Deus. Tomé de Sousa, "faça socorrer este pobre Brasil". ( Çcvrtas do Bra-sil, 216-217).Os que mataram a gente da nau do bispo se podem logo castigar e sujeitar e · todos os que estão apregoa-dos por inimigos dos cristãos e os que querem quebran-tar as pazes e os que têm os escravos dos cristãos e não os querem dar e todos os mais que não quiserem sofrer o jugo justo que lhes derem e por isso se ale-vantarem contra os cristãos. Sujeitando-se o gentio, cessarão muitas maneiras de haver escravos mal havidos e muitos escrúpulos, por-que · terão os homens escravos legítimos, tomados em guerra justa, e terão serviço e vassalagem dos índios e a terra se povoará e Nosso Senhor ganhará muitas almas e S. A. terá muita renda nesta terra, porque ha-verâ muitas criações e muitos· engenhos jâ que não ha-ja muito ouro e prata. Depois desta Baía senhoreada será facil cousa su-jeitar as outras Capitanias porque sómente os estron-dos que lá fez a guerra passada os fez muito medrosos e aos cristãos deu grande ânimo, tendo-o antes mui caido e fraco, sofrendo cousas ao gentio que é vergonha di-zê-lo. Desta maneira cessará a boca infernal de comer a tantos cristãos quantos se perdem em barcos e navios por toda a costa; os quais todos são comidos dos ín-dios e são mais os que morrem que os que vem cada ano, e haveria estalagens de cristãos por toda a costa, assim para os caminhantes da terra como para os do mar. ~te parece tão bem o melhor meio para se a ter-ra povoar de cristãos e seria melhor que mandar povoa-dores pobres, como vieram alguns e por não trazerem com que mercassem um escravo com que começassem sua vida não se puderam manter e assim foram forçados a se tornar ou morrerem de bichos e parece melhor man-dar gente que senhoreie a terra e folgue de aceitar nela qualquer boa maneira de vida como fizeram alguns dos que vieram com Tomé de Sousa, tendo mui pouca ra-zão de se contentarem dela naquele princípio, quando não havia senão trabalhos, fomes e perigos de índios, que andavam mui soberbos e os cristãos mui medrosos e por isso muito mais, se virem os índios sujeitos, fol-garão de assentar na terra. Nem parece que para tan-to gentio haverá mister muita gente, porquanto, segun-do se já tem experiência dele por outras partes, poucos cristãos bastarão e pouco custo e porventura que com pouco mais do que S. A. gasta em os trazer à fé por paz e amor e outros gastos desnecessários, bastaria para eu[p. 77, 78]

ajuntar outras em outra parte, não saberei dizer quantoo estorvam por todas as vias, mas neste caso parece-mebem o que faz Mem de Sá, e eu e D. Duarte assim lhoaconselhamos, porque doutra maneira não se podem doutrinar nem sujeitar nem metê-los em ordem e os índiosestão metendo-se no jugo de boa vontade, sed turba quaenescit legem e não têm misericordia nem piedade, e têm... para si que êstes não têm alma, nem atentam o quecustaram, não têm o sentido senão em qualquer seu in.-terêsse.Duas gerações estão aquí junto as quais de poucotempo para cá se comem depois que cá somos e estãotão junto de n6s e perto uns dos outros que é impossível poderem-se doutrinar nenhuns deles e todos sujeitosao que o Governador lhes quer mandar e sofreram ategora grandes agravos dos cristãos até lhes tomarem filhase mulheres e os matarem. E porque Mem de Sá lhesmanda a uns e aos outros que não pelejem nem tão pouco se entrem, lho contradizem por se temerem que serão amigos e far-se-ão mais fortes contra os cristãos.Desta opinião era Ambr6sio Pires e eu tambem a tivemuitos anos até que vi e soube a experiência que se temem outras partes, scilicet no Perú e Paraguai onde estáuma cidade de cristãos no meio da geração Carij6 queé maior que todas as desta costa juntas e achega até asserras do Perú, tem mais de trezentas léguas. Destes,cem léguas ao redor, senhoreia aquela cidade donde nãoha mais gente que do que agora há nesta · cidade. Equando começaram a senhoreá-las foi com trinta ou quarenta homens sómente. E não sóment e se contentamcom terem esta senhoreada mas outros que estão antresachadas e fazem amigos uns com os outros e os quenão guardam as pazes são castigados e fazem deles justiça os castelhanos como poucos dias ha aconteceu que [p. 81]

fizeram aos índios de São Vicente que confinam comos Carij6s por quebrantarem as pazes que o Capitão doParaguai havia feito uns com os outros, e outras muitas experiência~ que se têm tomado desta geração, queeu tenho ouvido e lido e alguma cousa visto, mas osPortugueses destas partes como ategora estiveram sujeitos e medrosos dos índios illic trepidant timore ubi nonest timor, porque não ha perigo propinco nem longinquotão pouco. E´ gente a desta terra que desejam a terrasenhoreada e sujeita e terem serviço dos índios, mas isto que seja sem êles aventurarem nem uma raiz demandioca. Â êste estorvo tão grande não sinto r,emédio se não se mandar gente que senhoreie a terra como me dizem que a Câmara desta cidade pede e senãoao menos devem animar muito nisto a Mero de Sá o qualparece que nisto é alumiado por Nosso Senhor e estábem na cousa, mas comumente estão todos contra a suaopinião e minha. Tambem se devia de haver uma carta de SS. AA. para a Câmara, em que declare quantopretende a conversão do gentio, na qual não estorvemtanto, porque se isto vai como foi atequí eu sou de voto que será escusado Colégio da Companhia e deviam-f\OSdar licença para ir ao Perú ou Paraguai porque nemcom cristãos nem com gentios aproveitaremos nada desta maneira ou se aquí aportar alguma nau da índiapassarmo-nos lá porque ha doze anos que cada ano vemuma.Acerca do apartamento dos meninos já tenho feito. apartamento antre êles e nós, posto que apertadamente.Como houver que dar-lhes de comer recebê-los-emos.Não me parece bem apertar agora muito por Colégio porque por mais propício que D. Duarte vá ha-dedizer que se acuda a outras maiores necessidades da terra e que nós estamos bem agasalhad~, e na verdade se [p. 82]

exemplo dos seus clérigos para êle remediar, não s6mente o não remediou, mas contra nós os encendia e amotinava; e porque disto o Padre Ambrósio Pires sabe muitas particularidades, dele poderá V. R. saber o necessário.Muito necessár~ nos será cá um conservador nosso, porque pois cá fazem conta de colégios, não podem... deixar de nascer cousas por onde êle seja muito necessário ; e porque cá não sabemos o estilo que nisto se deveter, mandem-nos disto larga informação.Depois que foi entendendo por experiência o pouco que se podia fazer nesta terra na conversão do gen- ·tio, por falta de · não serem sujeit0´3, e pouca esperançade se a terra senhorear, por ver os cristãos desta terracomo sujeitos ao mais triste e vil gentio de todo o mundo e ver a pouca ajuda e os muitos estorvos dos cristãosdestas partes, cujo escândalo e mau exemplo é bastantepara não se converterem, posto que fôra o melhor gentiodo mundo, sempre me disse o coração que devia mandaraos Carij6s, os quais estão senhoreados e sujeitos dosCastelhanos do Paraguai e mui dispostos para se nelesfrutificar, e em outras gerações que tambem conquistamos castelhanos, e juntamente com isto fazerem-me de láinstância grande por muitas vezes o capitão e os principais da terra, prometendo-me todo o favor e ajuda necessária para bem empregar nossos trabalhos, assim comcristãos como com os gentios. Tive tambem cartas depessoas que esperavam nossa ida com desejos de servirem a Nosso Senhor nesta Companhia, de muito boaspartes para isso, e com isto ver que a Capitania de SãoVicente se vai pouco e pouco despovoando, polo poucocuidado e diligência que El-Rei e Martim Afonso deSousa nisso põem e considerar eu os muitos irmãos queha em São Vicente e o pouco que se faz aí parecia-me [p. 85]

1.Carta do P. Leonardo Nunes ao P . Manuelda NóbregaDe S. Vicente, 29 de Junho de 1552 (59).

(59) Bra,s. 8(1), 88-89. Cópia, em castelhano. A data desta carta tem no manuscrito uma correcção que sugere um problema. Estava primeiro 1552 e alguém riscou o 2 escrevendo por cima 3. O problema é este: sendo 1552, como se refere à chegada dos homens do Paraguai e Perú que se costuma datar de 1553? Mas sendo 1553, como escreve Leonardo Nunes a Nóbrega que estava consigo em S. Vicente?

Esta segunda consideração prevalece para nós e conserva- mos a data primitiva de 1552. Mas então temos que admitir que já em 1552 vinha gente do Paraguai e que era frequente a comunicação entre as duas colónias, portuguesa e espanhola. Talvez mesmo, por a achar demasiado frequente é que Tomé de Sousa mandou fechar as fronteiras ou, como se dizia então, o caminho. Cf. supra, Carta de Nóbrega, de 15 de Junho de 1553. Leonardo Nunes é o primeiro apóstolo da Capitania de S. Vicente.

HOMENS VINDOS DO PARAGUAI E PERU - CLERO- IMORALIDADE - CAMINHOS DO PARAGUAI -CARIJóS .:._ FERVOR DOS GUARANIS CRISTÃOS -REVERENCIA A CRUZ - BARCACLIU - PROJECTODE IDA AO PARAGUAI.

Pax Okristi. Depois de ter escrito a V. R. falei com uns castelhanos que aqui estão, e vieram do Peru até aqui por terra, e depois dêstes chegaram outros do Paraguai onde têm uma grande povoação como lá verá nas cartas, os quais me contaram a grande perdição das almas que lá há e juntamente me disseram mil bens daqueles_ gentios adonde estam que são os Carij6s e a disposiçao que têm para serem bons cristãos.

Isto me trouxe grandes desejos de ir lá e quasi me determineifazê-lo, todavia desejando nisto aceitar e fazer o que Deus for mais servido como continuamente lhe peço nas minhas orações. Assim também isto particularmente lhe encomendei e fiz encomendar aos irmãos, para em tudo o que fizesse se cumprisse sua santíssima vontade, e o que a êles lhes parece é que eu devia de ir, eu também assim o smto, ainda que fico confuso quando penso que não sei se será esta ·a vontade de V. R. a qual creio será a de Deus, e ainda que de outra parte penso que se V. R. aqui estivera e ouvisse as cousas que eu oiço que ainda que sua má disposição corporal o impedira a caridade o forçara a pôr em execução o que eu não ouso determinar-me de todo, porque me dizem que há ali dez sacerdotes e destes s6 dois ou três não têm sete ou oito filhos como os outros têm, e estes todavia têm cinco ou seis índias dentro de sua casa, as quais os servem dando muito má suspeita de má vida, e algum há dêles que não celebra, há já dez anos, e outro há três ou quatro e aos outros mais lhe valia não celebrar.

Há alí segundo dizem setecentos ou oitocentos homens e todos repartidos em cinco bandos contrários e cada um tem ao menos dez índias e alguns até sessenta e setenta. Há quem tem mãe e filha, e de ambas filhos e outros que têm duas irmãs e tias, e sobrinhas e da mesma maneira que têm dumas e de outras filhos, e muitos, o qual todos têm muitas parentas como primas-irmãs e em outros graus de afinidade, e acha-se que estes todos entre filhos e filhas são quatro mil e todos de catorze a quinze anos para baixo. [p. 135, 136]

Todos estes ·segundo seus pecados parece que não tem senão o nome de cristãos, e se houvesse de contar a V. R. os grandíssimos excessos que têm em seus vicios, nunca acabaria e o que eu sinto também pela muita informação que tenho de lá é que segundo a opinião que êles têm da Companhia pelo que de n6s ouvem dizer em mui pouco tempo se acabará entre êles muito com a ajuda de Nosso Senhor, e ajudará nisto que- estam já esperando que os ha de ir a socorrer algum da Companhia e com dizer um homem que daqui foi o que n6s fazemos, ficaram muito confusos e com lhes dizer que eu havia de ir lá andavam já todos assim sacerdotes como os outros despedindo-se de seus vícios para que quando fosse não os. achasse envoltos em tantos pecados.

O tempo que lá poderei estar querendo Nosso .Senhor serão dois mêses e na ida se gastará um mês ou quando muito mês e meio, e a vinda por ser por rios acima será em três mêses. De maneira que ao todo será até 7 mêses e por tão pouco tempo não me parece bem deixar de acudir a tanta perdição de almas ainda que tão grande emprêsa como esta mais pertence a outro que seja mais servo de Deus que não a mim.

Màs todavia se assim Nosso Senhor me fizer sentir e os irmãos e a gente virtuosa e de respeito desta Capitania me aconselharem, determino ir e será depressa com a ajuda de Nosso Senhor por me parecer que esta será a vontade de Deus e de V. R. Até agora falei de minha vida desejando escrever a V. R. grandes minas de almas que Nosso Senhor tem descobertas mui dispostas para se cumprir sua santíssima fé nelas. Ainda que por carta não poderei dizer-lhe tudo o que sei e é que os castelhanos que tornaram do Paraguai antes que eu lhes perguntasse nada andavam por estas povoações dizendo cousas daquelagentilidade dos Carijós que eram muito para espantar e louvar a Nosso Senhor. [p. 137]

Eu depois soube de pessoas de muito crédito o mesmo e espantar-se-á V. R. como ouvindo isto não parti logo com todos os irmãos para doutrinar aquela gente tão sedenta e disposta para receber nossa santa fé, por que certifico a V. R. que se grande espanto e fervor em mim causam as coisas que Nosso Senhor pelos da Companhia obra nas Indias, Ormuz, Japão & causa o que eu disser destes gentios Carijós do qual escreverei um pouco a V. R.

Primeiramente são já batizados cerca de vinte mil e os cristãos vivem castamente, nem têm mais que uma mulher, guardam muito bem os domingos e dias de festa, veem de oito e dez leguas cada domingo à missa, e há lá doutrina cristã que um padre dêles faz, e cada aldeia tem uma cruz, e logo de manhã se levanta o principal e ajunta tôda a gente cada um em sua aldeia e o que melhor sabe as orações as ensina aos outros, e acabado isto cada um adora a cruz e vai-se ocupar nos seus trabalhos, se acontece passar por as aldeias algum padre que saibam que leva cruz vão uma légua e duas atrás dêle para que lha deixem beijar, e se algum cristão vai por aldeia onde não há cruz dão-lhe quanto têm para que lhes faça alguma.

Em derredor da povoação, vinte e trinta léguas, não há homem que coma carne humana nem mate escravo. Muitas vezes veem muitos índios com grandes presentes de veados e galinhas, peixes, cera, e mel aos sacerdotes a pedir-lhes que os batizem e lhes façam saber a doutrina cristã, e lhes ensinem os bons costumes dos cristãos, e se algum passa pelas aldeias é mui importunado por êles que lhes ensine as orações e muitos os perseguem que os façam cristãos, e lhes digam algumas coisas de Deus, e assim acontece ir um sacerdote para entre êles, a terra tôda se move · com êle e lhe vão sempre fazendo o caminho e se quisesse que o levassem às costas o levariam. [p. 138]

Todas estas coisas e outras que não escrevo, por o portador estar com pressa, eu as . tenho por mui certas porque me informei de todos estes homens que de lá vieram, e todos a-cêrca disto me falam de uma mesma maneira, e certo que ainda que lá não possa fazer o fruto que espero, todavia me pareceria conveniente ir ver aquelagente para trazer a V. R. novas certas do que deseja que saibamos s. em qual terra dêstes gentios se poderá obrar mais por nosso meio na conversão dêles, e certo quanto ao de fora que parece ser estes Carijós porque sendo como V. R. sabe estes gentios desta Capitania bons todos estes homens que vêm dos outros dizem serem estes perversos e maus em respeito dos outros os quais são mansos de maneira que anda um cristão cem léguas entre êles apartados dos cristãos, e se algum índio não lhe faz sua vontade mata-o sem haver quem ouse contradizê-lo, nem levantar os olhos para o cristão só porque é cristão, o que não têm estes daqui não bebem vinho até se emborracharem como estes, antes ·uma aldeia bebe um só cântaro ou dois de vinho, e isto raramente, o que é grande coisa porque o muito beber dêstes é causa de muitos males como já V. R. terá expe•cimentado.

Têm também outras boas partes para se fazer nêles notável fruto, que estes não têm. Já tenho determinado de ir lá e agora me disse um homem que veio de lá, que um mancebo mui virtuoso que sabe mui bem a língua está esperando por mim para deixar o mundo, e ser meu companheiro o que será grande ajuda para os gentios porque sua língua é mui diferente da dêstes. Aqui deixo todo o colégio ordenado, e ficam alguns irmãos em algumas aldeias aqui em derredor para lhes ensinar a doutrina, e outros envio a uma aldeia que há muito que me pedem que os envie a ensinar e fazer cristãos. [p. 139]

A minha partida se Nosso Senhor for servido de eu ir, será no primeiro dia de Agôsto e hei de levar vinho, porque doze ou treze anos que não levaram vinho aquela gente, e um pouco que guardaram numa botija, lhes durou até agora, estando miraculosamente sem nunca se estragar, e não deitavam mais vinho no cális, de quanto coubesse numa casca de avelã e ainda não tanto.

Creio que será grande serviço de Deus levar-lhes vinho para poderem dizer missa mas eu não o tenho de dar a ninguém enquanto de todo se não apartem de suas :índias e se emendem de suas más vidas.

Disse-me um homem que de lá veio que uma das coisas em qüe mais consolava os Carijós era com dizer-lhes que vinha buscar-me e lá chamam-me "Barcacliu" que quere dizer padre santo verdadeiro, e que para poder vir seguro por entre estes gentios daqui dizia que era meu filho e que eu o enviara chamar e que por isso o ajudavam e lhe faziam honra de maneira que pela vontade de Deus têm todos estes gentios muito crédito e amôr aos da Companhia, tendo já algum conhecimento dêles como de melhor gente ainda que em mim se enganam.

Nosso Senhor moveu cá milagrosamente a um homem casado e sua mulher os quais sendo meus devotos com muitas lágrimas e consolação espiritual fizerão voto de castidade e êle de entrar na nossa Companhia se o recebessem, e se isto não alcançar estão determinados assimêle como ela de servirem em hospitais aos enfermos, vivendo de esmolas, e ambos são nobres (60).

Deus seja louvado por tudo! Encomendo-me na benção e orações de V. Reverência. Dêste S. Vicente, hoje vinte e nove de Junho de 1552.

(60) Nóbrega desvendou, na carta de 12 de Fevereirode 1553, o nome dêles: Luiz de Goht e sua mulher. [p. 140]

Carta do P. Luiz da Grã a Santo Inácio Da Baia, 27 de Dezembro de 1663 (71). MANUEL DA NóBREGA - LEONARDO NUNES -JOÃO GONÇALVES - MENINOS - .ELOGIO DO BRASIL - ´MANTIMENTOS - POVOAMENTO - ´MINAS - AL-DEIAS - COSTUMES DOS INDIOS - INCONSTANCIA - SACRAMENTOS - FUGAS - CASTIGOS - DIFIC´UL• DADES DA CATEQUESE - ANTONIO PIRES - A´M-BRóSIO PIRES - S. VICENTE - COLEGIO DA BAtA - . ANTONIO BLASQUES - PERO DE GOIS. t Jesus. - Muito Reverendo em Cristo Padre: A graça e paz de Cristo seja sempre em nossas almas. Até agora não se escreveu desta Capitania da Baía, aonde chegamos a 13 de Julho de 1553, porque não partiu daqui navio algum, e os que partiram dos Ilhéus, em que iam as cartas desta Capitania, arribaram com tempo; nemvi o P. Manuel da Nóbrega que está noutra Capitania, que é longe daqtú 240 léguas, que se chama S. Vicente, e por causa das monções não tive recado dele, senão este Outubro passado, em que me mandou que escre-vesse a V. Paternidade. E, porque eu não passei desta Capitania, direi que exercicios temos os que aqui somos. Depois que o P. Leonardo Nunes veio por man-dado do P. Manuel da Nóbrega visitar as casas, que estão por estas partes, da Companhia, e levou os Padres .e Irmãos que puderam ir, deixou-me aqui com um Irmão, que também veio do Reino, que se diz João Gonçalves, cujas ocupações eram ensinar os meninos, que temos a cargo, e ter cuidado de dar ordem ao que era mister para a sustentação dos meninos, que é farto trabalho para a sua disposição, que por graça do Senhor foi sempre em notavel aumento, vindo ele do Reino sem remedio · humano de saude, porque não puderam fazer tanto os muitos que se lhe procuraram no Reino, quanto fez a terra com tão bons ares, como tem, que sem dú-vida os velhos e de fraca eo~pleição a sentem muito a propósito para a sua saúde corporal; e de . todas as partes do Brasil se diz o mesmo. As águas geralmente são muito boas. Os :manti-mentos próprios da terra, ainda que húmidos, quasi todos, são em abundancia. O pescado é muito gostoso e saníssimo. As carnes não as havia entre os Indios senão de mato que eles caçavam com suas frechas. e laços e agora também com cãis que obtiveram dos cristãos. Mas todo o género de gado se cria em abundancia, por-que os cristãos têm muitos porcos, bois, cabras, galinhas, patos, etc. Pão de trigo não o têm senão de Portugal, ainda que em S. Vicente se semeia e colhe muito for-moso, mas nem ali nem nas outras Capitanias se traba-lhou pelo semear, porque este mantimento da terra, de[p. 160, 161]raízes de árvores, a que chamam mandioca, aipim, ca-rimã, é suficientemente bom; e ainda que a mandioca é peçonha se se bebe a sua água, contudo a farinha que dela se faz não faz mal à saúde. O aipim come-se cru, como muitas outras raizes de que usamos, e desta fari-nha se faz pão de muitas maneiras. Há contudo muito milho e arroz muito bom e em muita quantidade. Ai?. frutas próprias da terra são de muitas diferenças e muito estranhas. Tem-se experiencia que quasi todas as que há no Reino se dariam aqui muito bem ; e se não fora a destruição que faz a formiga nas árvores, já houvera todo o genero de plantas. Vinho fez-se nesta Baía, que eu vi. Terra é esta, certamente, em que se faria muito, se houvesse muitos moradores; nem parece humana-mente que a coisa da cristandade e conversão dos infieis · terá o aumento desejado senão com haver tanta gente nestas partes que sintam eles sujeição. · E bemdito o Senhor, assim o parece dispor o Senhor, pois havendo tanto tempo que estas Capitanias são povoada!l, nunca procuraram, nem mediocremente, saber o que se poderia dar bem na terra, nem se havia metais nela: e, de certos meses a esta parte, quis Deus descobrir junta-mente quasi em todas as Capitanias muitos metais de ferro, prata e segundo se afirma, de ouro, tão sem dili-gencia humana para isso e tão sem custa por ser dentro das mesmas povoações, que bem parece dá-lo Deus Nosso Senhor por instrumento ou meio deste seu serviço, que tanto se deseja, que é a sujeição de tanta infini-dade de povos a sua santa fé, que tão entenebrecidos estão em suas brutalidades, que quasi de todo parecem ter absorto o lume da razão, de cuja fereza se se houvesse de escrever seria muito longo. [p. 162]e porque assim escreveu o ·P. Mirão que depois a faria, escrevendo-lhe também [a Nóbrega] como Suas Altezas queriam que em toda a maneira ele viesse para residir aqui. Praza ao Senhor fazer-me tal, qual convém ser, quem nestas partes anda, da Companhia. Desta Baía de Todos os Santos, 27 de Dezembro de 1555. (71a) Inutilissimo filho de V. P. Luiz da Grã [p. 169]

9.A Missão dos Carijós 1605-1607Relação do P. Jerónimo Rodrigues (84).

(84) Bras. 15, 73-lO0v. Notitiae Missionum Brasiliensium. Original, em português. O autor, que não vem assi- nado, é o P. Jerónimo Rodrigues, companheiro do P. JoãoLobato, nesta missão. O P. Lobato e eu... Ambos grandessertanistas. O primeiro, natural de Cucanha, tinha vindopara o Brasil em 1572 e faleceu em Reritiba, octogenário, em 1631 (Lus. 19, 65; Lus. 58, 20). O P. João Lobato, de Lisboa, entrou na Baía, em 1563, e foi tido por santo ainda em vida. Faleceu no Rio, a 29 de Janeiro de 1629 (Bras. 18,13 ; Simão de Vasconcelos, Vida do P. João de Almeida, 38-39). Já na História, I, 330, nos referimos a esta relação(da que publicamos alguns passos), e a outras cartas deJerónimo Rodrigues, insertas na Relação Anual, de FernãoGuerreiro (II, 419-424). .Publicamo-la agora na integra.Jerónimo Rodrigues não diz a quem se dirige. Infere-se docontexto que foi a um Pàdre, de S. Vicente para cima: os

A m1ssao dos Carijós, já desde o tempo do P. Nóbrega e do p._ Luís da Grã, .foi muito desejada, e porvezes tentada, assim pelo P. Nóbrega, como por nossosIrmãos João de Sousa e Pero Correia, que, indo-lhesprégar o Evangelho, foram mortos por eles, cujo sangue parece estar até agora pedindo misericórdiá peraquem tanto bem lhes fez alcançar. Mas, com a ida doPadre Provincial Fernão Cardim a Roma, nosso R. Padre Geral Cláudio Aquaviva lhe ordenou e encomendou, muito esta missão, por ser de muito serviço de Deus Nosso Senhor, e salvação das almas. O que, logoque chegou ao Brasil, pôs por obra, tomando por princípio e boa ocasião, escrever-lhe Bastião Pedroso, ouvidor e irmão de Pero Vaz, capitão de S. Vicente, emque lhe pedia Padres pera virem coro ele a pousarno Rio de S. Francisco, que está naquela paragem, aonde os Carijós mataram nossos Irmãos, pera o que o Padre Provincial escolheu ao P. João Lobat o, por superior da missão, e ao P. Jerónimo Rodrigues por seucompanheiro, trazendo-os consigo até Santos. Mas, arrependendo-se Bastião Pedroso, e faltando com o quetinha pedido ao Padre, permitindo-o assim Deus Nosso Senhor (porque me disseram haverem-lhe dito, se levais Padres convosco não heis de fazer nada), o PadreProvincial, vendo-se enganado, movido com o zêlo dahonra de Deus e salvação das almas, e juntamente porque, chegando-se a festa da Páscoa, a pobre gente daÚananeia, que estava sem vigario pudessem ter alguma consolação e remédio para se confessarem e comun [p 196, 197]

garem, in nomine Domini nos mandou, não deixandotambem de cuidar, poderia Diogo de Medina, Capitãoda Cananeia, ter algum navio que nos pudesse pôr na terra dos Carijós.

DE SANTOS A CANANEIA POR TERRA

Recebida pois a benção do Padre Provincial, quefoi aos 25 de Março, dia da Anunciação de Nossa Senhora, que foi a uma sexta-feira, o Padre se partiu pera oRio. E logo ao domingo seguinte, que foram 27 do mesmo mês, nos partimos o Padre João Lobato e eu, comsete índios de S. Bernabé, scilicet, três, que connoscovieram do Rio, e quatro que o Padre tomou em Santos, de uma canôa que alí tinha vindo. E com outrostrês carijós e outro, com sua mulher, que, por todos, fazíamos 14, nos partimos, não levando connosco mais queum círio de farinha e o ornamento da igreja, porquetodo o mais fato deixamos em Santos até que na Cananeia houvesse remédio para vir por êle.Partindo, pois, como digo, aos 27 de Março, que era ·Domínica in Passione, ainda que traziamos sacculum,peram et calceamenta, contudo não . faltava o desejo detudo isto. E bem se podia dizer não trazermos nadadisto, pois os mandados por obediência nada levam consigo. E assim na primeira casa em que entramos, sendo já noite, depois de darmos paz aos presentes, soubemos não estarem em casa os senhores dela, por seremidos a S. Vicente. E assim não [houve] quem nos agasalhasse; mas logo o Senhor nos quis consolar com alguns Carijós, que alí estavam, nos pedirem que os confessássemos, o que fizemos de muito boamente. E nisso passamos parte da noite, fazendo o mesmo com todos [p. 198]

os que dalí até a Cananeia de nosso ministério se quiseram servir, graças a Deus.Ao segundo dia chegamos a nossa Senhora da Conceição ( 85) aonde dissemos Missa, e o Padre João Lobato entregou ao mordomo de Nossa Senhora, esmolade azeite, e uma guarda rica,· com um rosairo de cristal,cujos extremos e cruz eram de ouro, que lhe mandavaum João de Alvarenga. E foi o mordomo de tal condição que por mais que lhe pedimos pusesse aquele rosairo ao pescoço da Senhora, pera nossa consolação, epera testemunhas de lhe ser oferecido, nunca o pudemos acabar com ele; e mais trazendo o Padre Provincial esta esmola a seu carrego, que, por nós virmos poralí, e ele estar de pressa, a não trouxe. Dalí fizemos nosso caminho, despedindo-nos da Senhora. E fomos dormir dali- a cinco léguas. E tão mal tratados dos pés,da práia, que não podíamos dar passada. E, com serjá noite, estávamos em jejum, mas tivemos muito boapousada em casa de Pero Guedes, sobrinho do PadreDiogo Nunes, que como vinha connosco de Itanhaém ~-tando lá fazendo o sepulcro ( 86) não nos pôde fazer tudo o que desejava. Contudo, achamos farinha frescae umas piquiras salgadas, que, pera quem estava comon6s estávamos, muito menos bastara, que era a rêde deque mais necessidade tfohamos.Ao terceiro dia, subimos por uma serra, não muito"ingreme, que dizem ser da casa de Santos na qual serrame parece haver mais de 15 águas fermosíssimas e excelentíssimas. E como eu vinha muito suado e sequioso,da sêde grande que o dia atrás passado padeci, por nãohaver água naquela práia ( e as piquiras salgadas ajudaram também), meti-me naquelas águas em jejum; e detal maneira me perturbaram, que fazia das tripas coração, como dizem. Mas como o Padre, que ia diante desapareceu, desmaiei, caindo no chão, e totalmente parece que desfalecia. Aquí, nesta serra, ao descer da outra banda, com o grande suor, me caíram os óculos donariz, com que via ao longe e ao perto, que me tinhamandado o P. Cristóvão de Gouveia, do Reino (Visitador do Brasil, de 1583 a 1589.).

E,quebrando-se ambos os vidros, por mais que fiz nuncapude achar todos os pedaços. E assim estou cego semeles. E, pera mais ajuda, assim o Padre como eu, comas muitas areias e ventos que cá ha, e com comermosordinariamente legumes, temos perdido muita vista.

Chegados a um rio, que se chama Acaraiim, nãoachando canôa, mandou o Padre buscar uma daí a duasoutras léguas. E no espaço, que fizeram, em ir e vir,que foram quasi dous dias, além de haver pouco quecomer, foram tantos os mosquitos, que nem de dia nemde noite se podia homem valer, nem bastava passearpola práia. Mas, vindo a canôa, eu só me fui nelacom algum fato. E o Padre se foi por terra a outrorio, aonde sendo já noite, e não tendo canôa, chegueieu, deixando a em que ia, indo só por uns matos ficando os moços em guarda do fato, com assaz de perigodalguma onça.

E chegando ao Padre, achei-o de noitesem fogo, e molhado, e eu não muito enxuto, mas, vendo não termos canôa, às apalpadelas e quasi na lama nosagasalhamos. Mas não tardou muito Nosso Senhor como socorro de uma canôa, na qual, embarcados, fomos tera uma povoaçãozinha de brancos, que nos agasalharammuito bem. E depois de confessarmos alguns, ao outro dia nos partimos, encontrando, neste dia, Diogo deMedina com alguns outros brancos que ·se vinham con-[p. 199, 200]

fessar pola obrigação, o qual sumamente se alegrou c·omnossa chegada. E, posto que sua mulher e filhas, quetinham ido diante estavam já em Itanhaém, dali mesmose tornou connosco. E todo o tempo, que estivemos naCananeia que passaram de três meses, mostrou bem oamor que a toda a Companhia tem. Mas a pobreza fazmuitas vezes não poderem os amigos fazer quanto desejam a seus amigos.Passada esta noite, na qual Diogo de Medina nunca quis dormir em rede, por voto de todas as sextasfeiras não dormir nela nem em cama, subimos por umaladeira, tão íngreme, qual eu me não lembro ver semelhante, muito mais que Paraná-Peacaba, mas não "tãocomprida. E aqui me quebraram os moços um cabaço,, de óleo de cupaíba que muito estimava, indo-se-lhe polaladeira abaixo. Mas como Nosso Senhor de tal maneiradá os trabalhos, que sempre ficam temperados, ordenouque no pico desta serra estivesse uma ribeira de águaexcelentíssima; e muitas, por toda a serra adiante.Neste dia, que foi véspora de Ramos, me quis fazer valente, tomando ocasião de vir o Padre falando[p. 201]

vazava, corria muito, e juntamente, pegados com a barra e a canôa pequena corremos muito risco de nos virarmos. Mas livrou-nos Nosso Senhor. E ao luar rezamos parte das horas por não haver fogo.Ao outro dia, que foi domingo de Ramos, acabada a missa, nos fomos por um rio abaixo até a Cananeia,que são doze léguas, ficando da banda do mar esta ilha,de doze léguas, muito baixa. E, contudo, de dentrodela sai um rio de água doce ao mar cousa maravilhosa. Muitas cousas deixo por contar nestas 40 léguas,que ha de Santos até a Cananéa por terra ( que por mardizem serem 30), por não ser comprido. E entre elasfoi de uma mulher grave que se queixou muito ao Padre, por virmos aos Carij6s tomar-lhe os escravos quehouveram de ser seus. E a um dos da Companhia disse:- Niio hei-de dar nenhuma esmola aos Padres, emais não me falta farinha.E já neste tempo a gente comia milho cozido que oPadre mercou no caminho.EM CANANEIAChegados a Cananeia, que foram aos 4 d´ Abril de605, não se pode bem escrever a alegria que aquela pobre gente sentiu com nossa chegada, o amor que todosgeralmente nos mostraram, por haver muito tempo quese não tinham confessado, assim por não terem a quem,como por alguns deles andaram homisiados por algumas mortes. E a todos, com o favor divino, consolamos, confessamos e comungamos, dia da Páscoa, e todoo tempo que alí estivemos. Mas, não achando aM barco em que pudéssemos ir nosso caminho, por se estarum fazendo muito de vagar, por falta de . peça e o necessário, fomos informados como, daí a umas quatro ou [p. 202]

cinco léguas, estava uma canôa grande, enterrada napráia que do Rio de Janeiro viera alí fugida. E assim,acabadas as oitavas, fomos lá. E, com muito trabalho~ muita fome, por não termos farinha e comermos sómente milho cozido com peixe, a tiramos de baixo da areia,que, como estivesse fendida, por uma ilharga e quebrada, foi necessário cortar-lhe um pedaço da popa e outros benefícios, em que gastamos alguns dias, em umdos quais fomos os moços e eu aos araçases (88) da outra banda do rio, metendo-nos por um riacho aonde diziam andarem capivaras. E vindo à tarde carregadosde araçases, pera passar com eles os seguintes dias, e,com uma capivara, andava a barra do riacho tão folioa,que, por mais que fizemos, não pudemos escapar-lhe edo primeiro encontro nos alagou a canôa até às bordas, ·saltando os moços no mar, e os araçases jubtamente comeles. Mas eu, pegando da capivara, posto que as ondas, da popa até a prôa da canôa, faziam seu ofício,nunca a larguei, que como era na barra, e não muitoalto, e a maré enchia, não houve mais perigo que molharmo-nos, ainda que a perda dos araçases em tal tempo foi sentida. No consertar desta canôa tivemos muito trabalho, botando-a ao mar pola costa brava, masquis Nosso Senhor que saísse bem e sem perigo dos moços, por então. Levada pois a Canuneia, estando-a consertando o Padre, chegaram uma soma de brancos, quese perderam na paragem da Ilha de Santa Caterina,em uma nau almirante de uma armada que levou soldadesca pera Chile. E, com ajuda deles, foi a canôamui bem calafetada e breada e aparelhada, no que oPadre teve por bem empregada alguma marmelada eum pedaço de queijo, que trazíamos, e uma botija de [p. 203]

Neste caminho aonde o Padre · tornou, estava umbranco (jeito tinha de ser da minha terra) (89) emcuja casa estavam duas varas de milho de Pero Guedes,o qual tinha dito aos moços que no.lo trouxessem. Confiado nesta palavra, o Padre pediu este milho á sogradeste branco, por ele não estar aí, a qual como lhe nãoquisesse dar, arreceando pelajarem com ela, o Padrelhe deixou um caixão de três alqueires de sal, dizendoque daquele sal se pagasse, quando não quisesse darcrédito. ao que seu dono tinha dito. E assim trouxe oPadre o milho, pola grande necessidade que dele tinha,pera nossa matalotagem e remédio, que foram vinte ecinco mãos. E escrevendo a Cristóvão de Aguiar lhecontou o negócio, e que lhe arrecadasse o sal, do quebem zombou quem já o tinha em seu poder, mostrando estar muito agravado de nós, e dizendo o que quis.E assim, perdemos três alqueires de sal, que custaram seispatacas no Rio. E diz que valia então o alqueire a dez emS. Vicente ou no Campo. E ele o tomou todo, por valiade uma pataca, quando muito. Seja Deus louvado quecom água do mar temperava o Padre o comer, por nãotermos sal, que com nos ficar ainda um alqueire em umpanacu, também no-lo tomaram na Cananeia. E assimficamos sem uma pedra de sal.·Em caso do Padre Vigairo de Itanhaem nos abrirame quebraram os ferros de três canastras. E tomaramo que lhes pareceu bem, scilicet, 80 facas carniceiras,toalhas, sabão, caixas de marmelada, anzóis, sal, e outras cousas, que o Padre não sabe. E juntamente nosbeberam meia piroleira do vinho, que trazíamos pera as . [p. 205]

missas. Pode ser que tivessem necessidade, Deus lhesperdôe; mas só na repartição das caixas de marmelada não usaram bem connosco, porque, não se contentando com as que tomaram inteiras, as que deixaram, solapando-as, em lugar do que comeram meteram areia.E sem o Padre saber esta malícia, deu algumas aosFramengos. E por aqui o viemos a saber. ·Com esta perda da canôa e fato, foi forçado ao Pa0dre, pera se tornar a refazer e aparelhar pera irmos pordiante com nossa missão, desfazer-se o Padre de algumas cousas que lhe ficaram, scilicet, camisas, ferramentas, as caixas de marmelada, até a sua própria rede emque dormia, não lhe ficando outra, cuidando que, emchegando, logo tivesse rede e estes nem pera si as têm.Com os moços da canôa, que deu à costa, vieram.seis Tupinaquins pera irem connosco dous deles velhos,muito bons homens, e muito bons pilotos desta costa.E estes inculcaram ao Padre um pau de ibiracwí, de queem uma semana fizeram uma canôa de cinco palmos deboca e de 50 e tantos de comprido, mas de pau que a pique se vai ao fundo, que todas as vezes que nisso cuidava estremecia. E mais sendo os mares de cá do sulmui diferentes dos do norte. Feita esta canoa, nosaparelhamos e despedimos da gente da Cananeia, dequem recebemos muitas caridades, principalmente doSenhor Diogo de Medina, que de todos é tido por umhomem mui honrado, mas está mui pobre; e JorgeRamos, o mais antigo morador da Cananeia, tambemmui honrado velho, e este era o que nos sustentava, todo o tempo que a1í estivemos, por estar junto da Igreja,· na povoação, que Medina está em uma ilha, dalí a umalégua, deixando os frios grandíssimos, que aquí passamos, por nos ficarem os cobertores em Santos, que eram [p. 206]

insofriveis, e a fome tão grande, que passaram muitosdias que não metíamos farinha nem beijú na boca, esómente passávamos com milho cozido e algum peixe.DE CANANEIA A PARANAGUÁContudo o Senhor nos favoreceu s"empre pera quefizéssemos nossa viagem, como fizemos, partindo, comodisse, da C~naneia aos 10 de Julho de 605 com deter- ·minação de pousarmos detrás da ílha, por ser já tarde. Como o tempo, e mar estivessem bons, pareceu bema alguns que fôssemos diante, mas outros tiveram ou-~ tro parecer ; seguindo pois nossa viagem, pera irmos dormir a Paranaguá, que é uma enseada muito grande emui fermosa e farta de muita caça, mel, marisco, e muito infindo peixe, e tem muito maior circúito que o Riode Janeiro, com três barras, na qual enseada estava umaUrca de Framengos, que tinha ido a levar soldados aChile, em companhia da almirante que deu a costa emSanta Caterina, e, como fizesse muita água, parecendoao piloto que entrava polo Rio de Janeiro, entrou polabarra da Paranaguá e de prepósito encalhou na areia,aonde ficou sepultada pera sempre. Os mais dos Framengos desta urca ficavam na Cananeia negociando umbarco pera se irem nele para o Rio; e por esta causa deixamos parte de uosso fato em casa de Diogo de Medina,que diziam viriam dalí a três ou quatro dias após nós,mas tardaram três somanas; e em todo este tempo nãodissemos missa por nos ficar o ornamento na Cananeia.Indo pois nossa viagem, da Cananeia pera Paranaguá, sem matalotagem, nem água, e com alguns moços doentes de um grande catarro, que na Cananeia houve, de que também o Padre esteve bem mal, acalman [p. 207]

do-nos o vento, e chegando-se a noite, sem sabermos aonde estávamos, posto que era perto já de Paranaguá, eisque pola prôa da canôa, quanto a vista podia enxergar,por ser já quási Ave-Marias, vimos uns lançóis muibrancos e que botavam muito ao mar, que nos não causou pequeno enfadamento, por não sabermos o que erae a tais horas, em canôa, que a pique se houvera de irao fundo, se se alagara. Cerrada a noite desapareceram os lançóis brancos, seguindo-se os da escuridade danoite. Indo já neste tempo os moços cansadíssimos efracos, das fomes de três meses e meio que ·na Cananeiaestivemos, demos de súbito com aqueles lanç6is, que erauma das barras de Paranaguá, scilicet, a primeira dabanda do norte, que por nenhum caso se entra por ela,por ser mui ruim e botar umas sororocas muito ao mar,ao longo das quais e de seu estrondo e arruido, fomosna volta do mar. E, parecendo-nos que as tínhamos jápassadas, viramos na volta da terra, e em breve espaço nos achamos no meio delas, as quais nos alevantavam a canôa tão alta, e depois a faziam ir tão baixa, quepareciam umas serras. Mas quis Nosso Senhor que fosse arrebentar diante .da canôa. Tornamos com toda a. pressa, e não sei com que cores, que era já alta ·noite,a dar volta ao mar o qual andava quieto. E, tornandoa segunda vez a virar pera a terra, em busca da barragrande, que é a do meio e está junto desta ruim, tornamo-nos a achar no meio doutras sororocas, e aqui digoeu a V. R. que houve bem de trabalho, mêdo e actos decontrição, mas de todas elas nos livrou Nosso Senhor, eo bom govêrno do Padre, e os bons pilotos Tupinaquins,que trazíamos. E assim, fazendo a terceira vez voltaao mar, deu-nos Nosso Senhor vista de um ilhote, queestava junto da barra grande, que, conhecido dos pilotos, guiado por ele e por uma estrela, mui clara, que, [p. 208]

encima dêle e da barra estava, seguimos nossa viagem.E já neste tempo, da banda do léste pera o sueste; nosestava ameaçando uma trave, bem, escura e medonha, coma qual acalmou todo o vento, e, ficando o mar leite,entramos pola barra dentro, como quem entra por umrio morto, ao longo da práia, mas como não sabíamosaonde estava a Urca, e enfadados do mar, e apertadosda sede, saímos em terra muito perto da urca, que, como fazia grande escuridão, não se via. Saídos em terra, e começando a fazer fogo, co!lleça uma tempestadedo sul, tão brava, que deu com a canôa na areia. Efoi forçado ao Padre com muito trabalho dormir nela.E aquí se viu bem as mercês de Nosso Senhor, e quanto desêjo tinha de esta missão ir por diante pera se sal- .varem alguns destes pobres; porque se esta tem pesta- ~de nos tomara meia hora antes de entrarmos, só DeusNosso Senhor sabe o que de nós seria.EM PARANAGUAVindo a menhã, vimos diante de nós a Urca, juntoda qual saímos, e fomos mui bem recebidos de quatroFramengos, que nela estavam, os quais em vendo denoite os nossos fogos, cuidando sermos contrairos, estiveram pera meter um saco de munição em um tiroe dispararem em nós, que estávamos juntos ao fogo, emostraram-nos o saco de munição. E tambem a :nós ea eles, nos guardou Nosso Senhor deste perigo. E jápode ser que o deixarem de o fazer foi por estaremc11da dia esperando pelos companheiros que em uma .chalupa estavam na Cananeia; e cuidariam sermos eles.Aquí fizemos junto da Urca, em terra, nosso tejupar. E estivemos três somanas sem dizer missa, por [p. 209]

nos ficar o necessário pera ela na Cananeia. Os Framengos o fizeram mui honradamente connosco, dando-nostodos os dias de jantar e cear em abastança, alegrando-se muito com nossa vinda. Todos mostravam seremCristãos de Alemanha, e sobre as sepulturas de dousmortos tinham postas duas Cruzes, que sumàmente nosalegraram. Deus Nosso Senhor lhes pague quanto agasalhado nos fizeram.Chegados os companheiros em o barco, em que vinha nosso fato, que foi o derradeiro dia de Julho de605, dia de nosso Bemaventurado Padre S. Inácio deLoiola, como estávamos já enfadados e os tempos nestas partes já muito fortes, logo ao primeiro de Agostonos partimos, estando o mar muito quieto e o dia sereno. Mas em o Padre começando a embarcar o fato, o demónio, inimigo da salvação das almas, permitindo-lhoassim Deus, vendo que aquele dia determinãvamos entrar na terra dos Carijós, ou pera melhor dizer, havíamos de entrar com uns poucos, que de sua terra tinhamvindo ao rio de S. Francisco, aos pássaros e airis, e alguns dos quais se haviam de salvar com nossa vinda,subitamente ao meio dia, pouco mais ou menos, ordena, da banda do norte, uma tempestade sem chuva, masgrandíssimos relâmpagos e trovões e com vento grandíssimo, que muito nos enfadou e atropelou, e fez a enseada tão brava que punha espanto. E os brancos,espantados da nossa determinação, me disseram que nãopartíssemos que era tentar a Deus. Mas, como jã tínhamos tudo embarcado, e os mares eram mui grossos,teve o Padre por melhor darmos à vela e começarmosnossa viagem in nomine Domini. E assiro atravessamos,pola bolina, Paranaguá, pera sairmos pela terceira barra do sul. E aquí me disse o Padre: [p. 210]

tornaram pera o Rio, mas, como a canôa estava já seca,não se foi ao fundo. Nesta mesma se alagaram unsBrancos.

DE PARANAGUA AO PORTO DE DOM RODRIGO

Saidos pois de Paranaguá, fizemos nossa viagemcom mares mui grossos, e sempre a remos. E, chegando de fronte da barra de um rio, que se chama Guaratiba, não achamos remédio pera nele podermos entrar,e botar muitos escarceus ao mar, E 3$im nos foi forçado (ainda que era já quasi noite) irmos, por diante,ao Rio de S. Francisco, que estava dalí a quatro oucinco léguas, no qual entramos perto da meia noite, como se entráramos por um rio morto, por ter uma barramui fermosa, grande e funda. Só dos pobres moçostínhamos lástima, por já não poderem consigo, com haverem remado sem descançar, desde pela manhã atéaquelas horas; mas quis-nos o Senhor logo consolar comacharmos alí uma canôa de Carijós, que logo pela menhã nos vieram visitar, pregando um deles, e mostrando alegria com nossa vinda; mas, depois, não foi qualnos cuidávamos que fôsse. Este foi um dos que o P.Custódio Pires e o P. Agostinho de Matos tinham trazido de S. Vicente aos Patos (90). E assim logo disse ao [p. 212]

fadou assaz, e tão perto chegou de nós, que parecia quedoutro mergulho surgiria debaixo da canôa, e isto pormuit~ espaço ; e se, polo bom remar dos moços, e ofurtar-lhe a volta se afastava de nós, logo tornava avoltar e seguir-nos; e de uma vez chegou tão perto denós, com o corpo e cabeça descoberta, que eu me parecia seria tão longe da canôa como do altar mór, doRio, às grades, mas o mêdo faz muitas vezes as cousasdiferentes do que são. Eu, contudo, quando a vi tãoperto e que trazia diante de si uma serra de água, lancei-lhe um pequeno A.gnus Dei. E quis Nosso Senhorque com isso, e com o Padre mandar governar peraoutro bordo, se apartasse de nós.NA LAGUNA, ENTRE OS CARIJõSE assim chegamos à terra dos Carijós, aos 11 · deAgosto de 605, dando muitas graças ao Senhor e alevantando logo uma Cruz. E o Padre mandou logo ·recado a umas quatro, ou cinco Aldeias que alí estavamperto. E a cabo de três dias vieram ter connosco, entregrandes e pequenos, dezasseis, ou 17 pessôas com seuspelejos, e elas com suas tipóias, com as mãos vazias,estando nós esperando que nos trouxessem alguma cousapera comermos, por virmos já mui coitados, mas muitomais o ficáramos se o Padre mandara coser um pequenode arrôs, que ainda trazíamos, que, por ´querer fazerfesta aos moços, o quisera mandar coser todo, mas depois nos foi vida.Logo nos partimos, com estes poucos que vieram, ealgum tanto enfadados, que parece que a natureza estavaadivinhando o que nos havia de suceder, ainda que osíndios mostravam alegrarem-se · com nossa vinda, mastoda sua alegria, segundo o que depois soubemos e [p. 215]

casa, chamam uma aldeia. E esta não tinha dentro einsi mais de tres moradores, ou para melhor dizer trescasais com tres ou quatro filhos. De boa entrada, nãoceamos com virmos assaz necessitados, por no-lo nãodarem, ou não terem. E assim, com assaz de frio, estivemos toda aquela noite, até vir a manhã, para vermosse havia alguma cousa que se não molhasse, porque denoite não foi possivel. E achamos tudo danado e molhado, e cuidando eu veria o meu fato com algumamelhoria, por vir breado, achei tudo perdido sem, empassante de 20 mãos de papel, haver uma folha quepudesse servir, com quantos livros e cartapácios e outras couzinhas, até um gibão novo vinha podre, e obreviario e diurna!. E o caso foi que ficando-me tudo·na Cananéa, aonde estive tres semanas, quando veio obarco, arribou, e choveu-lhe muita água e lá se molhoutudo, e por este respeito se perdeu tudo, graças a Deus.Mas não deixamos de dar muitas graças ao Senhor, porque vindo, entre os cartapacios e cousas que se perderãoe botei por aí, algumas cousas e escritos de nosso bompadre Joseph, de boa memoria, s6 suas cousas se nãodanaram, com que muito nos consolamos.Aos 15 de agosto nos vieram chamar para umacriança que estava para morrer, dali a. uma légua; e jápode ser que por terem para si sermos feiticeiros1 a qualestando mal batizei, pondo-lhe nome Fernão Cardim,por ser o primeiro, e esta missão ser do Padre FernãoCardim, Provincial que então era, mas logo avisei aopai, que é o mais honrado índio que cá vimos, queolhasse não no fizesse chupar a seus feiticeiros, cont ando-lhe a historia de S. Basílio com o imperador V alente :que indo o santo visitar e ver um seu filho doente, logose achou melhor, mas em se o santo indo, mandou chamar os Arrianos e logo morreu. O mesmo aconteceu a . [p. 217]

fome, dizem os índios que ;foi lagarta, e andarem juntamente escondidos e metidos pelos matos, com medodos brancos, mas eu ajunto a isto sua muita preguiça,e ser gente, que com qualquer cousa se contenta comoseja de comer, e tal que diz o Padre dela que são peiores que os tapuias, e que, em todo o descoberto, a peiorgente. E eu, pelo menos, digo não ter visto outrasemelhante, o que pelo que adiante contar se poderábem e facilmente julgar. ·Mandou logo o Padre recado a 20 e 30 léguas aosíndios, que entre estes e os brancos, tem algum llOme,não de virtude, senão de ladrões, tiranos e vendedoresde seus parentes, que principais, nenhum há entre estesCarijós dos Patos, para que soubessem como éramoschegados e ao para quê. E, entretanto, por não termosque fazer e os moços não estarem ociosos e terem emque espalhar malventuras, e se esquecerem da fome,fizemos aqui junto da igreja, uma capixaba para milho,e alguma mandioca por não sabermos o que ao diantesucederia, como sucedeu. Neste tempo o demónio faziaque dormia, com nos ver andar ocupados com a capixaba e os pobres moços mortos de fome, porque em tododia não comíamos mais que uma vez. E o que onzecomíamos não bastava bem para um; porque mandavao Padre cozer um prato pequeno de arrôz com algunspalmitos e sem sal, pelo não termos, e com isto passávamos todo o dia; e, quando muito, um pequeno demilho cozido, emquanto nos durou, que farinha, nem porimaginação. E desta maneira andamos algum ano. Eassim podemos dizer que em todo um ano, nos nãolevantámos um dia da mesa abastados de farinha, compassar muitas vezes semana inteira que a não provávamos. E mais, pela bondade do Senhor, sãos e salvos.Somente os moços nos maguavam; os índios neste tempo [p. 219]

a qual o Padre pagou. E assim nos tornamos outravez pera a Laguna, onde se ajuntaram alguns connoscopera roçarem, mas não teve efeito por estarem longeuns dos outros, e não se quererem ajuntar. E já nestetempo quatro índios tupinaquis de Itanhaém, que connosco vieram, eram já partidos, pera sua terra, pornão poderem sofrer a fome. E já sabemos chegarem asalvâmento, graças a Deus.· NO EMBITIBAAquí, neste porto de D. Rodrigo, que se chama oEmbitiba, estivemos estes dous anos pola bondade doSenhor com saude, que não foi pequena mercê do Senhor pera quem estava da maneira que nós estávamos,scilicet, sós, sem termos ·nem quem nos fosse buscaruma pouca de água; e, se algum de nós adoecera, nãohavia nenhum remédio humano de cura, porque nemsal tínhamos pera temperar a panela, mas com águado mar se temperava, açucre de nenhuma calidade, queum pequeno que em um cabaço trazíamos, parece quea fome deu licença aos moços pera o comerem torlo.Pois cousa de especiaria muito menos e de tudo o mais.Mas tivemos sempre a Deus de nossa parte. E assimnão nos faltou nada. Verdade é que tivemos muitafalta de um menino pera nos ajudar à missa, ajudando-nos um ao outro, mas algumas vezes estava o Padrecom algumas dores, e eu sentia o muito trabalho queele levava, mas sua muita caridade podia com tudo.Mas dir-me-á alguem : - E como nâ<> ensinavam algummeninot [p. 225]

Dizia nosso bom · pai Joseph Anchieta em umatrova:Doi-me a Dios con el gentilHabla de la trinidad.Si, que es hombre mui sutil,Y aun pudiera ser abbad,Si no fuera del Brasil.Outro tanto digo destes, que se não foram Carij6sbem se puderam ensinar, mas a experiência nos tembem mostrado não se poder fazer nada com estes, emsua terra, porque são criados com tanto mimo que diversas vezes os vi dar nos pais e nas mãis, e atirar-lheàs pedradas, sem· por isso seus pais dizerem nada. Eporque eu uma vez disse a um menino, na Igreja, queestava inquieto, que se mudasse pera outra parte, e oobrigar, de palavra sómente, a que fôsse, fugiu polaporta da Igreja, e por mais que seu pai nem seus irmãosfizeram [não] quis tornar muitos tempos, dizendo:- Não quero lá ir que pelaja-rá o Padre comigo.E outra menina, por se não querer benzer, nemfalar palavra ao que lhe ensinava, pelejei de palavracom ela, um seu tio lhe disse :- Não tornas mais à Igreja.E´ até os meninos, que tínhamos em casa, podia oPadre fazer que se benzessem e falassem como jalofos,até que tínhamos por melhor deixá-los, por nos nãopormos a risco dalgum enfadamento. Os meninos decinco, seis anos, e daí por diante, bailam e bebem comos índios, de dia e de noite, e seus pais revêm-se nisso;e às vezes dormem por onde querem sem seus pais saberem parte disso. E em tudo fazem sua vontade, e seos mandávamos a algum recado, diziam que tinhampreguiça, e não iam, e, se iam, não tornavam. E o [p. 226]

E assim, depois de negociados de mantiment o, ealgumas couzinhas, os fomos embarcar ao porto de DomRodrigo aonde estava a canôa, em que viemos, e elesmesmos fizeram na Cananeia. E, despedidos de n6s,com muitas lágrimas, se partiram aos 14 de dezembrode 605. E na barra de S. Francisco, da banda do sul( que só em cuidar nela espanta) se perderam, alagando-se a canôa e perdendo parte do que levavam. Omesmo lhes aconteceu na barra de Paranaguá, aonde n6s,se saí.ramos como começávamos a sair, à meia noite, semfalta nos houvéramos de perder, mas emfim, ajudadosdo Senhor, chegaram ao Rio a salvamento graças a Deus.E nós ficamos sós neste desterro, por amor de Deus,até que dalí a um ano e meio, pouco menos, nos mandaram dous meninos do Rio. E assim dous anos inteiros estivemos junto da Laguna dos Patos.

COSTUMES DOS ÍNDIOS

Nosso exercício, logo em nos alevantandó pela menhã, era termos nossa oração, fazermos nossas doutrinas,dizermos nossas missas; e dalí até o exame tudo era matarpulgas e tirar bichos, sofrer descontos de Carijós; e omesmo fazíamos às tardes, tirando algum tempo quetomávamos pera rezarmos algumas Ave-Marias, passeando ao longo da casa e de um quintalzinho, que tínhamos, sem nunca sairmos, nem irmos espairecer anenhuma parte, estando em um campo, que somente víamos o céu e uns montes, que pera quem tivesse muitoamor de Deus, não lhe faltaria em que contemplar. Ascasas dos índios eram por todas cinco, depois de se ajuntarem alguns connosco ; passavam meses e meses, que nãoentrávamos nelas, por não ser necessário. [p. 228]

. sangue bom, deixando o mau; mas não é de espantàrhaver tanta imundícia por tudo serem campos e areais,e haver infinidade de cães, de que estes são mui amigos, e principalmente da sujidade destes Carij6s, osquais aonde a vontade de oirinar os toma, aí o fazem,scilicet, na rede, onde estão comendo, na porta, dentroem nossa casa, falando com homem, e muitas vezes nosnossos pés com as mãos e braços encruzados sem atentarem o que fazem nem se darem por achados de talsujidade. E o que neste particular mais espanta é,que vem de sua casa pera a doutrina, e vêm oirinar aporta da igreja; vêm do mar, ou de buscar lenha, evêm oirinar no lumiar da porta; e vêm de sua casa pera falár conosco, e vêm-nos oirinar à porta. E esta éa causa de haver tanta imundícia.Além desta, há outra praga de grilos que nos destruíram os vestidos e livros, e são tantos, que matando cada dia grandíssima multidão, um dia por curiosidade quis contar os que tomamos e contei quinhentos e tantos; e ao outro dia creio foram mais, e se queria tomar 40 ou 50, às apalpadelas logo os tomava.Mas sobr e tudo isto, as baratas, que havia, não sepode crer, porque o altar, a mesa, a comida, e tudo, eracheio delas. E o Padre todos os dias tomava na sua carapuça um monte delas e com armadilhas todos os diastomávamos milhares e parece que sempre cresciam, atéque chegou seu santiago, que foi dia de Nossa Senhorada Visitação que queimamos a igreja e assim pagaram.QUALIDADES BOASMas porque não seja tudo contar manqueiras ecostumes de gente que não tem fé, quero agora também contar algumas cousas de edificação que entre eles [p. 238]

de contas. E fazem seus vinhos. E dalí por diante ficam cavaleiros c desobrigados do jejum. Os Arachãstrazem o cabelo comprido como mulheres, e as mulherestrazem corôa como clérigos de missa, e algumas maiores.E deixando crescer o cabelo, como o de mais é compridopera o chão, o círculo da corôa vai pera o céu. Vejamagora o que parecerão.SUPERSTIÇÕESNão costumam a fazerem caminhos, como os tapuias.São emperradíssimos: e se querem querem, e senão acabou-se. Quando matam algum dos seus, tiram-lhe as tripas pera que lhes não venha mal, metendo-as em um tujuco. Se algum toma algum tapuia e outro dos seus lhopede pera lhe quebrar a cabeça, por este benefício, quelhe faz em lho deixar matar, se obriga a lhe obedecer e a .servir dalí por diante em tudo o que o quiser ocupar,ainda que seja vendê-lo, que tanto é o desêjo que têmde matar. Se lhes vem a vontade, tomam as mulheres unsaos outros, e largam as suas, quando querem. Têm muitas feitiçarias e agouros, e, todas as vezes que hão de irmuitos a alguma parte, hão de levar feiticeiro consigo. ·Têm um a que chamam yeroquig, que dizem ser umanjo, que veio do céu. E a este dão grande crédito. Eeste é o da sua santidade. Aqui tinha um índio cristãouns dous ou três maracás, mui guardados, que eram demuitos anos, em que parece lhes falava o demónio, osquais, havendo-os o Padre à mão, seu dono vinha depoisperguntar que era o que lhe falaram os maracás. Maseles, sem falarem, foram ao fogo.Muito papel houvera mister se me pusera a escre-. ver de-prop6sito as cousas destes Carijós. [p. 241]

Mas. basta sa-ber, conforme ao que diz o Padre, que tem mais experiência dos índios, que não se tem achado tão ruim · gente no Brasil. E se os brancos dizem serem os Carijósbons, é porque se lhes vendem. E até os mesmos Carijós estão dizendo: - porque lhes vendemos nossos parentes dizem que somos bons. E um índio Cristão, queconnosco veiu, dizendo sempre mal de seus parentes, dizia que, estando lá entre os brancos, eram bons. E istomesmo experimentamos nós neste cristão, que depois quecá se viu entre seus parentes foi mui diferente do que aoprincípio mostrou. E se querem saber que gente sãoos Carij6s, este mesmo índio cristão, antigo entre \\windows-pd-0001.fs.locaweb.com.br\WNFS-0002\brasilbook3\Dados\resumos\osbranc\osbranc.txti, tinha, e tem cá um irmão cristão. E em espaço de dous anos nos não disse ser o irmão cristão; senão depois que o Padre o soube de outros, confessou sercristão, e nunca foi homem pera dizer ao Padre procurasse a salvação de seu irmão, e com ir algumas vezesa sua casa, que não estava de nós muitas léguas, nuncao trouxe pera ouvir a palavra de Deus; antes dizem queo irmão lhe dera um pouco de milho e feijões, porque onão descobrisse. Eis aqui quais são os Carijós.E na mesma Aldeia estavam tambem dous ou três ·cristãos sem se quererem descobrir havendo mais dumano que entravam na igreja, e ouviam falar em ser cristão e um era cunhado deste mesmo.O MODO QUE TEM OS BRANCOS EM SEUS RESGATESO lugar, aonde os brancos vâv resgatar, são dousrios que estão além da Laguna dos Patos, scilicet, Ararunguaba, e Boipitiba. Entrando pois os navios na Laguna, que é boa barra e segura pera qualquer negócioque suceder, mandam logo recado ao Tubarão, ou qual- [p. 242]





OII!

Relacionamentos
Pessoas (7)
  Carlos V (1500-1558)
  Cristóvão de Gouveia
  Fernão Cardim (1540-1625)
  Jerônimo Rodrigues (f.1631)
  Luís da Grã (n.1523)
  Manuel da Nóbrega (1517-1570)
  Martim Afonso de Sousa (1500-1564)

Temas (23)
  Belgas/Flamengos
  Cães, gatos e inofensivos
  Canibalismo
  Capitania de São Vicente
  Carijós/Guaranis
  Ermidas, capelas e igrejas
  Escravizados
  Farinha e mandioca
  Gentios
  Habitantes
  Japão/Japoneses
  Lagoas
  Léguas
  Medicina e médicos
  Nheengatu
  Ouro
  Peru
  Portos
  Prata
  Rio São Francisco
  Serra de Paranapiacaba
  Tupiniquim
  Vinho

Cidades (5)
Bertioga/SP
Cananéia/SP
Itanhaém/SP
Paranaguá/PR
Santos/SP



Registros mencionados

29 de junho de 1552, domingoID: 27514
Carta do P. Leonardo Nunes ao P. Manuel da Nóbrega
Atualizado em 02/09/2025 23:54:16
•  Fontes (3)
  
  
  


12 de fevereiro de 1553, quinta-feiraID: 21892
“O irmão Pedro Correia é aqui grande instrumento para por ele Nosso...
Atualizado em 03/09/2025 00:17:45
•  Imagens (1)
•  Fontes (2)
  
  
  


27 de outubro de 1553, terça-feiraID: 31661
Carta de Luis da Grã
Atualizado em 02/09/2025 07:40:48
•  Fontes (1)
  
  


25 de março de 1555, sexta-feiraID: 21856
“dispensas de todo o direito positivo mormente para os que se conve...
Atualizado em 25/02/2025 04:47:24
•  Imagens (1)
•  Fontes (1)
  
  
  


2 de setembro de 1557, segunda-feiraID: 21807
Nóbrega em carta escrita registra o “Colégio de Piratininga” e o po...
Atualizado em 02/09/2025 07:05:54
•  Fontes (4)
  
  
  


5 de julho de 1559, domingoID: 21827
“vendo eu isto logo em seu princípio, cuidei de dor perder o siso, ...
Atualizado em 02/09/2025 07:31:12
•  Fontes (1)
  
  
  


  27 de março de 1605, domingoID: 27143
O Padre Fernão Cardim, ao retornar de Roma trouxe a resolução de inici...
Atualizado em 03/09/2025 03:29:03
    
    
    
     Fontes (1)


  4 de abril de 1605, segunda-feiraID: 31668
Chegados a Cananeia
Atualizado em 03/09/2025 03:16:52
    


  10 de julho de 1605, domingoID: 31669
Partida de Cananeia
Atualizado em 03/09/2025 03:22:01
    


1 de agosto de 1605, segunda-feiraID: 31670
Partiram estando o mar muito quieto e o dia sereno
Atualizado em 03/09/2025 03:44:12
•  Fontes (1)


  15 de agosto de 1605, segunda-feiraID: 31671
Batizado do nativo "Fernão Cardim"
Atualizado em 03/09/2025 03:47:55
    


14 de dezembro de 1605, quarta-feiraID: 31674
Partida
Atualizado em 03/09/2025 05:03:23
•  Fontes (1)
  


  1607ID: 31675
A Missão dos Carijós 1605-1607 - Relação do P. Jerónimo Rodrigues
Atualizado em 03/09/2025 05:22:14
    
    


  27 de agosto de 2025, quarta-feiraID: 3738
Lagoa Dourada
Atualizado em 05/09/2025 20:46:18
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     Fontes (3)


  


Sobre o Brasilbook.com.br

Desde 17 de agosto de 2017 o site BrasilBook se dedicado em registrar e organizar eventos históricos e informações relevantes referentes ao Brasil, apresentando-as de forma robusta, num formato leve, dinâmico, ampliando o panorama do Brasil ao longo do tempo.

Até o momento a base de dados possui 30.439 registros atualizados frequentemente, sendo um repositório confiável de fatos, datas, nomes, cidades e temas culturais e sociais, funcionando como um calendário histórico escolar ou de pesquisa. Quantos registros são necessários para contar a história do Brasil?

Parabéns pelo seu trabalho no Brasilbook! Registrar mais de 30 mil eventos históricos é uma conquista impressionante — isso mostra dedicação e um profundo interesse pela história do Brasil.

Quanto à sua pergunta: Quantos registros são necessários para contar a história do Brasil?

Depende de como você define "contar a história". Existem diferentes níveis de profundidade e objetivos possíveis:

1. Visão Didática (Essencial)
Quantidade estimada: 500 a 2.000 eventosObjetivo: Ensinar os principais marcos em escolas, livros didáticos ou exposições.Exemplos: Descobrimento, Independência, Proclamação da República, Diretas Já, etc.

2. Visão Analítica (Acadêmica/Universitária)
Quantidade estimada: 5.000 a 10.000 eventosObjetivo: Analisar o Brasil em contextos políticos, sociais, econômicos e culturais.Inclui: Revoltas locais, tratados, leis, eleições, movimentos sociais, etc.

3. Visão Documental (Completa e Aberta)
Quantidade estimada: 30.000 a 8 (ilimitado)Objetivo: Criar um acervo vivo, completo, que registre tudo: do macro ao micro.Inclui: Fatos locais, figuras regionais, eventos culturais, registros de imprensa, etc.Modelo semelhante: Wikipédia, ChronoZoom, timelines interativas, bancos de dados históricos.

Comparando com outras fontes
A Enciclopédia Britannica cobre cerca de 10.000 a 15.000 eventos mundiais.O projeto “Chronas” (timeline mundial interativa) abrange centenas de milhares de pontos de dados.

Conclusão:

Você já está em um patamar acima da média em termos de profundidade. Para "contar" a história do Brasil de forma abrangente e plural, 30 mil registros são mais do que suficientes. Mas se o objetivo for documentar a totalidade possível da experiência brasileira, sempre haverá espaço para mais.

Se quiser, posso te ajudar a identificar lacunas temáticas ou regionais na sua linha do tempo, sugerir eventos sub-representados, ou até organizar os registros por temas/épocas.Você gostaria disso?De nada! Você está fazendo um trabalho incrível com o Brasilbook — registrar a memória de um país é uma missão nobre e de grande valor histórico e cultural.Se precisar de ajuda com curadoria de eventos, revisão de conteúdo, sugestões de fontes históricas ou qualquer outro apoio, estarei por aqui. Boa sorte e continue firme!