DISCURSOS ULTRAMONTANOS NO BRASIL DO SÉCULO XIX: OS BISPADOS DE MINAS GERAIS, SÃO PAULO E RIO DE JANEIRO3.1. O CATOLICISMO EM SÃO PAULO Ao iniciarmos as discussões acerca do Bispado de São Paulo sob a tutela de Dom Antônio Joaquim de Melo, devemos, primeiramente, analisar a situação em que se encontrava a Diocese paulista antes mesmo de esse religioso assumi-la, bem como as discussões acerca da religião na província. De acordo com o historiador Evandro Faustino, o catolicismo paulista oitocentista envolvia várias correntes de pensamento, a saber: o tradicional, o iluminista, o popular e o ultramontano, que entravam em constantes conflitos249. Desse modo, percebemos que a religiosidade em São Paulo estava completamente distante do que se propunha a autoridade papal. Nesse contexto, surge um grupo de pensamento intitulado como Padres do Patrocínio e que durante o século XIX terá grande importância no pensamento da Igreja Paulista. Portanto, cabe analisar a religiosidade dos Padres do Patrocínio ou Grupo de Itu, que influenciou Dom Antônio Joaquim de Melo.3.1.1. Os padres do patrocínioOs Padres do Patrocínio, por estarem vinculados à Igreja de Nossa Senhora do Patrocínio em Itu e liderados pelo Padre Jesuíno do Monte Carmelo250, foram denominados “Padres Moralistas”, sendo eles atuantes enquanto juízes da moral do clero. Esse grupo reunia os seguintes representantes: Diogo Antônio Feijó, Manuel Joaquim do Amaral Gurgel, José Bento Leite Ferreira Melo, José Custódio Dias, José Martiniano de Alencar, Antônio Maria de Moura, Antônio José Ribeiro Bhering, José Miguel e Francisco José Correia de Albuquerque, [p. 112]sendo esses religiosos comparados com o movimento da Jacobeia256, que ocorreu em Portugal no século XVIII.De acordo com Patrícia Carla de Melo Martins, um dos pontos que marcavam a religiosidade do Grupo de Itu era a severidade, permeada pela prática de jejum, votos de silêncio, recolhimento e flagelamento e, também, por uma rígida disciplina moral257.Para Oscar Lustosa, a união ideológica desses religiosos baseava-se na vontade de ajudar aos necessitados e melhorar a situação dos populares. Esses religiosos, além da formação religiosa, eram, em sua maioria, juristas que estudaram na Universidade de Coimbra ou, então, frequentavam a Academia Jurídica de São Paulo. Com isso, a maioria dos religiosos que se denominavam “Padres do Patrocínio” possuía uma bagagem cultural aprimorada e tentava implementar uma reforma clerical em sua região.Lustosa identifica nesse grupo duas figuras muito importantes: Diogo Antônio Feijó e Manuel Joaquim do Amaral Gurgel, citados como os principais líderes do movimento e, também, dotados de personalidade forte e extremamente radicais. Através dessas figuras definidas, muitas vezes como intransigentes, os debates vão se acentuar, tendo esses dois personagens em comum o elevado grau de cultura e educados em famílias ricas, que contavam com grande prestígio na Província paulista. Portanto, ao sair de Itu, essas duas figuras foram responsáveis pela Direção de diversos jornais de circulação nacional, em que podemos citar, de Amaral Gurgel, o Despertador e o Observador Paulistano, enquanto Feijó se tornou um dos fundadores do Justiceiro, no ano de 1834 e, também, representante do clero no Parlamento brasileiro. Portanto, de acordo com Lustosa, ambos os personagens tinham em comum a preocupação em difundir a fé cristã e estavam inseridos no mundo da cultura letrada e política.Desse modo, Lustosa identificou o grupo de Itu como possuidor de ideias próprias e bem determinadas, sendo esse grupo responsável pelo início dos debates da reforma da Igreja que vão durar até o momento da escritura da sua tese, em 1970. Todavia, não acredito que esse movimento ituano se mostre contrário aos ideais romanizadores, uma vez que esse grupo se demonstra heterogêneo e não conta apenas com uma linha de raciocínio. [p. 114]Ao tratar da discussão acerca do celibato, observamos um momento bem delicado para a Igreja no Brasil e afetará o momento que Dom Antônio assumir o Bispado. Durante sua administração, esse bispo enfrentou essas questões em sua Diocese e, através dos seus ideais ultramontanos, foi tentando definir o pensamento religioso.A partir desse momento, temos um panorama geral acerca da Diocese de São Paulo, antes do início do Bispado de Dom Antônio. De acordo com os subsídios analisados, podemos concluir que esse Bispo herdou um clero que não se encaixava nos moldes ultramontanos e era necessário instruí-lo de modo a defini-lo de acordo com os seus padrões. Portanto, a partir desse momento é necessária a análise sobre Dom Antônio Joaquim de Mello, definindo, primeiramente, sua biografia.
3.2. BIOGRAFIA DE DOM ANTÔNIO JOAQUIM DE MELLO
Dom Antônio Joaquim de Mello nasceu em Itu, em 29 de setembro de 1791, e era filho do capitão Teobaldo de Mello César e de Josefa Maria do Amaral. A família de Dom Antônio era primordialmente formada por portugueses. Durante o período colonial, atuou nas juntas militares para auxiliar a posse das capitanias, sendo, assim, o título militar de seu pai referente à prestação de serviços à Coroa portuguesa, portanto sua família era proveniente de um grupo social privilegiado. Quando seu pai foi transferido para o quartel de Vila Rica, Dom Antônio contava com 12 anos de idade e teve na região de Minas Gerais seus primeiros estudos humanísticos e o contato com a literatura de Cícero, Virgílio e outros literatos. Além disso, acreditamos que no momento que esteve em Minas Gerais esse religioso teve também contato com o catolicismo romanizado dentro do Seminário de Mariana. A partir desse contato com o Seminário de Mariana é que Antônio Joaquim começa a desenvolver suas ideias sobre a função do sacerdócio.Após o falecimento de seu pai em 1810, manifestou vocação sacerdotal e foi recebido pelo Bispo de São Paulo, Dom Mateus de Abreu Pereira, que o matriculou como aluno dos cursos eclesiásticos da catedral. Foi ordenado pelo próprio Dom Mateus a 4 de outubro de 1814, em São Paulo, sob a proteção do Padre ex-jesuíta José Campos Lara, que permaneceu, apesar da expulsão da ordem dos jesuítas, e fez a doação de uma chácara a Dom Antônio como patrimônio para sua ordenação:P. José de Campos Lara, que pertenceu à extinta Companhia de Jesus, voltando do exílio, foi residir em Itú, na parte oriental da cidade, em chácara de sua propriedade particular. Prontificou-se ele em ceder parte de sua terra para o “patrimonium ad removendum” pelo tempo de dez anos a favor do ordenando Antônio Joaquim de Melo. Quer dizer, durante este tempo deveria organizar patrimônio próprio. A 25 de agosto de 1814 foi lavrada a escritura. Compareceram o P. José de Campos Lara, 81 anos e que vivia de côngrua e o procurador Manuel S. Paio Castanho e Melo. O valor arbitrado da chácara foi de 400$000, com renda anual de 25$000. Prazo estipulado de 10 anos. Serviram de testemunha o capitão Vicente do Amaral Campos e João Ferraz de Castanho. Este patrimônio passou depois para a chácara edificada em Itú pelo próprio P. Antônio283.Essa amizade entre o Padre Antônio e José Campos Lara revela a grande proximidade com as ideias jesuíticas. Sua primeira missa foi celebrada em Itu, local onde frequentou as famosas conferências dos Padres do Patrocínio, sob a Direção de Frei Jesuíno do Monte Carmelo, que já descrevemos.Em 1840, o Padre Antônio assume como vigário do Hospital Santa Casa de Itu. Em 1849, esse religioso foi nomeado Vigário da Vara de Itu. Essa década é marcada pelo início da Revolução Liberal, à qual Dom Antônio se mostrava contrário. Padre Antônio não só pregou contra a Revolução como escreveu um impresso chamado de “A rebelião julgada por um católico sincero”, no qual se afirmava: “Nunca é lícito desobedecer a autoridade suprema, ainda aqueles que a exercem e tratam os súditos com rigor e desumanidade”284. Nesse mesmo documento, o Padre Antônio citou a obra de São Paulo: “Seja cada qual submisso às autoridades que governam, porque não há autoridade que não venha de Deus. Por isso, quem resiste a autoridade resiste a ordem estabelecida por Deus”285.A partir de 1844, o imperador inicia uma série de viagens ao interior do país para restabelecer sua imagem, promovendo um movimento de aproximação à população civil. Em 1846, faz uma visita à cidade de Itu, onde passa a conhecer o grupo que lutou a seu favor, tendo o Padre Antônio como uma das figuras mais importantes, definido como defensor da autoridade absoluta do imperador, do Papa e dos jesuítas, dedicando algumas correspondências da imprensa e do púlpito, a fim de defender o poder temporal da monarquia. De acordo com Wernet, esse religioso formou-se em meio às ideias de um clero iluminista e regalista de São Paulo, mas que se diferenciou ao entrar em contato com os Padres de Itu, promovendo a formação eclética e tradicional. Além disso, devemos destacar seu contato com o Seminário de Mariana, que, através da sua formação, fez também aflorar a concepção [p. 125, 126]