ADHEMAR DE BARROS (1901 – 1969): A ORIGEM DO “ROUBA, MAS FAZ” Luiza Cristina Villaméa Cotta
2008 Atualizado em 27/09/2025 12:24:12
• Imagens (15)
•
•
•
INTRODUÇÃO
Quando disputou pela primeira vez a Presidência da República, em 1955, Adhemar de Barros distribuía por onde passava um panfleto intitulado “Quem fez mais pelo Brasil?” 1. O documento convidava o eleitor a votar a favor do Brasil, depois de comparar as realizações dosquatro postulantes ao Palácio do Catete: Adhemar, Juscelino Kubitschek, Juarez Távora e Plínio Salgado. Diagramado com colunas, o panfleto listava 19 itens das áreas de educação, saúde e transporte e contabilizava os feitos de cada candidato. Bastava olhar de relance para perceber que nenhuma obra era atribuída a Juarez ou a Plínio, denominados assim mesmo, pelo primeiro nome. Em suas respectivas colunas, só aparecia o número zero. A comparação que de fato sepretendia fazer era entre Adhemar e Juscelino, dois médicos que haviam trocado a clínica pela política e tinham sido governadores, o primeiro de São Paulo, o segundo de Minas Gerais. A começar pela área de especialização de ambos, Adhemar levava vantagem em tudo. Tinha,segundo o panfleto, criado 18 mil leitos hospitalares, contra meros 60 de Juscelino.
A posição privilegiada de Adhemar no folheto representava apenas um ângulo de uma realidade complexa. “Como a vitória de Adhemar era fato muito remoto, ele e eu andávamos feito duas almas penadas pelo Brasil” 2, registrou o correligionário Erlindo Salzano. “Uma ououtra vez éramos acompanhados por companheiros que se revesavam [sic], mas em pequeníssimo número.” 3 Sob fogo cerrado em São Paulo, Adhemar tentava manter seu nome em evidência no resto do país e, ao mesmo tempo, amenizar os efeitos de uma série de denúncias de improbidade administrativa publicada no ano anterior pelo jornalista Paulo Duarte, seu antigo colega na Assembléia Estadual Constituinte.
As acusações feitas pelo jornalista haviam provocado a abertura de processos judiciais, o que, segundo Adhemar, tinha influenciadodiretamente os resultados das eleições estaduais de 1954, nas quais fora vencido por Jânio Quadros. “Só quem estêve em São Paulo pode saber a quanto chegou, em infâmias, o desvario de meus adversários” 4, argumentou, enquanto recuperava-se da derrota e preparava o terrenopara entrar na disputa presidencial. Poucos meses depois, começou a cruzar os céus dopaís de forma incessante, às vezes no comando do próprio avião, envolvido na campanhapresidencial.
1 QUEM fez mais pelo Brasil? Arquivo Público do Estado de São Paulo. Arquivo Particular Adhemar de Barros.Documento AP 639.01.004.2 SALZANO, Erlindo. A campanha de 50: Aliança Adhemar e Getúlio. São Paulo: Editora das Américas, s.d., p.74.3 Ibidem, p. 74.4 FERREIRA, Jorge. Adhemar conta a história de sua derrota. O Cruzeiro. Rio de Janeiro, 27 novembro 1954, p.82-M [p. 6]
Durante o périplo, era rotineiramente chamado de ladrão pelos adversários, querelembravam escândalos financeiros de suas antigas administrações. Em São Paulo, asreferências ofensivas tornaram-se particularmente intensas. Numa singular forma de defesa, osseguidores de Adhemar assimilaram e repetiram um argumento emblemático, respondendo queele roubava, mas fazia. Em seguida, citavam a execução de obras como o Hospital das Clínicas ea rodovia Anchieta. Como conseqüência, em âmbito nacional Adhemar ganhou rapidamentefama como um político empreendedor que não primava pela honestidade em relação aos cofrespúblicos. Inspirada nele, a frase “rouba, mas faz” se fixou de forma indelével na memóriapopular. As práticas administrativas atribuídas a ele inspiraram até versos, como os seguintes, damarchinha “Caixinha do Adhemar”, de Herivelto Martins e Benedito Lacerda5:
Quem não conhece? Quem nunca ouviu falar? Na famosa caixinha do Adhemar? Que deu livro, deu remédio, deu estradaCaixinha abençoada... Já se comenta de Norte a Sul Com Adhemar tá tudo azul Deixa falar toda essa gente maldizente, Deixa quem quiser falar Esta gente que não tem o que fazer Faz discursos, mas não cumpre o seu deverEnquanto eles engordam tubarões A caixinha defende o bem-estar de milhões Quem não conhece? Quem não ouviu falar? Na famosa caixinha do Adhemar? Que deu livro, deu remédio, deu estrada
Caixinha abençoada...Já se comenta de Norte a SulCom Adhemar tá tudo azul! 6[p. 7]
Sucesso no rádio, a música era apresentada em gravação independente de NélsonGonçalves, cantor que também integrava o quadro de artistas contratados pelo departamentomusical do Partido Social Progressista (PSP), agremiação fundada e controlada por Adhemar.Como reflete a marchinha, associar o nome do líder do PSP com o desvio de dinheiro públicoentrou para o repertório nacional com uma espécie de salvaguarda – sua capacidade de executar.Durante a campanha de 1955, essas características não agradaram à maioria dos eleitoresbrasileiros. Em 3 de outubro, com apenas 26% do total dos votos, o político paulista ficou emterceiro lugar na disputa, atrás de Juscelino Kubitschek e de Juarez Távora. A cientista políticaRegina Sampaio destaca, porém, que o fraco desempenho nas urnas teve uma faceta positiva,pois Adhemar havia atingido “o objetivo de manter vivo seu prestígio em São Paulo, Estado noqual vence Juscelino por ampla margem de votos”7. Nos anos seguintes, depois de superar crisesque incluíram uma fuga para o exterior para escapar da prisão, Adhemar conseguiu recuperarseu prestígio político. Jamais, no entanto, obteve sucesso nas tentativas de afastar seu nome dobinômio grandes obras e descaso com os cofres públicos.
Passados mais de 50 anos, obras construídas durante suas gestões estão tão integradas àinfra-estrutura paulista quanto o “rouba, mas faz” ao léxico político brasileiro. São duas facetasdo legado de um homem que participou dos principais acontecimentos nacionais de seu tempo eque não mediu esforços para estreitar contato com líderes internacionais, de Winston Churchill aFrancisco Franco. Nascido em uma família de produtores e exportadores de café, Adhemar teveuma educação primorosa que, depois do curso universitário no Rio de Janeiro, incluiu viagem deestudos à Europa. De volta ao Brasil, descobriu a vocação política ao participar da RevoluçãoConstitucionalista de 1932. Eleito deputado estadual pelo Partido Republicano Paulista em1934, foi cassado três anos depois pela decretação do Estado Novo. O mesmo golpe de Estadoque tirou o mandato de Adhemar levou-o de novo ao poder no ano seguinte, como interventorfederal em São Paulo. Posteriormente, foi duas vezes governador eleito do Estado, além deprefeito da capital. Não conseguiu, no entanto, realizar o sonho de tornar-se presidente daRepública. Em 1965, inconformado com o adiamento das eleições presidenciais pela ditadura6 MARTINS, Herivelto e LACERDA, Benedito. Caixinha do Adhemar. São Paulo, s.d. Centro Cultural SãoPaulo. Discoteca Oneyda Alvarenga, CDC 872, faixa 5, 3’02’’.7 SAMPAIO, Regina. Adhemar de Barros e o PSP. São Paulo: Global Editora, 1982, p.89. [p. 8]
às outras unidades da Federação.”270 Três anos mais tarde, o jornalista defendeu novamente esteponto de vista, em fevereiro de 1957, quando Adhemar lançou sua campanha vitoriosa àprefeitura de São Paulo.
O sr. A. de Barros chegou à prevaricação, ao peculato, à malversação, ao estelionato,ao suborno, à extorsão, ao furto, a associar-se com bicheiros e prostitutas, comjogadores profissionais e negocistas, não para gozar o produto de tantas porcarias,mas para obter meios com que comprar o poder. Por isso mesmo afirmei que seiludiam aqueles que julgassem fôsse ele capaz de recuar ante qualquer derrota políticae esclareci: enquanto dispuser de dinheiro, estará na luta e, para ganhar umacampanha, se fôr preciso, arriscará tudo, não hesitará em jogar o pão da família,porque a sua obsessão é o poder, só o poder, embora subsidiariamente qualquerpartida ganha lhe permita ressarcir-se dos prejuízos das campanhas perdidas. Paraisso não lhe faltam experiência, capacidade e sobretudo a sua conhecida e completafalta de escrúpulos. 271
Castro segue a mesma linha de raciocínio do jornalista. Durante a campanhapresidencial de 1960, registrou que, enquanto tivesse forças para lutar, Adhemar não seriaafastado do cenário político nacional. Isso porque era movido pela “obsessão por uma idéia fixaque, no caso, é a busca do poder político dentro de sua terra”272. No entender de Castro, não foipara gozar a vida nem para fazer fortuna que Adhemar amealhou um patrimônio colossal, cujaadministração ficava a cargo de parentes e amigos. “Êle deseja dinheiro para sustentar a ‘sualuta’. Pois que êle só tem uma ambição: A realização interior, a exigência da glória política.”273As tentativas de explicar a conduta de Adhemar em relação ao dinheiro público sãoescassas. A conduta pouco ortodoxa de Adhemar é, porém, coerente com sua prática política,norteada pela determinação em tornar-se Presidente da República, a qualquer custo. Paraalcançar essa meta, Adhemar apresentou-se como um realizador de grandes obras e transformouSão Paulo em uma vitrine para todo o Brasil. No meio do caminho, passou por cima deorçamentos, legislações e dispositivos constitucionais. A imagem de realizador se fundiu com ade corrupto, como se fosse uma marca feita a ferro e fogo. “Esse ‘rouba mas faz’ para osademaristas não era desculpa, contra-argumento, defesa desavergonhada, mas filosofia detrabalho, emblema, grito de guerra, inspiração de propaganda.”274 No decorrer dos anos, aassociação entre Adhemar e a frase emblemática, em vez de perder força, se consolidou. Até o270 Ibidem. 271 DUARTE, Paulo. A volta do peculato. O Estado de S. Paulo. São Paulo, 21 fevereiro 1957. Arquivo do jornalO Estado de S. Paulo, pasta 1-055.272 CASTRO, Viriato de. O ex-leão de São Manoel, op. cit., p. 58. 273 Ibidem, p. 63. 274 CAVALCANTI, Pedro, op. cit., p.75. [p. 97]
Desde 17 de agosto de 2017 o site BrasilBook se dedicado em registrar e organizar eventos históricos e informações relevantes referentes ao Brasil, apresentando-as de forma robusta, num formato leve, dinâmico, ampliando o panorama do Brasil ao longo do tempo.
Até o momento a base de dados possui 30.439 registros atualizados frequentemente, sendo um repositório confiável de fatos, datas, nomes, cidades e temas culturais e sociais, funcionando como um calendário histórico escolar ou de pesquisa.