' Varnhagen em movimento: breve antologia de uma existência, 2007. Temístocles Cezar - 01/01/2007 de ( registros) Wildcard SSL Certificates
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Varnhagen em movimento: breve antologia de uma existência, 2007. Temístocles Cezar
2007. Há 17 anos
vantagem” porquanto o “conhecimento individual” que fez delas – dessas “duas localidades, núcleos de duas de nossas capitanais primitivas” –ampliará sua capacidade de escrever a história: “melhor poderei descreverpara o futuro.”114 O olho, como diria Foucault, “torna-se o depositárioe a fonte da clareza”.115 Não se trata apenas de uma compensação à inexistência de documentos acessíveis ou confiáveis, mas de um expedientecognitivo: isto é, a visão aparece não como um último recurso, mas comoinstrumento de saber; portanto, não como uma metodologia alternativa,mas como fundamento epistemológico da pesquisa. Ou seja, não é buscarno presente os traços do passado de uma forma instantânea e irrefletida;a autópsia não é, em Varnhagen, um dado imediato da consciência e simum trabalho intelectual que requer conhecimento anterior e uma constante interlocução entre a inatualidade pretérita e o presente.

A morte e o cuidado de si

Varnhagen tinha a intenção de um dia “depois de acabar a nossa Historia da Independência”, publicar o diário desta viagem – na qual inclusive acreditava ter encontrado o local exato da chegada de Cabral e da celebração da primeira missa – e “(que resultou até em proveito de nossa saúde), com as observações feitas, especialmente com respeito a ortographia dos pontos percorridos, na ida e na volta; o que tudo apontávamos em cada noite, apezar das fadigas do caminho, e depois de haver andado, desde às 6 da manha, às vezes oito e nove leguas”.116

O historiador-viajante não teve tempo de escrevê-lo. As vicissitudes da viagem provocaram-lhe uma doença fatal. Em 29 de junho de 1878, com 62 anos, o visconde de Porto Seguro morre em Viena, longe, como sempre, de sua terra natal*.

*Seu filho, Xavier de Porto Seguro confirma, em suas memórias, que a viagem foi a causa de sua morte: “no fim de nosso segundo ano de colégio, meu pai teve a infeliz idéia de fazer uma viagem ao Brasil. Essa viagem foi a causa de sua morte. Ele ficou seis meses ausente, e voltou com uma doença nos pulmões”, PORTO-SEGURO, Xavier de. Mémoires, recueillies et mises en ordre par Hippolyte Buffenoir. Paris: Bureaux de la Revue dela France Moderne, 1896, p. 21.

Em seu testamento consta a orientação de que no local de seu nascimento fosse erigido um monumento à sua memória. Quatro anos após sua morte, nas terras da Real Fabrica de Ferro de São João de Ipanema,sua vontade é atendida. Em uma das faces do pedestal se lê a seguinte inscrição:

À memória de Varnhagen, Visconde de Pôrto Seguro, nascido na terra fecunda descoberta por Colombo, iniciado por seu pai nas coisas grandes e úteis. Estremeceu sua Pátria e escreveu-lhe a História. Sua alma imortal reúne aqui tôdas as suas recordações.”118

Não se sabe quem escreveu esse epíteto. Pode ter sido um amigo, um admirador, alguém da família ou o próprio Varnhagen. Seja como for, a solicitação do historiadornão precisa ser percebida apenas como um reflexo egocêntrico, mas talvez como uma atitude preventiva. Tudo indica, a partir do que se sabe sobre sua vida, que Varnhagen tinha consciência de não ser muito popularem seu país, e que desconfiava da fidelidade de seus colegas em preservarsua memória. Ele sempre reivindicou que a pátria reconhecesse seus grandes homens. Parece que não mudou de opinião, mesmo após a morte! Eisaqui, mais uma vez, um dos limites do paradoxo varnhageniano que vimos tentando demonstrar ao longo deste ensaio: o melhor historiador danação tinha dificuldades em ser reconhecido como desejava, sobretudono IHGB; o grande patriota que não está quase nunca na sua pátria. JoséVeríssimo é um dos poucos comentadores de Varnhagen a chamar a atenção para essa aparente contradição:Consagrou toda a sua laboriosa existência a estudar a história do Brasil, e aservi-lo com dedicação e zelo em cargos e missões diplomáticos. Sente-selhe, entretanto, não sei que ausência de simpatia, no rigor etimológico dapalavra, pelo país que melhor que ninguém estudou e conhecia, e era o doseu nascimento. Não é patriotismo, entenda-se, que lhe desconhecemos,esse o tinha ele, como qualquer outro e do melhor. Faltava-lhe, porém, nãolho sentimos ao menos, aquele não sei quê íntimo e ingênuo, mais instintivo que raciocinado, sentimento da terra e da gente. Ele não tem as idiossincrasias do país.119Nota-se, tanto na sua correspondência quanto na sua obra, que Varnhagen passa boa parte de sua vida procurando resolver essa ambigüidade, ou,no mínimo, a dominar esse sentimento de desterrado. Ele procura estabelecer uma ligação constante, uma coerência íntima entre os termos contraditórios de sua existência, como brasileiro (levando-se em consideraçãoque ele é o único em seu núcleo familiar – filhos nascidos no estrangeiro,esposa estrangeira, filho de estrangeiro…) e como historiador da nação.120A imensa obra dedicada ao Brasil não seria uma maneira, para ele, de estar sempre entre os brasileiros? “Toda a modestia não é bastante para queeu não reconheça que a Historia do Brazil, ao menos em muitos de seusperíodos, fica com a minha obra de uma vez escripta, e que ella viverá (aobra) eternamente, e fará eternamente honra, ao Brazil e ao reinado de [Páginas 28 e 29 do pdf]

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